Um grupo de javalis procura comida numa rua de Barcelona (Foto: Laurent Geslin)
Animais que há milhões de anos exercem hábitos diurnos estão trocando o dia pela noite. Sejam grandes ou pequenos, de floresta ou de savana, predadores ou presas, em todo o planeta as espécies estão transferindo a maior parte de sua atividade para o horário noturno. Um amplo estudo aponta a expansiva presença humana como a causa dessas mudanças, que podem alterar a dinâmica de ecossistemas inteiros.
O impacto dos humanos sobre a vida selvagem tem muitas arestas. A mais evidente é a redução do espaço disponível para os animais à medida que a espécie humana foi se expandindo pelo globo. Além disso, esses espaços naturais são cada vez mais reduzidos e esquartejados, e sua qualidade se reduz a cada nova infraestrutura que os cerca. Uma das consequências de tudo isso é que os animais se movem cada vez menos nas zonas com presença humana e se refugiam em áreas cada vez mais diminutas. Mas há outra forma de se esconder das pessoas: só sair quando elas vão dormir.
Um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos comprovou o caráter global dessa translação da vida animal para os horários em que o grande predador diurno descansa. Reunindo os resultados de dezenas de estudos sobre os movimentos de 60 espécies de mamíferos nos cinco continentes, os cientistas comprovaram que onde há uma perturbação humana os mamíferos têm 1,36 vez mais atividade noturna, em média. Isso significa que um animal que, sem perturbações, distribuiria em partes iguais suas atividades entre o dia e a noite aumentaria sua atividade noturna em até 68%.
“Há indícios de que animais de todas as partes estão ajustando seus padrões de atividade diária para evitar os humanos no tempo, já que é cada vez mais difícil para eles nos evitar no espaço”, diz a autora principal do estudo, Kaitlyn Gaynor, da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA). “Como as pessoas são mais ativas durante o dia, os animais estão passando para a noite”, acrescenta. Essa mudança se produz tanto entre herbívoros quanto grandes carnívoros, como o tigre. O padrão se repete nos mamíferos menores, como o saruê, e em alguns que chegam a pesar mais de 3,5 toneladas, como o elefante africano.
O mais chamativo dessa análise, publicada na revista Science (leia aqui, em inglês), talvez seja que os animais estão se tornando mais noturnos independentemente do nível de perigo que os humanos representam. “Esperávamos encontrar uma tendência de aumento da atividade noturna nas proximidades dos humanos, mas nos surpreendeu a consistência dos resultados. Os animais respondem a todos os tipos de perturbação humana, sem importar se realmente representam uma ameaça direta”, acrescenta.
O trabalho de Kaitlyn se baseia em dezenas de estudos que usaram diversas técnicas de rastreamento dos movimentos dos animais (balizas, colares com emissores de rádio, GPS, armadilhas fotográficas e observação direta) diante de um leque de presenças humanas, de turistas a caçadores, passando por campos de cultivo e estradas. Um desses estudos rastreou uma espécie oportunista, a raposa, pelas terras de Castilla-La Mancha (centro-sul da Espanha), numa série de entornos de menor (Parque Nacional de Cabañeros) ou maior presença humana (arredores de Ciudad Real).
“Embora seja um animal crepuscular, quanto mais perturbação humana havia, mais a raposa tendia a reduzir sua atividade diurna”, diz o biólogo Francisco Díaz, da Universidade de Málaga, coautor do estudo. Para as raposas mais noturnas, produzia-se um desajuste temporal com sua principal presa, o coelho, eminentemente diurno. Para a sorte delas, as raposas estão entre os animais que melhor se adaptam ao meio. “Mas há outras espécies com milhões de anos de adaptação a uma conduta diurna que não são tão flexíveis”, recorda Díaz.
As consequências dessa mudança de tantas espécies para a noite ainda são incertas. Em princípio, pareceria que deixar o dia para os humanos facilitaria a coexistência deles com os animais. Mas uma mudança tão generalizada e rápida de padrões de atividade moldados durante milênios pode alterar todo um ecossistema. “No caso dos predadores não adaptados a caçar de noite, poderia ocorrer um aumento da população dos ungulados que eram suas presas, o que afetaria a disponibilidade de cobertura vegetal, produzindo um efeito em cascata”, comenta a pesquisadora Ana Benítez, da Universidade Radboud, em Nijmegen, nos Países Baixos.
Para a ecóloga espanhola, que também investigou os diferentes impactos humanos sobre a vida animal, o mais relevante dessa pesquisa é que ela confirma uma hipótese exposta nos anos 1960 pelo biólogo Fritz R. Walther: “Os animais respondem igualmente perante os humanos, sempre nos veem como predadores”. Isso leva a questionar se o impacto de um caçador pode ser o mesmo que o de um turista amante da natureza. Para Kaitlyn, sua pesquisa “sugere que basta a nossa mera presença para interferir nos padrões naturais de conduta”.
