Como o mundo (e você também) te faz ignorar os direitos e o sofrimento dos animais


Por Julio Cesar Prava*

Você vê um vegano e já sabe que ele é chato e arrogante por apontar o dedo e te chamar de assassino cruel, dizendo que você come cadáveres. O bife no seu prato é cultural, sustenta o trabalho de muitas pessoas, é saboroso e te dá força - o churrasco no fim de semana, então… dá até água na boca.

Por incrível que pareça, quase todo vegano de hoje em dia já foi assim, apreciador de algum tipo de carne. A esmagadora minoria de pessoas nasceu vegana, afinal, os direitos dos animais passaram a ser seriamente debatidos por filósofos a partir dos anos 1970, e há muito menos tempo eles vêm tendo um bom crescimento e divulgação, graças à internet.

Também são poucas as pessoas que viraram vegetarianas ainda crianças, afinal, os pais dão um jeito de lhes dizer que comer animais é normal, e de fato o é. Normal é aquilo que a maioria das pessoas faz em uma sociedade; e na nossa, ainda é normal comer e explorar animais. Em outras sociedades, existem muitas coisas normais que para nós, do Brasil, não são: comer cachorros, apedrejar mulheres, estuprar crianças, casar forçadamente e uma infinidade de coisas justificadas pela cultura, que não parecem tão justas para nós, mas que são normais para eles.

Há não muito tempo, pouco mais de 200 anos, grandes países permitiam a escravidão e mulheres não votavam. Era normal, as leis justificavam tais ideias e quem dissesse o contrário era o chato da época. Cada época tem seus chatos, e os da vez são os veganos, claro, junto com as feministas, gays e negros, que pedem por um mundo mais igualitário. O que todos eles têm em comum é que são atacados por aqueles que pensam em si antes de pensarem em suas vítimas. Querendo ou não, aquele bife saboroso é o pedaço de uma vítima que sofreu e desejava viver sua vida. Aliás, é nisso que se pautam os veganos: na individualidade dos animais e sua senciência, que é a consciência sobre dor e bem-estar que esses seres possuem.

Nossos pais nunca nos falaram disso, a normalidade não é essa, não podemos cobrá-los por não terem nos ensinado algo que vem confrontando essa normalidade, eles são normais, oras. Estamos há muito mais tempo explorando animais do que não fazendo isso, daí os veganos são bastante anormais, eles veem algo além do óbvio: que animais morrem, e lutam por seres além deles mesmos, por isso são estranhos… e chatos, claro.

Pode ser extremamente óbvio para um vegano considerar os animais como eles são – como indivíduos -, pois eles têm um senso de justiça mais apurado nessa questão, afinal, se os animais sofrem e podemos evitar isso, por que continuarmos? A escolha por reduzir sofrimento e não violar a liberdade dos bichos é decididamente mais ética, pois ética – mesmo que as pessoas não saibam – não se pauta num só indivíduo, e sim em escolher o que mais beneficia o todo, naquilo que mais se aproxima do bem comum. Partindo disso, podemos entender que o justo nem sempre é o que as pessoas acreditam que seja ou esteja na lei. Mas por que não somos todos capazes de pensar dessa forma e respeitar os animais?

Se você aprende desde criança que 1+1 resulta em 3 e só aos 20 anos alguém vem te dizer que 1+1 são 2, mesmo que isso seja certo vai parecer absurdo. Você viveu com pessoas que pensam que 1+1 são 3 e tudo que você sabe gira em torno disso, então quanto mais alguém insistir que isso é errado, mais essa pessoa vai ser chata para você. Isso acontece com a exploração animal.

Desde criança, houve uma dessensibilização com a naturalização da inferioridade animal, um pensamento conhecido como antropocentrismo moral, onde o humano se coloca num pedestal, é o centro da natureza e tudo pode, e isso vai da religião à ciência. Nós até ficamos incomodados vendo animais sendo torturados, mas não queremos ir além, preferimos fechar as imagens, os vídeos – e os olhos –, e xingar as pessoas que fazem aquele ato “isolado”, em vez de percebermos que somos nós que financiamos essas coisas. Essa normalidade, que permite a exploração animal, nos faz acreditar que isso não precisa ser mudado e que quem diz o contrário parece estar querendo impor uma ideologia forçadamente na gente – mesmo que o que a gente tente sustentar também seja uma ideologia.

