Imagine que você está trancado em casa, sem nada para fazer: nenhum livro, sem televisão e muito menos internet para se distrair. A situação não parece animadora, certo? Para muitos animais, essa é uma realidade corriqueira. Para amenizar o tédio dos bichos, há diversas alternativas. Os chamados brinquedos funcionais (ou inteligentes) e o enriquecimento ambiental - oferecer coisas para que o animal tenha o que fazer - são maneiras de trabalhar o corpo e a mente de cães e gatos enquanto o tutor não está em casa. De quebra, os comportamentos nocivos, como destruição de móveis e agressividade, diminuem consideravelmente.
A especialista em bem-estar animal Karen Neves explica que os brinquedos funcionais são aqueles que ajudam o animal a solucionar algum “problema”. “Podem ser usados apenas para entretê-lo em dias tediosos, mas ajudam, principalmente, a estimular os sentidos, educar, adestrar e corrigir comportamentos indesejados”, enumera.
Geralmente feitos de material resistente, certos modelos permitem que os tutores coloquem ração e/ou petiscos dentro. Na hora de escolher, a especialista indica levar em conta a idade e o temperamento do animal, além da qualidade e procedência dos acessórios. “Filhotes na fase de dentição podem ser beneficiados com versões que possam ser congeladas e que ajudam a minimizar o desconforto da gengiva”, ensina. “Já cães idosos não conseguem morder objetos tão duros, então é melhor investir em versões mais macias.”
A vantagem dos brinquedos, segundo o veterinário Dalton Ishikawa, é que os animais conseguem pôr em prática o instinto de caça e procura por alimentos. “A gente resgata alguns comportamentos inatos, justamente para permitir que eles expressem seus comportamentos naturais”, detalha. Todo animal, de acordo com Ishikawa, tem quatro instintos básicos: sexual, materno, de caça e de fuga. Quando ele está acordado, o instinto que mais consome seu tempo é o da busca por comida, por isso faz bem associar essa necessidade à diversão.
Alternativas divertidas
O bem-estar mental do animal, segundo o profissional, é uma preocupação nova, mas tão importante quanto a saúde física. “Sem o mínimo de saúde mental, começam a explodir distúrbios de comportamento, como automutilação, ingestão de fezes e movimentos repetitivos. Isso é estresse crônico.”
O passeio “burocrático”, geralmente feito uma vez ao dia*, não é suficiente para garantir a qualidade de vida dos cães. “Todo mundo quer ter um animal de estimação, mas não percebe que, embora eles vivam em sociedade, estão sendo colocados em uma solitária de luxo”, avalia Ishikawa.
Veterinária especializada em medicina felina, Daniela Maciel explica que os bichanos também precisam de incentivos. Além do estímulo à caça, uma forma de manter os gatos entretidos é investir em objetos altos, como prateleiras e nichos de parede. “Gatos também gostam de se esconder, então caixas e túneis viram um ótimo entretenimento”, completa.
Ela acrescenta que o brinquedo deve ser escolhido com base na atividade que o tutor deseja proporcionar ao animal, de acordo com o estilo de vida e temperamento dele. “Um brinquedo funcional comum a cães e gatos é aquele que estimula o instinto de caça, porém, em alguns casos, pode ser contraindicado. Um bom exemplo disso são os lasers para gatos”, alerta. “Alguns acabam ficando mais ansiosos e frustrados por nunca conseguirem pegar a ‘presa’ de laser.”
Para o especialista em comportamento canino Rudinho Bombassaro, além de estimular os sentidos, esses objetos podem melhorar a saúde bucal dos animais. “Existem outros brinquedos que também são importantes porque fortalecem a dentição. São mais indicados para cães jovens, levando em consideração a troca dos dentes”, explica.
Outra questão importante, segundo o especialista, é que o tutor sempre assuma o lugar de “líder da matilha”. Em outras palavras: o humano deve sempre começar a brincadeira. “Isso coloca o cão na posição de seguidor, e assim aumentam as chances de sucesso entre ele e seu tutor.” Um tutor jamais deve estimular uma disputa, uma vez que pode desencadear o senso de luta no animal. “Ele vai entender que, nessa condição, pode ganhar, gerando problemas comportamentais.”
