Plutão tem mais de 14 anos e há cinco espera
por um lar no CCZ de São Paulo
Os filhotes abandonados que chegam ao Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) da Prefeitura de São Paulo nem chegam a esquentar a coleira: são todos adotados quase que imediatamente.
Enquanto famílias vêm e vão levando seus novos bichinhos - filhotes claros, alegres e peludos -, Plutão descansa o focinho grisalho nas patas, alheio ao movimento do outro lado da porta de vidro de seu canil.
Com 14 anos, glaucoma em seu único olho e começando a ficar surdo, Plutão reúne a maioria das características que dificultam as chances de um cão sem tutor conseguir um lar: é preto, velhinho, doente e tem uma deficiência.
Manso e sociável, ele gosta de adultos e crianças e se dá bem com outros cães, mas está no CCZ há cinco anos sem conseguir agradar alguém o suficiente para ser levado para casa.
A vida de Plutão demonstra como funciona a fila da adoção: as pessoas têm necessidades e expectativas em relação aos bichos de estimação. Os que saem primeiro são aqueles que se encaixam melhor nesse ideal de "pet" - em geral, quanto menor, mais jovem, mais claro e mais peludinho, maior a chance de arrumar um lar.
"As pessoas vêm procurando filhotes", diz o veterinário Rafael Birkeland Carvalho, um dos responsáveis pelo cuidado com os cães do CCZ.
A maioria dos bichos no espaço e em ONGs que cuidam de cães, no entanto, não é jovem nem clarinha.
No abrigo da prefeitura, os que ficam anos esperando por um lar - e muitas vezes acabam morrendo ali - são de porte grande ou velhinhos e doentes.
Muitos têm deficiência. Outra parte também apresenta problemas de comportamento: são agressivos ou desconfiados por terem sofrido traumas no passado.
Mas às vezes quem chega querendo um filhote acaba se apaixonando por um adulto. "A melhor adoção que fiz foi de um pai que tinha um filho com deficiência e queria um filhote para lhe fazer companhia. Quando mostrei um adulto que tinha passado por uma operação e precisou retirar o pênis, ele quase chorou. Levou na hora", diz Carvalho.
O veterinário conta que nos últimos tempos tem aparecido algumas pessoas interessadas em adotar os cães com deficiência. "Às vezes, chega gente com essa intenção de ajudar e leva os que têm deficiência. Mas os velhinhos continuam ficando para trás."
"As pessoas se esquecem das vantagens de adotar um cão adulto", diz Monica Di Ciomo, da ONG Adote um Focinho. Eles não choram durante a noite e se adaptam mais rapidamente aos costumes e regras da casa.
Os velhinhos, por sua vez, costumam latir menos. "Quando os cães idosos dão sorte de conseguir um lar, em geral são levados por pessoas mais velhas, que têm menos facilidade de brincar e levar para passear um cão jovem e cheio de energia", explica o veterinário do CCZ.
Confira, a seguir, um "ranking da adoção" - a ordem em que os cães costumam ser adotados, segundo os entrevistados:
1. Filhotes
São os primeiros a encontrar um lar. "Os brancos e de olhos claros saem antes, depois os marrons e mesclados e, por último, os pretinhos", diz Monica.
A Adote um Focinho acabou de resgatar uma ninhada de quatro bem pequenos, todos escuros. "Se tiver um branquinho numa ninhada como essa, ele sempre sai primeiro", conta.
2. Jovens de porte pequeno e os de raça
"As pessoas querem bichos que se adaptem a apartamentos, então os mansos de porte pequeno são os preferidos depois dos filhotes", explica o veterinário do CCZ.
Os cães de raça da "moda" - como golden retriever, labrador, shih tzu, e lulu-da-pomerânia - também são muito procurados.
"As pessoas compram, não dão conta de cuidar ou se mudam e abandonam. Quando a gente resgata, mesmo os maiores ficam pouco tempo", diz Monica.
3. Jovens de porte médio e pelo claro
O vira-lata Batata foi adotado filhotinho e depois devolvido. "A família disse que não sabia que filhote dava tanto trabalho", diz Monica.
Mas por ser considerado bonito e não muito grande, a voluntária diz que logo ele deve achar um novo lar.
4. Jovens de porte médio e pelo escuro
A ordem é a mesma que a dos filhotes: os brancos e beges são adotados primeiro, os mesclados depois e os pretos por último.
5. Jovens e adultos de porte grande
Os cachorros de porte grande são maioria no CCZ. "Nós lidamos com controle de zoonoses. Então quando um cachorro vem para cá (por esse motivo) é porque estava sendo agressivo ou era uma ameaça - estava doente e podia ser contagioso, por exemplo. Claro que, uma vez aqui, nós damos todo o cuidado", diz o veterinário.