Mais adiante, há a adaptação de todos aqueles que lucram com essa exploração. Ao perceber que as pessoas estão querendo proteger os animais, as indústrias investem muito dinheiro na política para continuarem a exploração e em publicidade para continuar anestesiando você: eles dizem que tratam bem os animais – e não o fazem, pois isso nada tem a ver com o que os animais desejam. Esse passo é a aceitação do bem-estarismo, que nada mais é que marketing e uma injeção nova de conformismo para o sistema se manter da forma que está, o seu consumo continuar e o mercado não mudar**. Se você comprar essa ideia, feito! Os veganos continuam sendo chatos e você sendo legal, mesmo fazendo vítimas que não precisam ser vítimas para você viver bem.

Nós não pensamos de forma ética porque estamos programados para sermos relativistas e parciais. Vivemos em mundos pequenos, e nisso acreditamos que a nossa felicidade pode valer a dor dos outros ou preferimos fechar os olhos mesmo e tudo isso é normal. Estamos profundamente imersos em ideologias que nos favorecem, de todos os lados, inclusive elas que parecem sustentar a inferioridade de outros humanos perante a nós mesmos. São crenças, são parte de nós, de como fomos criados e de como nos definimos. Nelas, vítimas têm o propósito de nos alegrar, de nos sustentar, de nos favorecer, nos apegamos à escolha mais cômoda, é sempre assim, não há por que mudarmos, se não por um motivo: justiça.

Mas quem nos ensinou que justiça depende de não pensarmos em nós? E quem nos ensinou então que animais podem ser incluídos em nossa concepção de justiça? Essa não foi a normalidade, os tempos eram dos nossos pais e dos pais deles, que eram outros, eles não tinham informação. Nossos avós viveram a escravidão dos negros; nossos pais, o racismo velado; nós, os resquícios disso; e nas próximas gerações, é provável que o racismo diminua mais e mais, assim como as outras injustas formas de opressão e limitação da liberdade. Fato é que, apesar dos pesares, a normalidade muda lentamente e nós podemos ser a parte mais justa da mudança, os veganos sabem disso, e eles estão tentando te dizer.

Os animais sofrem e são privados de viver a potencialidade de suas vidas e não existe sequer um argumento que mude essa realidade, mas existe uma opção e já sabemos qual é. Pode não ser extremamente fácil realizar uma mudança, mas isso depende se estamos olhando para nós mesmos ou para o problema que causamos. O mercado, a política, as leis, a cultura estão imersos na exploração animal. O sistema todo tem essa engrenagem, e ela só vai parar quando cada pessoa se abster de fazer parte dela. Você pode ignorar, claro que pode! A maioria das pessoas ainda te ajudará, mas se sua consciência despertar um pouco que seja e você conseguir pensar em deixar tudo isso de lado, pode contar com a gente, afinal, quando sabemos, não podemos mais negar que fazemos parte.

Quem explora animais acredita em:

Naturalização da inferioridade animal

Aceitação do bem-estarismo

Isenção de culpa por conformidade social

Autofavorecimento, egoísmo, relativismo e tradição 

Quem não explora animais acredita em:

Tratamento de interesses semelhantes de forma semelhante

Redução de sofrimento e respeito integral às liberdades individuais

Contracultura da violência desnecessária

Bem comum, altruísmo, objetivismo (ética)


Os veganos são radicais, é claro que são: radicalmente contra o sofrimento e a favor da liberdade de todos os animais diante do egoísmo humano, que sim, pode ser evitado.

A foto desta postagem foi tirada em um festival religioso (Eid al-Adha) onde os animais têm seus pescoços cortados e sangram até morrer.

Veja o vídeo abaixo.




*Julio Cesar Prava é idealizador do site Vegpedia e da página de Facebook Versos Vegetarianos 

Fonte: Vegpedia 

Foto: Reprodução


**NOTA DA NATUREZA EM FORMA:

Medidas de bem-estarismo são as mentiras que a indústria da carne propaga para que as pessoas continuem comendo carnes e secreções animais sem sentir culpa. As mais clássicas são o "abate humanitário" e as galinhas criadas "livres de gaiola".

Leia aqui sobre a realidade dessas galinhas criadas "livres de gaiola" e veja o documentário A Carne É Fraca, do Instituto Nina Rosa, todo filmado em matadouros que se orgulham em se autoproclamar praticantes do "abate humanitário", e tire suas conclusões.

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