"Basta apenas um olhar para que uma criança se torne vegetariana por toda sua vida." Com essas palavras, o escritor sul-africano John Maxwell Coetzee, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2003 e considerado um dos maiores autores de língua inglesa da atualidade, emocionou uma grande plateia em Sidney, na Austrália, em 22 de fevereiro de 2007, quando falou sobre os direitos dos animais. A repercussão foi tão positiva que seu discurso foi publicado em alguns dos mais importantes jornais do mundo.
“Animais felizes transformados de forma indolor em nuggets, o sorriso da vaca do comercial de leite que diz doar o próprio leite para nós. Dada a chance, as crianças sempre verão além das mentiras com as quais somos bombardeados pelos anunciantes. A respeito disso, crianças nos fornecem as mais brilhantes esperanças. Elas têm corações ternos, que não foram endurecidos por anos de conivência com a crueldade e o comportamento antinatural”, declarou o vegetariano J.M. Coetzee.
Para o escritor avesso a entrevistas, qualquer pessoa disposta a refletir sabe que há algo de muito errado na relação entre os seres humanos e os animais, e isso se tornou mais aberrante nos últimos 100 anos, quando a pecuária se apropriou dos métodos industriais de produção. “A indústria de alimentos supera o comércio de peles e o uso de animais em laboratórios quando falamos em números de vidas animais afetadas. A grande maioria das pessoas usa e consome produtos dessas indústrias, mas se sente mal quando pensa no que acontece nas fazendas industriais e nos matadouros. Por isso, elas organizam suas vidas de tal maneira que evitam pensar nisso. Também fazem de tudo para garantir que seus filhos sejam mantidos na escuridão, porque sabemos que crianças têm bom coração e mudam facilmente”, enfatizou.
Para Coetzee, o primeiro sinal de que os animais já não eram mais vistos como algo além de produtos apareceu no século 19, com o surgimento das primeiras fazendas industriais. Desde então, a humanidade tem se negado a reconhecer que animais não são meras unidades disponíveis à exploração humana. “Esse aviso veio tão alto e claro que parecia ser impossível ignorá-lo. Mais tarde, um grupo sanguinário da Alemanha [em referência aos nazistas] teve a ideia de adaptar a metodologia dos currais industriais. Eles foram pioneiros nesse sistema que não chamavam de matadouro, mas sim de área de processamento de seres humanos”, assinalou.
Segundo o escritor, naturalmente esse horror chocou a humanidade. Muitos diziam: “Que terrível! Tratar seres humanos como gado!”. Considerando isso, ele observou que se as pessoas tivessem refletido um pouco mais à época, a queixa teria sido bem diferente: “O mais justo seria falar: ‘Que crime terrível! Tratar seres humanos como meras unidades de um processo industrial’. E assim veríamos com outros olhos a proporção desse crime, já que é um crime contra a natureza resumir qualquer ser vivo a uma unidade de um processo industrial”.
Independentemente do que dizem os bem-estaristas, Coetzee argumentou que a pecuária tradicional sempre foi suficientemente brutal. Sobre a exploração animal, pessoas sempre dirão: “Sim, é terrível a forma como vivem as porcas reprodutoras e os vitelos. Mas quem vai, em seguida, encolher seus ombros e perguntar: ‘O que posso fazer sobre isso?’”.
O papel do movimento em defesa dos direitos dos animais é oferecer opções para que as pessoas saibam o que fazer logo que descobrem o que acontece com os animais. “As pessoas precisam saber que há alternativas aos produtos de origem animal. Que essa alternativa não exige sacrifícios em saúde e nutrição nem mesmo são caras. O único sacrifício envolvido nisso é dos próprios animais não humanos”, destacou J.M. Coetzee.
O escritor também apontou para um fenômeno alentador. O fato de que atualmente as indústrias que exploram animais estão sendo empurradas para a defensiva. Ou seja, hoje, elas são sempre questionadas sobre suas ações. “As organizações de direitos dos animais mostram que as práticas indefensáveis e injustificáveis da indústria têm tão e somente motivações econômicas. A indústria está indo ladeira abaixo e já prevê que uma tempestade vai arrastá-la. Na medida em que há uma guerra de relações públicas, a indústria prova que já perdeu essa guerra”, analisou.
No dia 30 de junho de 2016, J.M. Coetzee também abordou os direitos dos animais no auditório do Museu Reina Sofía, em Madri, na Espanha. “Eu não sou um amante dos animais. Animais não precisam do meu amor. Não me preocupo com amor, me preocupo com justiça”, informou Coetzee de antemão. Vegetariano, o escritor sul-africano tem ajudado a promover os direitos dos animais há várias décadas.
Uma de suas obras mais importantes, e que fala justamente sobre o assunto, é a novela metaficcional The Lives of Animals ("As vidas dos animais"), publicada pela editora da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, em 1999. A obra de caráter filosófico gira em torno dos conflitos vividos por uma professora e conferencista vegetariana que, ao advogar os direitos dos animais, encontra resistência no âmbito familiar e no trabalho. “Humanos pensam que são muito mais importantes do que os animais. Por isso, rejeitam a consciência animal. As pessoas precisam cultivar sua empatia”, defendeu J.M. Coetzee.
Referências
Coetzee, J.M. Exposing the beast: factory farming must be called to the slaughterhouse. Opinions – Article. The Sydney Morning Herald, Austrália (22/02/2007)
Coetzee, J.M.. Animals can’t speak for themselves – it’s up to us to do it. Opinions – Article. The Age, Austrália (22/02/2007)
AFP. Nobel laureate J.M. Coetzee speaks against animal cruelty. Daily Mail, Reino Unido (01/07/2016)
Fonte: David Arioch - Jornalismo Cultural
Foto: Jerry Bauer
Fonte: David Arioch - Jornalismo Cultural
Foto: Jerry Bauer
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