Lei Anticobaias no ensino é barrada pelo governador de São Paulo


“Amigos, hoje é um dia muito triste para aqueles animaizinhos que estão nas universidades, muitas vezes em um espaço muito pequeno, há meses olhando para uma parede branca! Pois quando um ser humano se aproxima, não é para lhe fazer carinho, mas para algum procedimento que lhe causará angústia, dor física ou psicológica até a morte”, desabafou o deputado Feliciano em sua rede social.

Embora à primeira vista pareça que apenas os animais saíram perdendo, a verdade é que toda a população de São Paulo perdeu a chance de contar com futuros profissionais muito mais bem preparados graças aos modernos métodos de ensino, já em uso nas melhores universidades do mundo*.

Vale ressaltar que o PL 706 não trata de animais usados na pesquisa científica, mas em aulas cujo objetivo é demonstrar situações que já foram exaustivamente documentadas e procedimentos que podem ser treinados muito mais vezes em complexos simuladores.

Segundo o governador (médico formado pelos métodos antigos e hoje obsoletos), as universidades estaduais (USP, Unicamp, Unesp e Esalq) garantem não ser possível formar profissionais, especialmente da área da saúde, sem abrir e fechar, perfurar e cutucar cachorros, gatos, ratos, porcos, vacas e cavalos, entre outros animais.

Utilização de animais no estudo podem ser substituída por modernos métodos de ensino
(Foto: Reprodução)


Mas então, como a Faculdade de Medicina do ABC atingiu a nota máxima do Enade sem usar cobaias há 10 anos? Por que todas as universidades médicas dos Estados Unidos e Canadá deixaram de usar cobaias no ensino, entre elas MIT, Stanford e Harvard, que, segundo o ranking internacional, são as três melhores do planeta? Estariam as 202 universidades norte-americanas e canadenses equivocadas?

A questão não é apenas ética, levando-se em conta que os animais são seres sencientes, capazes de sentir medo e outras emoções, além da dor física a que são submetidos dia após dia. A questão é também a eficácia no aprendizado técnico e formação de profissionais mais humanizados.

Animais também sentem dor e medo (Foto: Reprodução)


O que esperar de pessoas que, embora tenham escolhido uma profissão para salvar vidas, não se importam de arrancá-las de seres indefesos? Nos dias de hoje, com tantos métodos sofisticados, por que insistir na matança de animais cujas mortes são anunciadas desde o gélido biotério [leia matéria abaixo], onde eles passam os dias em extrema angústia?

Cinco anos atrás, reportagem da Rede Globo já mostrava simuladores usados com sucesso pela Santa Casa de São Paulo.


Os próprios médicos contam na reportagem do vídeo acima quanto o paciente ganha com esse tipo de treino. Com pelo menos duas empresas nacionais de simuladores, que aliás vendem para diversos países, nenhuma universidade pode alegar que fica caro importar esses equipamentos. Além disso, sai mais barato do que manter biotério. Um simulador dura em média 10 anos.

Vale ressaltar ainda que a Lei Anticobaias, como o próprio nome diz, põe fim às cobaias (animais criados, mantidos ou capturados para fins didáticos), mas por outro lado incentiva o aprendizado com situações reais, ou seja, com pacientes humanos e não humanos. Os hospitais veterinários, por exemplo, são um grande campo de aprendizado com animais que realmente necessitam de auxílio. Já os médicos, depois do intenso treino em simuladores, partem para a residência médica, onde também aprenderão com pacientes reais.

A utilização de simuladores é muito mais duradoura e ética
quando o assunto é estudar para tratar animais (Foto: Reprodução)


São Paulo teve a chance de ser o estado pioneiro no Brasil de uma avalanche de universidades com métodos de ensino já testados e aprovados em países desenvolvidos. Não se vetou apenas o PL 706 ou a libertação de milhões de animais submetidos aos piores horrores. Vetou-se a evolução do ensino e, como consequência, um melhor atendimento à saúde da população, tanto do ponto de vista técnico quanto humano.

