Kupfer-Koberwitz: “Acredito que enquanto o homem torturar e matar animais, ele vai torturar e matar seres humanos também”

Kupfer-Koberwitz: “Devemos tentar superar nossa própria pequena crueldade irrefletida, 
evitá-la e aboli-la” (Foto: Acervo da Universidade de Chicago)


Em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, o pacifista alemão Edgar Kupfer-Koberwitz foi classificado como um inimigo da Alemanha e enviado para um campo de concentração em Dachau, ao norte de Munique. Mesmo vivendo em situação degradante, ele se manteve fiel a sua filosofia de vida como vegetariano.

Quando recebia uma porção de carne, Kupfer-Koberwitz dava aos seus companheiros prisioneiros, de acordo com informações do Guide to the Edgar Kupfer-Koberwitz Dachau Diaries 1942-1945, da Universidade de Chicago. Durante os anos em que esteve em Dachau, ele escreveu diariamente sobre sua vida e impressões da realidade. Para o pacifista, o fato de o ser humano negar humanidade a seus semelhantes, e assim agir de forma cruel, sempre foi determinante na legitimação da brutalidade contra os animais.

“Acredito que enquanto o homem torturar e matar animais, ele vai torturar e matar seres humanos também – e guerras serão travadas –, pois o assassinato deve ser praticado e aprendido em uma pequena escala. Devemos tentar superar nossa própria pequena crueldade irrefletida, evitá-la e aboli-la”, escreveu em seu diário que deu origem ao livro Dachauer Tagebücher - Die Aufzeichnungen des Häftlings 24814 ("Diários de Dachau - Os registros do prisioneiro 24814", em tradução livre), publicado em Munique em 1997, baseado em suas memórias e reflexões.

Segundo informações da Biblioteca da Universidade de Chicago, depois de conseguir trabalho como balconista em uma loja do campo de concentração, Kupfer-Koberwitz começou seu próprio diário em pequenos pedaços de papel. A princípio, ele relatava principalmente os incidentes da vida em Dachau.

Para não ser flagrado e punido, ele escondia suas folhas entre outros papéis. Até que mais tarde, preocupado em perder tudo o que tinha escrito, tomou a decisão de enterrar seus diários. Ainda assim, foi impossível preservar todas as folhas porque algumas foram danificadas pelo contato com a água.

“Recuso-me a comer animais porque não posso me nutrir a partir do sofrimento e da morte de outras criaturas. Recuso-me a fazê-lo, porque sofri tão dolorosamente que posso sentir as dores dos outros, lembrando meus próprios sofrimentos”, declarou em carta que faz parte do ensaio Animais, Meus Irmãos, que integra seus diários preservados pela Universidade de Chicago.

Diários do pacifista alemão deram origem a um livro publicado 
na Alemanha em 1997 (Foto: Reprodução)


A passagem foi escrita quando, após contrair tifo, Kupfer-Koberwitz estava em um barracão que funcionava como hospital. Mesmo doente e receando a própria morte, ele conseguiu sobreviver, ao contrário de outros 12 mil prisioneiros que sucumbiram em decorrência de doenças ao longo de quatro meses e meio.

“Sinto-me feliz, ninguém me persegue; por que devo perseguir outros seres ou fazer com que sejam perseguidos? Não sou prisioneiro, sou livre; por que eu faria com que outras criaturas fossem feitas prisioneiras e jogadas na prisão? Ninguém me prejudica; por que eu deveria prejudicar outras criaturas e fazê-las sofrer?”, ponderou em seus escritos.

Edgar Kupfer-Koberwitz foi libertado pelas Forças Armadas dos Estados Unidos em 29 de abril de 1945, assim como outros mais de 67 mil prisioneiros. Quando se deu conta de que estava realmente livre para continuar sua vida, ele declarou: “O dia acabou, celebrarei este 29 de abril de 1945 pelo resto da minha vida como o meu segundo aniversário, o dia que me deu novamente a vida”.

Conforme o Guide to the Edgar Kupfer-Koberwitz Dachau Diaries 1942-1945, durante a Segunda Guerra Mundial, Adolf Hitler proibiu que todas as organizações vegetarianas continuassem ativas em territórios ocupados pela Alemanha, também ordenando a prisão de seus líderes. Tal iniciativa foi colocada em prática porque o vegetarianismo organizado era visto como uma ameaça, por se aproximar dos mesmos ideais das organizações pacifistas que o führer desprezava.

“Ninguém me mata. Por que devo ferir ou matar outras criaturas ou fazer com que sejam feridas ou mortas para o meu prazer e conveniência? Não é natural que eu não cause dor a outras criaturas que, eu espero e temo, nunca causarão a mim? Não seria injusto fazer tais coisas sem outra finalidade se não gozar desse insignificante prazer físico à custa do sofrimento dos outros, da morte de outros?”, interpelou o pacifista alemão em seu diário.

A vida de um pacifista alemão

Edgar Kupfer-Koberwitz nasceu na cidade de Koberwitz, na Alemanha, em 24 de abril de 1906, e estudou em Bonn, Regensburg e Stuttgart. Após o divórcio de seus pais, ele deixou a escola para ajudar sua mãe e sua irmã. Trabalhou em fábricas, lojas e bancos. Como consequência de uma desilusão amorosa, foi para a Itália em 1925.

Entre idas e vindas até 1940, trabalhou em jornais, agências de viagens e também como modelo para um escultor. Após sua libertação, ele viveu nos Estados Unidos até o início dos anos 1950; depois, se mudou para a Sardenha. Decidiu viver definitivamente na Alemanha a partir de 1984, falecendo em Stuttgart, em 7 de julho de 1991.

A autenticidade de seus diários foi confirmada pelos agentes do Corpo de Contrainteligência (CIC) e por testemunhas. Ele criou e distribuiu um questionário entre ex-prisioneiros, assim reunindo declarações sobre seu comportamento no acampamento e sobre sua confiabilidade. Os relatos nos diários de Edgar Kupfer-Koberwitz, doados à Universidade de Chicago em 1º de abril de 1954, foram publicados de forma fragmentada pela primeira vez no semanário do parlamento alemão Aus Politik und Zeitgeschichte ("Da política e história contemporânea", em tradução livre), sob o título Als Häftling in Dachau ("Como prisioneiro em Dachau", em tradução livre).

Die Tierbrüder − Eine Betrachtung zum Ethischen Leben (“Os irmãos animais – Uma consideração sobre a vida ética”), ensaio que ele escreveu sobre o vegetarianismo, foi publicado na íntegra no livro Radical Vegetarianism, de Mark Mathew Braunstein, em 1981.


Referências




Nenhum comentário:

Postar um comentário