Cadela paraplégica ajuda a cuidar de cães na clínica onde vive

Vitória chegou sem o movimento das patas traseiras após ter sido 
abandonada e atropelada por um ônibus 


Os animais não cansam de dar aos humanos lições sobre amor e empatia. A cadela Vitória é certamente mais um desses comoventes casos. Residente e mascote de uma clínica em Osasco, na Grande São Paulo, ela, que não tem o movimento das patas traseiras, costuma ajudar outros cachorros internados e conforta os que estão em seus momentos finais.

“Quando a Vitória para na frente de algum animal e fica olhando fixo, já sabemos que tem algo acontecendo”, conta Simone Regina Pereira de Godoy, sócia da clínica. “Já tivemos diversos casos em que ela deita junto do cão e fica com ele até o fim, como se estivesse confortando o animal na hora de sua morte”, conta ela, que acredita na sensibilidade aguçada dos animais. “Ela sente. É como se fosse acompanhar o animal em sua partida”, diz.

Em casos de internação não tão graves, a cadelinha também tem um papel importante: estimular a recuperação do doente. “Quando percebe que o bicho está melhorando, Vitória começa a chamar para brincar, leva brinquedo”, conta Simone. Os tutores dos animais internados aprovam a interação – e agradecem com presentes. “Eles entendem o papel dela aqui e costumam trazer comida e brinquedos.”

O papel de cura que Vitória desempenha é físico e também emocional. Negão, de oito anos, é um exemplo de como a amizade pode ajudar a curar as feridas do abandono. “Ele chegou aqui paraplégico e muito bravo”, lembra Simone. Assim como Vitória, o cão foi abandonado e atropelado – e perdeu o movimento das patas traseiras.

Vitória é muito amiga de Negão, um cachorro idoso e muito rabugento 
que ficou mais sociável após conhecer a cadelinha 


Vitória, então, passou a chamar o amigo para brincar e dormir com ele sempre que havia uma chance. Negão nunca deixou de ser um senhor rabugento, mas a convivência com a cadelinha ajudou a amenizar seu mau humor. Hoje, os dois continuam a dividir o colchão em cochilos durante o dia.

Outro morador da clínica que recebe a atenção de Vitória é Cidão, um cão idoso com poucos movimentos nas patas que chora bastante por ser muito carente. A cadelinha costumar dormir com ele para acalmá-lo.

A compaixão de Vitória também foi direcionada a Valente, um cão que chegou no início de 2017 à clínica com fraturas e traumatismo craniano após um atropelamento. Embora tenha falecido alguns meses depois, ele foi confortado por Vitória durante todo o tempo em que esteve internado.

A cachorrinha foi resgatada pela ONG Associação Eu Sou Pró-Animal, que atua em Osasco e na Grande São Paulo em resgates de animais abandonados e vítimas de maus-tratos. Até hoje, a entidade já conseguiu ajudar mais de mil animais.

Diretora da ONG, Andrea Mussato relata que Vitória vivia em uma casa com mais dois cachorros e um senhor idoso. Quando seu tutor faleceu, a família colocou os três animais na rua. Eles sobreviveram com a ajuda dos comerciantes da região, que ofereciam comida todos os dias.

Um dia, porém, enquanto brincava na rua, ela foi atropelada por um ônibus. As mesmas pessoas que a alimentavam não aceitaram a eutanásia, sugerida pelo veterinário que a socorreu, e voltaram para casa com Vitória e uma mera receita de analgésicos.

Bastante machucada e já sem movimentar as patas por conta de uma lesão na coluna, Vitória foi tratada como deu. “Eram pessoas humildes e fizeram o possível. Construíram uma espécie de barraco para ela ficar abrigada da chuva e cuidaram dos machucados”, conta a diretora da ONG.

Quando foi resgatada, Vitória vivia em um pequeno barraco construído para abrigá-la 
depois que foi atropelada e perdeu o movimento das patas traseiras


Vitória passou sete meses ali dentro, sem quase nunca sair. Foi quando a ONG a encontrou, em meados de 2016. “Foi por acaso. Estávamos entregando algumas casinhas para animais de rua e vimos o barraquinho onde ela vivia”, lembra Andrea.

A cachorrinha passou por diversos especialistas e até uma cirurgia, já que havia uma chance de recuperar os movimentos. A ONG, que depende de doações para sobreviver, realizou várias campanhas para bancar os custos altos do tratamento. A demora no tratamento da lesão, no entanto, foi determinante: como a fratura já havia calcificado de forma errada, não havia muito mais a ser feito.

Como cachorrinha especial, Vitória dificilmente seria adotada

Por conta de seu quadro grave, Vitória ficou hospedada na clínica enquanto recebia os tratamentos para seu quadro. Paraplégica e sem raça definida, no entanto, ela não teve nenhum interessado em adotá-la.

Mas o que poderia ser uma história triste tem um final feliz. Vitória fez da clínica sua casa. “Ela é nossa estagiária, meu grude”, brinca a veterinária Raíssa Garib Pacheco do Amaral, uma das profissionais da clínica preferidas de Vitória. “Aqui ela tem contato com gente 24 horas, é mimada, ganha comida e brinquedos. É a casa dela”, diz.

Mesmo sem o movimento das patas traseiras, Vitória é muito alegre e gosta de brincar 
com toda a equipe da clínica onde vive, em Osasco, na Grande São Paulo 


Raíssa conta que Vitória está tão à vontade que sabe o ritmo da clínica. “Quando vamos examinar algum animal, ela fica na sala observando tudo”, afirma. “Mas, quando o caso é grave e temos que fazer procedimentos de emergência, ela sai da sala e nos deixa trabalhar. Ela simplesmente sabe o que fazer na hora certa”, diz.

Além de ajudar a cuidar dos animais que ali permanecem internados, Vitória também é importante para levantar o ânimo de quem trabalha na clínica. “Ela é a alegria do lugar. Aqui pode ser pesado às vezes, vemos muitas pessoas chorando. A Vitória nos anima nos dias difíceis, ela nos dá motivo para rir”, diz a veterinária.

Fonte: Estadão 

Fotos: Andrea Mussato


Nenhum comentário:

Postar um comentário