Tutora de sete cães e três gatos, a veterinária Liziè Pereira Buss, 35 anos, adaptou toda a estrutura de casa para melhorar o enriquecimento ambiental dos bichos. Ela conta que procurou informações em livros e na internet para descobrir a melhor forma de colocar os ensinamentos em prática. “No caso dos cães, o que mais faço é revezar a forma de oferecer a ração”, detalha. “Às vezes, eles comem em garrafas pet com buracos. Também costumo jogar os grãos no chão, como fazemos com as galinhas.” Brinquedos com ração e petiscos dentro, além de ossos escondidos pelo quintal, completam a proposta de “caça” ao alimento. Diariamente, Liziè passeia com os cachorros e, uma vez por semana, os leva para praticar agility.
Para os gatos, Liziè adaptou alguns pontos da casa, incluindo prateleiras, passarelas, nichos nas paredes e arranhadores gigantes. O projeto, segundo ela, está 70% pronto. “Até a alimentação deles fica no alto. A única coisa que fica no chão são as caixas de areia.” Os brinquedos também são revezados: cada um fica até três dias com os gatos. “Trocamos sempre para que eles não percam o interesse”, justifica.
Há seis anos, Liziè trabalha com bem-estar animal. Desde que implementou as mudanças, ela conta que o comportamento e a felicidade dos companheiros melhoraram consideravelmente. “O cachorro deveria ter uma vida social tão rica quanto a de uma pessoa, conhecer outros cães, sair de casa todos os dias. Os animais não podem ser prisioneiros domiciliares.”
Vantagens do enriquecimento ambiental
> Diminuição dos comportamentos destrutivos, como mordidas em móveis, ansiedade por separação, automutilação e cropofagia (ingestão de fezes);
> Melhora da qualidade de vida do animal;
> Resgate de comportamentos naturais como a caça, essenciais para a manutenção da saúde mental do bicho;
> Estímulo de exercícios físicos e mentais.
Como usar os brinquedos funcionais
> No caso de acessórios que liberam alimentos, como as petballs, o ideal é colocar a quantidade diária recomendada de comida para cada cão. É possível, também, dividi-la em duas partes, oferecendo uma porção no brinquedo e a outra no comedouro. Ofereça essa opção sempre que o animal for ficar sozinho em casa. Assim, ele terá alimento disponível para o dia inteiro;
> Nas primeiras vezes em que for oferecer o brinquedo ao animal, esteja presente para observar como ele reage e para evitar acidentes;
> Se tiver mais de um animal, o ideal é ter um brinquedo para cada um, a fim de evitar disputas. Acompanhe as primeiras vezes para separar eventuais brigas;
> Para cachorros maiores e com muita energia, uma opção são os comedouros suspensos. Uma ideia é pendurar uma garrafa pet com ração dentro para que eles pulem para comer;
> O ideal é buscar o brinquedo certo para cada animal, considerando seu porte (pequeno/médio/grande) e o tipo de atividade que se deseja estimular;
> O brinquedo sempre deve ser específico para animais. Aqueles indicados para crianças ou menos resistentes podem ser destruídos e engolidos, causando sérias complicações.
> O brinquedo sempre deve ser específico para animais. Aqueles indicados para crianças ou menos resistentes podem ser destruídos e engolidos, causando sérias complicações.
Fonte: Blog Mais Bichos / Correio Braziliense
Fotos: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A. Press
NOTAS DA NATUREZA EM FORMA:
*1. Cachorros devem ser levados para passear três vezes por dia.
2. Leia também:
Excelente artigo!! E como é bom encontrarmos exemplos tão belos como os da Liziè, e de profissionais como o Dr. Ishikawa e a Dra. Daniela, que reconhecem o valor e a importância da saúde mental para os nossos animais tanto quanto a saúde física, algo que precisa ser urgentemente enfatizado nos dias de hoje. Precisamos de mais pessoas assim em nossa sociedade...
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