Holanda tem uma força policial especializada na defesa de animais

Sargento Erik Smit (à esquerda) e um bombeiro resgatam cachorro de uma varanda 
onde havia sido deixado sozinho durante a neve (Foto: Jasper Juinen)



Horas antes de uma rara nevasca atingir a cidade holandesa Haia, o sargento Erik Smit recebeu uma chamada de emergência: um cão estava trancado em uma varanda no terceiro andar de um prédio. Os vizinhos ouviram o latido e sabiam que o tutor, que tinha saído para trabalhar às 7h30, não voltaria até o fim do dia, quando a área ficaria coberta por vários centímetros de neve.

Smit, um veterano de 39 anos da força policial nacional, tocou algumas campainhas e fez perguntas aos moradores, que não puderam informar muita coisa. Depois, chamou pelo rádio um carro de bombeiros de 22 toneladas com uma grua e uma plataforma. Após meia hora, a um custo de cerca de 500 euros pagos pelo contribuinte, o cão resgatado se aquecia em uma ambulância para animais. Smit voltou à viatura e continuou seu dia. “Ele terá que me ligar e explicar a situação”, disse sobre o tutor do cachorro, que acabou multado em 150 euros por negligência animal.

Smit é um dos cerca de 250 membros em tempo integral da força policial para animais da Holanda (muitos mais são treinados, mas não exercem exclusivamente essa função). Das cerca de três milhões de chamadas feitas à polícia na área de Haia a cada ano, aproximadamente três mil envolvem animais.

Trabalhador limpa estábulo durante inspeção da polícia animal (Foto: Jasper Juinen)


Como uma Sociedade Protetora dos Animais com armas, algemas e distintivos, os membros da força policial para animais são oficiais regulares com treinamento extra e equipamentos especiais. Uma linha de emergência do tipo 190 para animais (nesse caso, o número é 144) coleta os dados e a maioria das pistas, e envia os policiais para o local. O trabalho é uma mistura de proteção animal e serviço social, encontrando soluções práticas – como visitas mensais a um cachorro problemático e seu tutor para garantir que está tudo bem – e envolvendo procedimentos judiciais, como multas.

“Obviamente, a primeira coisa que faço é cuidar dos animais, mas muitas vezes, quando você olha mais a fundo, vê que as coisas não estão muito bem com os tutores”, afirma Smit, que estima ver má intenção em apenas cerca de 20% dos casos. Durante um dia normal de trabalho, ele pode ajudar a resgatar uma foca doente na praia, ajudar a colocar a coleira ou confinar um cão agressivo ou investigar residências onde as pessoas colecionam animais. Recentemente, trabalhou no resgate de 60 porquinhos-da-índia de uma casa, depois que os vizinhos se queixaram do cheiro.

Famosa na Holanda, a força policial para animais foi criada quando o Partido pela Liberdade, de extrema-direita, apoiou brevemente os liberais que lideraram um governo minoritário em 2010. Em troca de apoio em votações importantes, o Partido pela Liberdade exigiu a formação de uma força policial para animais com 800 oficiais. Quando o apoio do Partido diminuiu em 2012, alguns queriam abandonar a ideia, mas a polícia nacional argumentou que era necessário manter pelo menos uma versão menor.

Uma foca doente é tratada após aparecer em uma praia em Haia (Foto: Jasper Juinen)


A Lei de Animais vigora desde 2013, garantindo-lhes proteção contra sede, fome, desconforto físico e emocional e estresse crônico. “Os animais – e toda a sociedade – precisam dessa polícia. Existe uma ligação direta entre a violência contra os bichos e a violência contra os humanos”, lembra Marianne Thieme, líder do Partido pelos Animais, que tem cinco das 150 cadeiras do Parlamento. Ainda assim, ela e alguns outros ativistas querem que essa polícia tenha poderes para fazer mais, incluindo ajudar os milhões de animais criados para alimentação em fazendas comerciais, que são regulamentadas pela Autoridade de Segurança Alimentar e Bens de Consumo da Holanda.

“A lei diz que, quando um animal está com problemas sérios, você deve ajudá-lo, mas na fazenda comercial há cerca de seis milhões de porcos morrendo todos os anos sem apoio veterinário”, diz Hans Baaij, diretor da Dier & Recht, uma pequena organização não governamental que pretende usar o sistema judiciário para fazer o governo definir o que precisamente constitui abuso animal*.

Maus-tratos é crime

Recentemente, no tribunal do distrito de Haia, um homem foi condenado por ter espancado e chutado seu cachorro, em um julgamento de 40 minutos que teve os depoimentos de vizinhos, de um veterinário escolhido pelo tribunal e do réu. Ele foi condenado a 56 horas de serviço comunitário e proibido de ter animais de estimação por um ano.

Segundo a promotora responsável pelos casos de animais no tribunal, Tamara Verdoorn, “as pessoas aprendem mais no serviço comunitário do que com uma multa”. Em casos menores, ela pode aplicar multas e serviço comunitário sem levar o caso a julgamento. Mas cerca de 100 processos são julgados anualmente, com condenações máximas de três anos de prisão ou multas de quase US$ 25 mil, embora tais sentenças sejam raras. Assim como Smit, Tamara vê muita gente cujos problemas com a lei animal refletem questões maiores: “A maioria das pessoas que negligencia os bichos também está se negligenciando”.

Enquanto alguns animais recolhidos pelo sistema legal são levados para adoção, certos cães são examinados para garantir que não representam uma ameaça.

Sargento Smit visita um homem que ele orientou sobre o cuidado 
com seus animais de estimação (Foto: Jasper Juinen)


Como um dos primeiros oficiais a ser treinado nessa força policial, Smit diz ter aprendido a maior parte de suas habilidades em conversas com veterinários, fazendeiros e outros especialistas. E enquanto seu trabalho o leva a algumas cenas horríveis – uma semana antes de uma tempestade de neve, um pônei em uma fazenda da cidade foi espancado até a morte –, muitos encontros terminam de forma feliz.

Durante a visita a um apartamento em um bairro de baixa renda na cidade de Delft, a sudoeste de Haia, Smit foi convidado a visitar o que já fora uma casa problemática. Lá dentro, três peixes, dois lagartos, dois coelhos, quatro gatos, uma chinchila e um cachorro grande compartilhavam uma pequena sala de estar. O tutor estava orgulhoso de mostrar a limpeza do cômodo. Smit, que visita o lugar a cada dois meses, diz que foi bem recebido porque ajudou os tutores a colocar uma ninhada de gatinhos para adoção.



NOTAS DA NATUREZA EM FORMA:

1. No Brasil, saiba aqui como denunciar maus-tratos.

*2. Lembramos sempre que aquilo pelo que nós, da causa animal, lutamos não é por práticas bem-estaristas como galinhas criadas "livres de gaiola", e sim pela completa libertação animal. 

3. Leia também: Holanda, um país sem cães de rua   

Nenhum comentário:

Postar um comentário