Vegetarianismo infantil sem riscos

Karol e sua filha mais velha (Foto: Amana Salles)


Karol Souto tinha apenas 10 anos quando foi a uma avícola comprar frango a pedido da mãe. Ingênua, escolheu a ave como quem estivesse escolhendo um bichinho de estimação. Apontou o dedo para o animal sem se dar conta de que, após alguns minutos, estaria recebendo o corpo e os órgãos em uma sacola. "Naquela hora, caiu a ficha: carne é bicho. Achei tétrico", conta a vocalista da banda Mercenários do Rock. "Eu era o algoz, escolhi o bicho que iria morrer." Desde então, ela passou a restringir o consumo de carne como pôde, até finalmente trabalhar e passar a comprar a própria comida. Quando a primeira de suas duas filhas nasceu, Karol prontamente avisou a pediatra que carne estaria fora da dieta.

Muitos médicos seriam contrários a decisões como essa, mas não foi o caso da pediatra. Diante da opção da mãe, ela passou a pesquisar o assunto a fundo. Acompanhamentos mensais, avaliação de neurologistas e hemogramas foram requeridos para acompanhar de perto o possível impacto de uma dieta ovolactovegetariana – sem carne, mas com ovos e leite – na saúde da criança. Hoje, sete anos depois e com uma irmã de quase dois anos também vegetariana, a menina é saudável e livre para comer carne se desejar. "Ela às vezes come um cachorro-quente na escola", admite Karol, que exibe tatuado no corpo o símbolo do vegetarianismo. Mas explica a filosofia da casa: "Sou contra todo tipo de escravidão, vício e preconceito. Aqui, todo mundo é livre".

Proteínas e crescimento

O médico Eric Slywitch, especialista em nutrologia e autor do livro Alimentação sem Carne – Guia Prático, lembra que alguma fonte proteica de origem animal é necessária na dieta das crianças até um ano de idade, pois o bebê tem dificuldade de produzir um aminoácido, a taurina, presente no próprio leite materno e nas fórmulas infantis elaboradas para substituir o leite da mãe. Depois, pais vegetarianos devem seguir recomendações específicas para a criança vegetariana. Para ele, a retirada da carne só traz problemas quando a substituição por outros alimentos é inadequada. "Pais devem buscar orientações com profissionais que conheçam as substituições corretas e saibam avaliar de forma objetiva o estado nutricional do bebê", explica ele, que se tornou vegetariano em 1992.

A nutricionista especializada em pediatria Giovana Longo Silva, da Unifesp, afirma que um dos problemas associados à dieta vegetariana na infância é a deficiência de ferro. Segundo ela, o suplemento deve ser utilizado apenas em último caso, pois existem alimentos capazes de suprir essas necessidades (veja abaixo um guia breve da substituição de alimentos). Muitas vezes, a deficiência não é visível e só exames laboratoriais podem apontar alterações no sangue. "Todos os riscos nutricionais numa dieta vegetariana são conhecidos e há ferramentas objetivas para monitorar isso", pondera Slywitch. "Havendo alguma deficiência, também há formas simples de corrigi-la sem que a criança precise comer carne."

A nutricionista Mariana Marchetti é vegetariana e seu filho, de seis anos, é ovolactovegetariano. Para ela, uma dieta vegetariana bem planejada é completamente segura em todas as fases da vida, basta apenas informação sobre o assunto com a ajuda de profissionais especializados. "É preciso substituir alimentos e fornecer todos os nutrientes necessários para ter uma boa saúde, não apenas excluir certos alimentos." Os principais nutrientes que devem ser balanceados são os minerais como ferro, cálcio, zinco, gorduras do tipo ômega 3 e vitamina B12. "Ser vegetariano é bem simples, basta informação", explica.

Karol é contra os suplementos e diversifica muito o cardápio em casa. "Não precisamos viver à base de remédios, é só achar um meio natural de não agredir nenhum ser", comenta. "Aqui em casa, faço questão de fazer a comida. É a minha magia, é o que dou de melhor para a minha família." Entre as opções para enriquecer a alimentação, ela conta com arroz preto, todos os tipos de feijões, frutas e verduras. Está sempre inventando uma receita diferente, fugindo da vida baseada em macarrão. Dessa forma, ela atende ao que Eric Slywitch recomenda: a escolha certa dos alimentos e a forma como são preparados.