Hospitais veterinários permitem que os estudantes tenham uma experiência
de tratar animais reais com problemas de saúde (Foto: Reprodução)


Vivemos num mundo globalizado onde a tecnologia é compartilhada. Devemos nos inspirar nas melhores universidades do mundo adquirindo a mesma tecnologia ou esperar 20, 30 anos até que reitores e professores de mente enrijecida se aposentem, abrindo espaço para que o que há de mais novo no ensino possa adentrar as salas de aula?




Vivissecção: ciência ou barbárie?


Experimentos realizados em animais vivos transformam laboratórios em câmaras de torturas. Tudo em nome da ciência. A palavra complicada que usamos no título deste artigo justifica uma explicação inicial. Em sentido restrito, vivissecção é a prática (cuja origem é atribuída ao médico romano de origem grega Cláudio Galeno, no século 1 d.C.) de dissecar animais vivos para estudar sua anatomia e fisiologia. Em sentido amplo, o termo define todos os experimentos realizados em animais vivos.

Tanto em um caso quanto no outro, porém, os resultados são sempre os mesmos: dor e sofrimento. É isso o que acontece nas câmaras de torturas - eufemisticamente chamadas de laboratórios - de universidades públicas e privadas, indústrias (sobretudo de produtos farmacêuticos e cosméticos) e institutos de pesquisa.

Nelas, animais vivos - mamíferos, em especial - são submetidos a um rol extenso de experiências, cujo espaço restrito deste artigo não nos permite detalhar. Citemos algumas: amputação de membros sadios para a implantação de próteses produzidas com novos materiais supostamente úteis aos seres humanos, injeção de substâncias tóxicas no corpo ou aplicação de produtos químicos na pele para a verificação de seus efeitos e, ainda, fixação de instrumentos em órgãos internos (como o crânio) para o monitoramento de suas atividades diante de choques elétricos ou novas drogas.

Tudo em nome da ciência - e, de forma velada, do dinheiro. Porque, não se iluda, esse é o pano de fundo do debate. Ainda que fosse justificável a necessidade de torturar e mutilar animais em nome da ciência, o que é discutível, não o é fazê-lo em nome do dinheiro. Por isso, a vivissecção é, sem dúvida, a maior das questões da bioética.

Não por acaso. Não há estatísticas oficiais sobre o número de animais mortos nesse gênero de barbárie moderna, mas os PhDs alemães Milly Schar-Manzoli e Max Heller, no livro Holocausto, estimam que a máquina de dinheiro que move essa fábrica de horrores chega a consumir extraordinários 400 milhões de animais em todo o mundo, anualmente.

Não se diga, seguindo a cartilha maquiavélica, que os fins justificam os meios. No livro Alternativas ao Uso de Animais Vivos na Educação pela Ciência Responsável, o biólogo paulista Sérgio Greif relaciona uma longa lista de alternativas eficazes à vivissecção, que esvaziam os discursos de que esse tipo de prática seja necessária: modelos e simuladores mecânicos ou de computador, realidade virtual, acompanhamento clínico em pacientes reais, autoexperimentação não invasiva, estudo anatômico de animais mortos por causas naturais, além de filmes e vídeos interativos. 

Apoiadas por cientistas, pesquisadores, políticos e até executivos de grandes empresas privadas, instituições sérias como a InterNiche (International Network for Humane Education) e a British Union for the Abolition of Vivisection (organização que existe desde o final do século 19) têm uma coleção de bem fundamentados argumentos contrários a esse tipo de prática.

Provando que a preocupação com o tema não é delírio das organizações de defesa dos animais, a grande maioria das escolas de medicina dos EUA (maior berço científico do planeta) não usa animais. Entre elas, as consagradíssimas Harvard Medical School e Columbia University College of Physicians and Surgeons. Baseiam-se, entre outras coisas, em estudos que comprovam que 51,5% das drogas lançadas entre 1976 e 1985 ofereciam riscos aos seres humanos não previstos nos testes.

Já em Israel, a El Al (principal linha aérea do país) se recusa a transportar primatas para serem usados em experiências**. Lá, a vivissecção é proibida em todas as instituições federais de ensino. O argumento que utilizam para justificar essa atitude, com o qual encerramos este artigo, é uma primorosa lição de humanidade: “É mais importante ensinar os alunos israelenses a compaixão pelos animais porque esse sentimento certamente criará maior compaixão por seres humanos”.


Foto: Esquadrão Pet


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