O Ibama determinou o sacrifício de cerca de 300 cervos que se encontram na área do parque Pampas Safari, em Gravataí (RS), fechado desde o ano passado e em processo de encerramento. A decisão foi tomada em julho, em razão da disseminação de tuberculose entre os animais, o que representaria um risco para espécimes sadios e também para a saúde humana.
O assunto veio à tona ontem (22/8/2017), na internet. Ex-secretária municipal dos Direitos Animais de Porto Alegre, Regina Becker publicou uma postagem afirmando ter recebido a informação de eutanásia "sendo executada em lotes, através do dito 'abate humanitário', o que, em verdade, consiste em nada menos que um disparo de pistola pneumática". "Diante dessa triste decisão, respaldada por legislações que visam tão somente às questões sanitárias, desconsideram a vida animal e a possibilidade de estes serem tratados. Buscarei nos órgãos judiciais o conhecimento da íntegra do processo, para analisar criteriosamente os laudos, exames, autuações e todos os demais dados que resultaram na decisão de morte de centenas de animais", acrescentou Regina.
Segundo a superintendente estadual do Ibama, Claudia Pereira da Costa, o primeiro caso de tuberculose em animais do Pampas Safari data de 2007, em búfalos. Em 2013, diante do descontrole da doença em camelos, lhamas e cervos, o instituto interditou o parque. Meses depois, houve a reabertura, com base no que Claudia define como "relatórios mascarados".
No ano passado, o Ibama recebeu denúncia de um funcionário do parque, afirmando que os documentos eram falsificados e que a doença continuava fora de controle. O órgão afirma ter começado a monitorar a situação, o que levou à determinação do encerramento total do parque, que está fechado desde 2016, por falta de condições para manutenção dos espécimes. A previsão é que leve até dois anos até que se encontre um destino para todos os animais que ainda continuam lá.
As reuniões entre autoridades e proprietários do Pampas Safari continuaram nos últimos meses, até vir a determinação do sacrifício. Claudia justifica a medida: "A gente entende que o pessoal está apavorado. Mas onde colocaríamos mais de 300 animais para tentar tratar a tuberculose? A doença é contagiosa e está sem controle. Tem de abater para proteger os animais que estão saudáveis, a população e os tratadores que estão lá. É uma questão de saúde pública. Já era para ter acontecido antes, mas havia resistência da família proprietária".
A determinação do Ibama de abater esses 300 cervos não significa que os outros cerca de 200 animais estejam a salvo no local. Abandonados e correndo risco de contrair doenças — isso se já não tiverem sido infectados —, as espécies silvestres ainda podem estar sujeitas ao sacrifício enquanto não for encontrada uma solução para dar destino a elas.
Conforme o Ibama, ao decidir em comum — porém litigioso — acordo que o encerramento das atividades do parque seria a melhor solução, já que os responsáveis não teriam mais interesse em manter o empreendimento e teriam abandonado o cuidado com a área, o órgão federal estaria agindo para evitar o sacrifício de todos os animais ali presentes. Ao longo de toda esta quarta-feira (23), o jornal Zero Hora tentou entrevistar representantes da família Febernati, a administradora do Pampas Safari, mas não conseguiu contato em nenhum dos telefones e e-mails informados pelo parque em seu site e nos demais números associados a Ivone Febernati e suas filhas.
Para a professora de direito dos animais na Universidade Federal do Rio Grande (Furg) Bianca Pazzini, uma alternativa adequada seria o encaminhamento desses animais a um santuário, ou ainda a outros zoológicos em atividade, mas apenas como uma passagem temporária. Ela aponta ainda que, na ausência de atuação por parte dos responsáveis pelo empreendimento, cabe ao poder público a tarefa de proteger as espécies selvagens.
"A falta de um Estado que deveria proteger acaba levando à desconsideração total da vida. O certo seria ter os órgãos públicos como guardiões, agindo para ao menos tentar impedir o sacrifício dos animais", garante Bianca.
Fundado em 1977 pelo industrial gaúcho Lauro Febernati, o Pampas Safari ainda abrigaria, conforme cálculos aproximados do Ibama — que afirma nunca ter recebido laudos completos informando o número de animais presentes no local —, cerca de 500 animais, incluindo os cervos, em maior número.
Atuando na fiscalização de locais que abrigam animais silvestres no Rio Grande do Sul, o veterinário e chefe do Setor de Fauna Silvestre do Ibama/RS, Paulo Wagner, aponta indícios de negligência da administração do Pampas Safari no controle de doenças e na reprodução dos animais. Ele diz que uma série de problemas levou à interdição do parque e garante que, diante da situação, foi necessário determinar o sacrifício de animais. Leia a entrevista.
Pode haver novos sacrifícios?
Há um risco ainda porque circulam animais silvestres lá dentro. Não é uma solução fácil, não é uma solução que nos agrade, mas é a solução que minimamente bloqueia o procedimento e evita que outros animais se contaminem. Na verdade, os administradores do parque não controlaram a doença no decorrer de 10 anos. Nós vamos sacrificar 300 animais, mas quantos para trás não morreram também de doença? Quantos ainda estão contaminados?
Havia fiscalização no local? O que se observou ali?
