Por Célia Musilli
Em dia de tempestade, ele parece sentir um curto-circuito. Na velocidade dos raios, pula e se esconde embaixo da cama. Depois, num mergulho digno de um golfinho, o animal de quatro patas volta à superfície, arriscando um salto que passa rente à minha orelha e me faz proteger os olhos com as mãos.
O nome do animal elétrico com o qual convivo é Grafite, o gato siamês com pés na nobre linhagem dos vira-latas, o que não faz dele um bicho puro de raça, mas uma misturinha cabocla, ativo como quem recebe ordens de ondas elétricas, que recolhe no ar e transforma em estripulias, no apartamento de 130 metros quadrados.
Adotado depois de ser encontrado com uma ninhada de mais dois gatinhos, a poucos quilômetros do centro de Londrina (PR), o bichinho chegou em casa acomodado numa caixa de onde saiu como um bebê, tirando do cerco de papelão uma pata de cada vez. Depois ganhou confiança, teve colo, subiu nas cadeiras, descobriu minha cama, aninhou-se no inverno entre as cobertas, até descobrir os armários com a gata Tattoo, habitante mais antiga da casa, bonita como uma tigresa de pelos dourados e andar sensual como o de Gisele Bündchen.
Hoje, a dupla anima minhas manhãs, revezando o humor de modo que nunca sei se vão acordar como gatos ou como tigres, se vão ficar em silêncio ou desatar a miadeira até que a ração seja servida, os vizinhos acordem, e eles se deem conta de que o dia finalmente começou, dispostos às aventuras de sempre.
A Ode ao Gato, do poeta chileno Pablo Neruda*, celebra o felino como o bicho que chegou pronto ao mundo.
"Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça voo.
O gato,
só o gato apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer."
Eu diria que tal perfeição combina com a suprema malícia. Já vi gatos cercando ratinhos em tijolos furados num jogo de pega-pega, já vi gatos caçando vaga-lumes em telas de computador, pegando bolinhas de papel para devolvê-las ao cesto e - pasmem - acompanhando balés na televisão como se fossem eles mesmos o Nureyev.
Com tanta vivacidade, concordo com Neruda sobre a perfeição do gato, em poses de pura elegância ou brincadeiras que me lembram malabarismos e saltos sem rede de proteção. Mas também concordo com o poeta sobre o mistério do gato, porque nunca sei se veem baratas ou espíritos nas paredes, quando estalam os olhos num ponto fixo. Nessa hora, confesso que fico com medo do gato, que, além de bicho, é mago.
Fonte: Folha de Londrina
Ilustração: Marco Jacobsen
NOTAS DA NATUREZA EM FORMA:
*1. O poeta brasileiro Ferreira Gullar também já exaltou os gatos em sua arte. Leia aqui.
2. Conheça aqui nossos mais que perfeitos bichanos para adoção!
Nenhum comentário:
Postar um comentário