O impacto dos humanos sobre a vida selvagem tem muitas arestas. A mais evidente é a redução do espaço disponível para os animais à medida que a espécie humana foi se expandindo pelo globo. Além disso, esses espaços naturais são cada vez mais reduzidos e esquartejados, e sua qualidade se reduz a cada nova infraestrutura que os cerca. Uma das consequências de tudo isso é que os animais se movem cada vez menos nas zonas com presença humana e se refugiam em áreas cada vez mais diminutas. Mas há outra forma de se esconder das pessoas: só sair quando elas vão dormir.
Um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos comprovou o caráter global dessa translação da vida animal para os horários em que o grande predador diurno descansa. Reunindo os resultados de dezenas de estudos sobre os movimentos de 60 espécies de mamíferos nos cinco continentes, os cientistas comprovaram que onde há uma perturbação humana os mamíferos têm 1,36 vez mais atividade noturna, em média. Isso significa que um animal que, sem perturbações, distribuiria em partes iguais suas atividades entre o dia e a noite aumentaria sua atividade noturna em até 68%.
“Há indícios de que animais de todas as partes estão ajustando seus padrões de atividade diária para evitar os humanos no tempo, já que é cada vez mais difícil para eles nos evitar no espaço”, diz a autora principal do estudo, Kaitlyn Gaynor, da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA). “Como as pessoas são mais ativas durante o dia, os animais estão passando para a noite”, acrescenta. Essa mudança se produz tanto entre herbívoros quanto grandes carnívoros, como o tigre. O padrão se repete nos mamíferos menores, como o saruê, e em alguns que chegam a pesar mais de 3,5 toneladas, como o elefante africano.
O mais chamativo dessa análise, publicada na revista Science (leia aqui, em inglês), talvez seja que os animais estão se tornando mais noturnos independentemente do nível de perigo que os humanos representam. “Esperávamos encontrar uma tendência de aumento da atividade noturna nas proximidades dos humanos, mas nos surpreendeu a consistência dos resultados. Os animais respondem a todos os tipos de perturbação humana, sem importar se realmente representam uma ameaça direta”, acrescenta.
O trabalho de Kaitlyn se baseia em dezenas de estudos que usaram diversas técnicas de rastreamento dos movimentos dos animais (balizas, colares com emissores de rádio, GPS, armadilhas fotográficas e observação direta) diante de um leque de presenças humanas, de turistas a caçadores, passando por campos de cultivo e estradas. Um desses estudos rastreou uma espécie oportunista, a raposa, pelas terras de Castilla-La Mancha (centro-sul da Espanha), numa série de entornos de menor (Parque Nacional de Cabañeros) ou maior presença humana (arredores de Ciudad Real).
“Embora seja um animal crepuscular, quanto mais perturbação humana havia, mais a raposa tendia a reduzir sua atividade diurna”, diz o biólogo Francisco Díaz, da Universidade de Málaga, coautor do estudo. Para as raposas mais noturnas, produzia-se um desajuste temporal com sua principal presa, o coelho, eminentemente diurno. Para a sorte delas, as raposas estão entre os animais que melhor se adaptam ao meio. “Mas há outras espécies com milhões de anos de adaptação a uma conduta diurna que não são tão flexíveis”, recorda Díaz.
As consequências dessa mudança de tantas espécies para a noite ainda são incertas. Em princípio, pareceria que deixar o dia para os humanos facilitaria a coexistência deles com os animais. Mas uma mudança tão generalizada e rápida de padrões de atividade moldados durante milênios pode alterar todo um ecossistema. “No caso dos predadores não adaptados a caçar de noite, poderia ocorrer um aumento da população dos ungulados que eram suas presas, o que afetaria a disponibilidade de cobertura vegetal, produzindo um efeito em cascata”, comenta a pesquisadora Ana Benítez, da Universidade Radboud, em Nijmegen, nos Países Baixos.
Para a ecóloga espanhola, que também investigou os diferentes impactos humanos sobre a vida animal, o mais relevante dessa pesquisa é que ela confirma uma hipótese exposta nos anos 1960 pelo biólogo Fritz R. Walther: “Os animais respondem igualmente perante os humanos, sempre nos veem como predadores”. Isso leva a questionar se o impacto de um caçador pode ser o mesmo que o de um turista amante da natureza. Para Kaitlyn, sua pesquisa “sugere que basta a nossa mera presença para interferir nos padrões naturais de conduta”.
Fonte: El País
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