Havia um descalabro no local. Encontrei fossas com carcaças dentro a céu aberto. O depósito de alimentos tinha mais cocô de rato do que alimentos. Foi um horror o que encontrei ali. Interditamos. Quem mantinha era mais por uma vontade pessoal. Era um local que, provavelmente, nunca deu lucro. Quando o Lauro Febernati faleceu (em 2005), o próprio empreendimento parou todo. Aquilo foi consumindo dinheiro e suas condições degringolando.
Qual a solução encontrada?
Vieram com essa questão do abate de animais, o que é um direito. A dificuldade de cumprir o que era determinado pelo Ibama culminou, no ano passado, com o encerramento das atividades. Ainda havia a possibilidade de manter, mas chegou um ponto que ninguém aguentava mais. Fechou. Encerramos o empreendimento com os animais lá dentro.
Por que a tuberculose não foi controlada?
Eles não tinham controle lá dentro. A inspeção consegue buscar essas questões, mas mesmo assim foi um erro grave deles que emitiram essa informação. Eles não conseguiram apresentar um plano de testes de tuberculose que nós disséssemos que estava bem feito. Culminou, em fevereiro deste ano, com uma reunião no Ministério Público Federal, onde eles apresentaram um plano de testes que nós, da Secretaria da Agricultura, tecnicamente negamos. Mas, sabe-se lá por qual razão não quiseram mais fazer os testes de novo. Decidiram abater os animais. O plano de encerramento de atividades prevê isso. Legalmente é possível. Eu não posso nem faz sentido manter um animal tuberculoso sem tratamento. O tratamento de cada um deles é inviável.
A melhor solução foi determinar o abate?
Se alguém quiser fazer um santuário de cervos tuberculosos, apresente o projeto. O Ibama vai olhar e se disser que o controle sanitário é rigoroso e consegue manter, ótimo. Fazer demagogia de "coitados dos bichinhos, estão matando os bichinhos" e, quando a gente diz "tudo bem, então me dá uma solução", dizer "não, isso não é comigo" — desculpa, aí não. A obrigação legal do órgão ambiental e sanitário é preservar a saúde pública e ambiental, evitando a proliferação da doença, que ocorre através do meio ativo que é o animal. Mas o empreendedor não me apresenta uma maneira de controlar isso aí, sabendo que os animais que dessem positivos seriam abatidos e os animais que dessem negativos seriam abatidos também, para consumo. De uma maneira ou de outra, os animais iriam para abate. A única diferença é que eles disseram assim: "Nós não queremos fazer mais exames". E a gente na hora entendeu o porquê.
Qual é o futuro do parque?
O parque como empreendimento acabou. Ele foi encerrado em novembro do ano passado. Não existe mais Pampas Safari. Se quiserem abrir um novo zoológico, isso pode ser feito, mas o que existia ali foi interditado por nós.
Fonte: Zero Hora (primeira matéria, segunda matéria, terceira matéria)
Fotos: Reprodução
NOTA DA NATUREZA EM FORMA:
Em primeiro lugar, essa história mais uma vez mostra as desastrosas consequências da exploração animal pelo bicho homem. Uma pessoa abre um zoológico para expor animais aprisionados para criaturas alienadas que dizem para si mesmas e suas crianças que estão aprendendo algo sobre a natureza. Daí essa pessoa não fornece nem o mais básico dos cuidados aos prisioneiros, que seria alimentação e cuidados médicos. Essa pessoa morre e sua família, menos interessada ainda no "negócio", que aparentemente nunca deu lucro, simplesmente vira as costas para os animais, que, jogados à própria sorte, adoecem. A doença pode contaminar outros animais e seres humanos (se os animais ainda estão vivos é porque ainda deve ir alguém até lá alimentá-los), e a autarquia federal responsável pelo controle e fiscalização da fauna brasileira determina o sacrifício desses animais.
"Se alguém quiser fazer um santuário de cervos tuberculosos, apresente o projeto", disse o representante do Ibama. Esse "alguém" deveria ser o governo federal, que deveria zelar pela integridade física e psíquica dos cidadãos humanos e animais de todo o território nacional. Se há também espécies vindas de outros países, é porque em algum momento foi concedida autorização para que entrassem no País, tornando-se, portanto, responsabilidade do órgão competente que concedeu tal permissão. Órgão vinculado ao Governo, portanto, repetimos, esses animais são responsabilidade do Governo, sim.
Mas sabemos que isso não é o que ocorre, nem ocorrerá, na prática. Vivemos em um país (des)governado - desde as esferas municipais até a federal - por pessoas que só têm o interesse único de enriquecimento próprio. "Um santuário de cervos tuberculosos"? Sim, era para onde deveriam ser enviados esses animais, e lá serem tratados e curados, com total financiamento do governo federal. Mas será isso que veremos de nossos políticos corruptos, vendidos para uma bancada ruralista podre, que passam por cima até mesmo da Constituição Federal, da vontade popular e diversos órgãos competentes, para legalizar maus-tratos como a vaquejada e rodeios, além de diversas outras atrocidades contra os animais, tudo em nome do dinheiro sujo - de corrupção e sangue dos animais - jorrando para suas contas bancárias? Infelizmente, não.
O "santuário de cervos tuberculosos" só poderá se tornar realidade a partir da iniciativa privada ou de ONGs, como foi o caso do Santuário de Elefantes na Chapada dos Guimarães, financiado pela Global Sanctuary for Elephants - sim, uma ONG internacional...
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