Conheça o padre que fala sobre compaixão a todos os animais em uma pequena paróquia gaúcha


Fica em Araricá, cidade a 70 km de Porto Alegre e com 4.864 habitantes (dados do último censo do IBGE), a paróquia Nossa Senhora da Conceição. Com 128 anos de história, há três o padre Paulo César Rosa da Conceição está à frente de tudo.

Conhecido como padre César Rosa, ele vem promovendo uma pequena e importante revolução em sua comunidade. Em paralelo às funções atribuídas ao seu cargo na Igreja Católica, Rosa não se esquiva de falar sobre temas muitas vezes polêmicos para o meio religioso.

Ovolactovegetariano desde 2009 e caminhando para o veganismo, ele vem promovendo grandes jantares sem carne para os frequentadores de sua paróquia. No primeiro ano, uma pizzada. No segundo ano, foi um festival de pastéis. Há alguns dias, foi um banquete sem carne com mais de 50 pratos. Para o ano que vem, o plano já está traçado: será um grande jantar vegano, sem nenhum ingrediente de origem animal.

Em conversa com o portal Vista-se, padre César Rosa falou sobre suas motivações, sobre como os frequentadores da paróquia reagem e também sobre o que os seus superiores na hierarquia da Igreja pensam a respeito de um padre que promove a compaixão aos animais.

Rosa contou que decidiu parar de comer animais por compaixão a eles. “Primeiramente, por uma questão ética, de respeito a todo tipo de vida, de saber que não posso fazer utilitarismo com as demais criaturas - isso encontro na Bíblia em Romanos 8,20. Depois vem a questão religiosa. Tenho convicção absoluta de que a Bíblia ensina o veganismo - encontramos muitas passagens a esse respeito, deixo duas como exemplo: Gênesis 1,29 e Provérbios 15,17. Outro fator é a saúde. Para mim, comer carne é comer cadáver, produto em decomposição, por isso o carnívoro tem hálito forte. Sei que a carne apodrece dentro de nosso organismo, demora a ser digerida e vira carniça no ventre de quem come. Ainda mais da maneira que se produz carne hoje em dia, com muitos antibióticos, anabolizantes, conservantes, aromatizantes etc. Por fim, por amar todos os animais, ver neles a presença de Deus, ser contra todo tipo de maldade (Daniel 3,79-81). Falamos muito na Igreja sobre misericórdia. Mas a misericórdia só entre as pessoas? E as outras criaturas de Deus? Eu quero misericórdia, mas não a exerço com as demais criaturas das quais sou guardião? Existe misericórdia sem compaixão? Sempre digo: ‘Não como outro animal, pois também sou um’. Nunca fui um carnívoro mesmo, comia porque somos educados e ‘forçados’ a comer desde pequenos. Mas depois que fui criando consciência do que está por trás da cultura de morte da indústria da carne, foi muito fácil deixar de comer por completo”, declarou o padre.

Ele também entende o mal por atrás da produção de ovos e laticínios, mas disse que ainda não conseguiu abolir completamente esses itens de sua alimentação. Segundo ele, a dificuldade aumenta quando está em visita às casas das pessoas da comunidade.

Perguntamos também se ele fala sobre veganismo durante as missas. “Falar de veganismo numa cultura em que criam animais em casa para comer e onde tudo é motivo para churrascos é um pouco complicado. Porém, em muitas ocasiões, as leituras da missa e partes das orações tocam de certa maneira na questão ética com as demais criaturas. Aí, sim, eu prego que devemos evoluir, que devemos cuidar da natureza, da Criação dos demais seres.”

“Quando vem a Carta aos Romanos, capítulo 8,20, sempre digo que fico em crise [risos], pois ali vemos claramente que Deus quer libertar toda a criação do pecado e da maldade do mundo. Olha só esse trecho da IV Prece Eucarística da Missa, que praticamente não é usada: ‘E a todos nós, vossos filhos e filhas, concedei, ó Pai de bondade, que, com a virgem Maria, mãe de Deus, com os apóstolos e todos os santos, possamos alcançar a herança eterna no vosso reino, onde, com todas as criaturas, libertas da corrupção do pecado e da morte, vos glorificaremos por Cristo, Senhor nosso’.”

Padre César Rosa lembrou também um episódio na missa do último Natal, quando ele sugeriu um questionamento bem direto: “Por que será que, nesta noite, os cristãos vão comer o presépio? Se Jesus teve que nascer entre animais para não ser morto pelos homens? Por que agimos como pagãos, comendo perus? O que tem a ver isso com o Natal? No dia do nascimento do Senhor da vida, acabamos celebrando a cultura da morte. Onde está na Bíblia que José e Maria fizeram churrasco quando Jesus nasceu?”.

Sobre como seus superiores na hierarquia da Igreja enxergam toda essa movimentação, Rosa disse o seguinte: “Posso enquadrar essa questão em três realidades por parte de meus superiores e colegas: respeito, deboche e preconceito. Infelizmente, o respeito vem de poucos [risos]. O fato é que alguns que conviveram comigo, quando me veem, me agradecem: ‘Olha, padre, sabe que a convivência com o senhor me fez muito bem? Comecei a comer mais verduras, deixei de comer tanta carne. Hoje, me sinto melhor, mais disposto, emagreci, Valeu mesmo’. É muito recompensador ouvir testemunhos desses, embora não tenham se tornado veganos ou vegetarianos. Outros debocham mesmo e levo na brincadeira. Um dia, falaram numa missa onde estavam todos os padres: ‘Depois da missa, será oferecido um churrasco para vocês - e, para o padre Paulo César, reservamos um pasto’. Isso em nada me atinge, e também ninguém achou graça. Perguntam se não tenho misericórdia da cenoura e da alface, essas baboseiras sem graça. Outros procuram textos na Bíblia onde dizem que matavam cordeiros e cabritos para comer, que Jesus comia peixe. Parece que não tiveram teologia [risos]. Particularmente, não tenho participado nem aceito ir em eventos católicos que culminem com exploração animal. Não me preocupo, pois encontro nas Sagradas Escrituras, nos documentos da Igreja, no exemplo de santos, o suporte para exercer a compaixão e a misericórdia com todas as criaturas”.

Perguntamos também sobre como é a reação das pessoas que frequentam a paróquia. O padre explicou que, em um primeiro momento, as pessoas acham estranho ouvir na missa sobre compaixão aos animais, mas, aos poucos, os fiéis vão entendendo e até aderindo. “Sempre que chego numa comunidade, já aviso que não me convidem para churrasco [risos]. Posso dizer que, em minha paróquia, alguns já não comem mais carne e outros diminuíram drasticamente o consumo.”

No jantar de alguns dias atrás, Rosa achou que realizaria seu objetivo de um grande banquete vegano. Mas houve um problema de comunicação com o restaurante responsável e, na hora, descobriu-se que havia alguns pratos com ovos e leite no cardápio. “Meu objetivo agora é realizar um jantar vegano de fato, espero que Deus me abençoe com mais essa graça e que Ele dê muita força, ânimo e coragem para todos aqueles que lutam pelos animais”, finalizou o padre.

Uma outra curiosidade é que o padre César Rosa tem conseguido amigos veganos pelas redes sociais por conta de sua postura progressista. Muitos veganos, inclusive, compareceram ao jantar promovido pela Igreja para arrecadação de fundos para uma reforma na centenária paróquia.

Fonte: Vista-se 

Nenhum comentário:

Postar um comentário