Desde 2008, uma lei proíbe que o abrigo sacrifique animais que não tenham doenças terminais. A exceção são os agressivos a ponto de serem impossíveis de lidar. "É raro. Nos cinco anos em que estou aqui, só três foram sacrificados por esse motivo", conta.
"Fazemos todo o trabalho de adaptação. A maioria estava em uma situação de estresse e se mostra boazinha em condições normais", acrescenta Carvalho. Serena é um exemplo. Grande e com uma ninhada recém-nascida, ela estava sendo agressiva com pessoas na rua, por isso foi levada ao CCZ. Seus filhotes foram todos adotados, mas ela ficou. Depois de castrada, se mostrou dócil e mansa, mas espera um lar há cinco anos.
6. Com deficiência
Mesmo que muitas vezes não precisem de nenhum cuidado especial, cachorros com deficiência "intimidam" possíveis adotantes, segundo os cuidadores.
Com três patas, Ana foi uma das que deram sorte. Foi adotada em julho pela médica Giuliana Sigolo Neves, que já tinha um cachorro sem uma das patas. Mas antes disso ficou cinco anos no abrigo da ONG Adote um Focinho.
"Ela nem sabe que tem deficiência: pula, brinca e apronta normalmente", diz a nova tutora.
7. Velhinhos
Cães idosos dão pouco trabalho - latem menos e não precisam gastar tanta energia. Mas a perspectiva de ficar com eles pouco tempo, lidar com a morte e problemas de saúde afasta algumas pessoas.
"Penso que a vida dele nesses últimos anos foi melhor que nos anteriores", relata a bancária Thalise Carneiro. Ela adotou um labrador de 12 anos que morreu depois de três anos com ela.
8. Com problemas crônicos de saúde
Animais com problemas de saúde precisam de um tutor que esteja disposto a dar cuidados especiais. Em alguns casos, é só uma ração diferente. Em outros, eles precisam de idas frequentes ao veterinário, remédios e, possivelmente, cirurgias.
9. Bravos e de raças consideradas agressivas
Muitos pit bulls são abandonados e, por causarem medo, acabam indo parar no CCZ. Boa parte deles é mansa e muito dócil, mas mesmo assim acaba ficando para trás, segundo os cuidadores.
Já os mais bravos só acham um tutor quando - muito raramente - aparece alguém procurando por um cachorro para guarda*.
10. Com muita dificuldade de mobilidade
"Temos uma que tem problema na coluna e mal consegue ficar em pé. A gente sabe que terá que cuidar dela até o fim da vida", diz Rafael Birkeland Carvalho.
11. Com personalidade difícil
Cachorros que passaram por traumas e têm o comportamento errático e imprevisível podem ser um desafio até para os tutores mais dedicados.
Dependendo do caso, muitas vezes os abrigos nem colocam os bichos assim para a adoção.
Fonte: BBC Brasil
Fotos: CCZ-SP e Adote um Focinho / Divulgação
NOTAS DA NATUREZA EM FORMA:
*2. Lembramos que animais não são escravos. Se você quer tornar sua casa segura, compre um sistema de segurança eletrônica ou contrate um ser humano e lhe pague com dinheiro um salário justo. Em nosso Centro de Adoção, candidatos a adotantes que querem um cão de guarda são descartados. O animal - cachorro, gato, coelho, rato etc. - deve ser parte da família, participar da rotina, e não servir para uma função.
3. Veja abaixo os atuais "casos especiais" de nosso Centro de Adoção! Confira aqui nosso endereço e telefones para vir conhecê-los pessoalmente, se encantar e levar um amigo especial para casa!
Esse pretinho lindo é o Ralf, que veio do CCZ
e já espera uma família há cinco anos!
Zen foi adotado conosco ainda filhote e devolvido depois de sete anos. Hoje, está quase cego e já espera uma nova família (responsável e amorosa, dessa vez) há um ano (leia aqui seu relato)
Bionda tem 10 anos, é cega e tem brucelose, contraída durante toda uma vida de exploração em uma fábrica de filhotes. Leia aqui seu relato e saiba por que você nunca deve comprar um animal
Sim, a matéria é sobre cachorros, mas não podemos deixar de apresentar Eugênia, de um ano, que tem distúrbio no labirinto.
Em momentos de crise, ela fica com a cabeça viradinha e rodando
Bionda tem 10 anos, é cega e tem brucelose, contraída durante toda uma vida de exploração em uma fábrica de filhotes. Leia aqui seu relato e saiba por que você nunca deve comprar um animal
Sim, a matéria é sobre cachorros, mas não podemos deixar de apresentar Eugênia, de um ano, que tem distúrbio no labirinto.
Em momentos de crise, ela fica com a cabeça viradinha e rodando
Fotos: Natureza em Forma / Divulgação
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