Substituição de alimentos

Há diferentes tipos de dieta vegetariana. A ovolactovegetariana é composta por alimentos de origem vegetal, ovos, leite e derivados. A lactovegetariana aceita apenas leite e derivados, mas exclui os ovos. O ovovegetarianismo restringe o consumo de produtos lácteos e o vegetarianismo estrito exclui todos os produtos de origem animal, incluindo o mel. Cada linha deve ser seguida com cuidado e há nutrientes específicos que devem ser substituídos de forma adequada.


Proteínas

Tofu é rico em proteínas e pode ser usado em diversas receitas (Foto: Getty Images)


A carência de proteínas pode afetar o desenvolvimento e crescimento da criança. "Ao retirar as carnes, inclua feijões, ervilha, lentinha, grão-de-bico e tofu", explica Slywitch. "Quando substituímos as carnes por feijões, a proteína permanece três vezes mais elevada que a necessidade. E os aminoácidos (lisina, metionina e cisteína), cinco vezes mais elevados." Se a criança não come ovo, o consumo de arroz integral e leguminosas deve ser mais alto em todas as refeições.


Ferro

Feijão possui bastante ferro (Foto: Getty Images)


A carência de ferro pode afetar a disposição e o desenvolvimento cognitivo. Para compensar a menor biodisponibilidade do ferro vegetal, Slywitch recomenda escolher alimentos com o dobro do ferro das carnes. "Em 75 gramas de feijão, o que equivale a menos de meia xícara do grão cru, temos 4,8 mg de ferro, que substitui a carne bovina", explica. O frango poderia ser substituído por apenas 25 gramas de feijão, o equivalente a 1/8 de xícara de grão cru. Mariana Marchetti explica que o consumo do ferro vegetal requer cuidados especiais. O ideal, além de contar sempre com o feijão e verduras verde-escuras, é ingeri-los junto com uma fonte de vitamina C – como limão, laranja, abacaxi – para melhorar a absorção do mineral, e nunca com chá ou café, por exemplo.


Zinco

Gergelim é ótimo para repor o zinco (Foto: Getty Images)


A falta de zinco no organismo pode afetar o crescimento e o estado imunológico do indivíduo. Por isso, crianças vegetarianas devem consumir muito gergelim, gérmen de trigo ou soja. Para melhorar a absorção do zinco, os grãos devem ser deixados de molho na água da noite para o dia. Isso reduz o teor de ácido fítico, elemento que reduz a absorção do mineral. Cerca de 50 gramas de gergelim fornecem a mesma quantidade de zinco (6,4 mg) presente nas 100 gramas diárias de carne recomendadas pela Sociedade Brasileira de Pediatria.


Vitamina B12

Dr. Eric Slywitch recomenda o uso de suplementos para repor a vitamina B12 (Foto: Getty Images)


A deficiência de vitamina B12 está associada a problemas de desenvolvimento cognitivo e sistema nervoso. Ela é encontrada em ovos e laticínios, mas Slywitch defende o uso de suplementos. Fórmulas infantis contêm a B12 e podem ser grandes aliadas da saúde da criança.


Cálcio

Brócolis é uma fonte essencial de cálcio (Foto: Getty Images)


O déficit de cálcio pode prejudicar o crescimento e a formação adequada dos ossos, além de favorecer a osteoporose na vida adulta. "Nesse caso, é fundamental enfatizar a ingestão de alimentos como couve, brócolis, feijão branco, gergelim torrado, frutas secas, castanhas, tofu e melado de cana", afirma a nutricionista Mariana Marchetti. Fórmulas de extrato de soja enriquecidas com vitaminais e minerais também ajudam a alcançar a quantidade recomendada de cálcio.

Fonte: Cantinho Vegetariano (via Delas)


NOTAS DA NATUREZA EM FORMA:

1. Quais as diferenças entre vegetarianos, vegetarianos estritos e veganos? Saiba aqui.

2. Leia aqui outras matérias sobre veganismo na infância. 

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