“Faxineiros alados” da natureza, urubus são vítimas da má fama

Urubu-de-cabeça-preta toma sol: ave tem papel fundamental no equilíbrio da natureza 
(Foto: Marjory Spina)


Os urubus nunca recebem elogios. Na literatura, nas lendas, no senso comum ou até mesmo nos inofensivos desenhos animados, essa ave sempre remete a algo negativo, que exige distância e desprezo. O próprio Charles Darwin, naturalista inglês e “pai” da evolução das espécies, quando visitou a América em 1832, encontrou um urubu-de-cabeça-vermelha e o descreveu assim: “São aves repugnantes, que se divertem na podridão”. Mas, por trás dessa má fama, há um animal que precisa ser melhor compreendido e respeitado.

Urubus são aves comuns de serem observadas tanto no ar quanto no solo. 
No registro acima, um urubu-de-cabeça-amarela (Foto: Rudimar Narciso Cipriani)


De acordo com o biólogo e ornitólogo Willian Menq, mestre em zoologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), os urubus têm papel fundamental na manutenção de ecossistemas saudáveis. Por causa de sua dieta necrófaga (comer animais mortos), são verdadeiros “faxineiros alados”, mantendo os ecossistemas limpos, sendo responsáveis pela remoção de carcaças. Com isso, eles ainda evitam a propagação de doenças e bactérias que poderiam adoecer ou matar outros animais, inclusive o homem.

"As pessoas tendem a desprezar os urubus por conta de sua aparência. Ao contrário da maiorias das aves, que são coloridas e possuem cantos melódicos, os urubus são aves consideradas feias, nojentas e pouco higiênicas. Por isso, poucas pessoas simpatizam com eles, deixando de reconhecer sua importância ecológica",  pontua Menq.

Estudos apontam que muitas carcaças consumidas pelos urubus contêm toxinas botulínicas, antraz, raiva e cólera. Em áreas onde não há urubus, as carcaças levam até três ou quatro vezes mais tempo para se decompor, aponta a bióloga Marjory Auad Spina, especialista em manejo e conservação da fauna silvestre, que desde 2014 vem estudando a espécie.

A ausência dessas aves pode refletir até mesmo na economia, como já ocorrido em países da África e na Índia, menciona o biólogo Menq. Em alguns lugares da Ásia, por exemplo, o desaparecimento de abutres desencadeou o aumento populacional de ratos e cães selvagens, que carregam leptospirose e raiva, obrigando um aumento de gastos na área da saúde local.


Brasil abriga a maior parte de espécies existentes pelo mundo: 
urubu-de-cabeça-preta é o mais urbano (Imagem: G1)


“Além disso, existem algumas crendices e lendas que colocam os urubus como aves agourentas, cuja presença seria prenúncio de morte, semelhante ao que ocorre com muitas corujas”, afirma Menq. “Mais do que as crendices, a palavra 'urubu' também é empregada para denotar comportamentos reprováveis, como os de pessoas que enriquecem a partir de práticas ilegais ou oportunistas”, acrescenta. Marjory diz sua opinião: "Eu vejo muito mais do que uma ave com importante papel ecológico. Eu realmente vejo beleza".

No Brasil, é possível encontrar o urubu-de-cabeça-preta – o mais comum e urbano de todos, que utiliza estruturas de prédios para fazer seus ninhos -, urubu-de-cabeça-vermelha, urubu-de-cabeça-amarela e urubu-rei, que estão distribuídos por todo o País. Já o urubu-da-mata é endêmico da região amazônica. O que difere em sua ocorrência é apenas o habitat. Os urubus são aves pertencentes à ordem cathartiformes, diferentemente dos abutres do Velho Mundo, pertencentes à ordem accipitriformes.

Predadores e parceiros

Eles possuem poucos predadores, sendo jiboias, sucuris e pequenos mamíferos carnívoros os mais conhecidos. As aves urbanas são comumente observadas planando pelo céu das cidades, pousadas no alto de prédios e antenas ou vasculhando os lixões à procura de material orgânico. Menq aponta ainda que os urubus costumam se associar aos carcarás, dividindo carcaças. A associação é benéfica para ambos: os urubus ganham proteção e têm seus parasitas retirados da plumagem, enquanto os carcarás conseguem alimento com mais facilidade.

Os urubus passam várias horas do dia planando, usando as correntes de ar quente para planar por horas, assim gastando o mínimo de energia. Eles fazem movimentos ascendentes em espiral em largos círculos e voam dezenas de quilômetros atrás de alimento, muitas vezes compartilhando o céu com gaviões e águias. Normalmente, localizam os cadáveres em solo através de sua excelente visão, exceto as espécies do gênero cathartes, que possuem um olfato extremamente apurado.


Urubu-da-mata é visto apenas na região amazônica: ave exuberante (Foto: G1)


Os urubus não têm habilidade para caçar, pois suas patas não funcionam como ferramentas para agarrar e matar presas, como nos gaviões. “Mesmo assim, ocasionalmente, os urubus podem capturar pequenos vertebrados, como aves, roedores, lagartos ou filhotes de tartarugas, normalmente capturados e abatidos com o bico. Há registros impressionantes, no interior do Mato Grosso do Sul, de um urubu-de-cabeça-amarela atacando, com bicadas na cabeça, uma jararaca”, afirma Menq.

Defensores e tatuagens

Conforme conta a bióloga Marjory, no Brasil, não existe um grupo que defenda especificamente os urubus. “Entretanto existe o International Vulture Awareness Day (Dia Internacional de Conscientização sobre o Urubu), que acontece em todo primeiro sábado do mês de setembro. Foi uma iniciativa em conjunto da África do Sul e Inglaterra, que decidiram expandir a ideia para um evento internacional. Nessa época, é possível encontrar, principalmente em redes sociais no Brasil, pessoas que apoiam a causa”, conta ela, que estampa esse respeito pelo animal na própria pele. “Eu tatuei um bracelete no braço direito com as espécies de urubus. Sempre tive afinidade com eles, algo que notei desde criança. Certa vez, quando tinha 12 anos, eu estava na Avenida Paulista com meu irmão e avistamos dois filhotes de urubus. Foi meu primeiro contato tão próximo e fiquei encantada”, relembra.


A bióloga Marjory Spina: amor aos urubus 
estampado na pele 
(Foto: Arquivo pessoal)


Lendas

Curiosamente, em algumas culturas de outras partes do mundo, as “aves carniceiras” são bem-vistas. No Tibete, por exemplo, algumas culturas possuem grande simpatia pelos abutres, incluindo-os em suas tradições funerárias. Nessa cultura, as pessoas não são enterradas após a morte como meio de controlar doenças infecciosas. Em vez disso, os corpos são colocados em plataformas a céu aberto em um local tradicional para ser consumido pelos abutres. As pessoas consideram isso uma última boa ação do ente querido, pois o falecido oferece algo a outra criatura viva antes de “descansar no céu”. No Brasil, há muitas lendas entre os povos indígenas. O urubu-rei (Sarcoramphus papa), por exemplo, é admirado por voar muito alto. Alguns indígenas acreditam que ele voe acima das nuvens, por isso as flechas com suas penas dificilmente erram o alvo.

Algumas características que tornam essa ave diferente das outras (Ilustração: G1)



Fonte: G1 


NOTA DA NATUREZA EM FORMA:

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