Preconceito, um mal que não atinge somente os humanos


Os tutores de cães e gatos são unânimes ao afirmar: o amor por um animal não tem raça ou cor. A relação com os amiguinhos de quatro patas deveria envolver carinho, alegrias e responsabilidades, não mais que isso. Mas, infelizmente, os mesmos critérios estéticos que muitas vezes excluem pessoas dos meios sociais têm sido levados pelos humanos até os bichos.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 44% das casas dos brasileiros vive pelo menos um cachorro. Esses números revelam, portanto, que a população de cães domésticos no Brasil chega a 52,2 milhões. Parece uma análise positiva, considerando a grande quantidade de animais, mas não é. Enquanto parte dos peludos vive feliz e quentinha entre quatro paredes, estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 20 milhões deles habitam as ruas das cidades, acometidos por doenças, maus-tratos e se reproduzindo sem controle.

O quadro é preocupante e merece atenção. Por isso, em Montes Claros (MG), as adoções de animais têm crescido, à medida que as pessoas são conscientizadas. Para a cuidadora Márcia Valadares, responsável por uma ONG da cidade, muito tem se avançado, mas é preciso fazer mais.

“Percebo que o assunto tem sido mais debatido. As pessoas têm procurado mais cachorros para adotar, ao invés de comprar, mas o problema é que muitas não consideram as responsabilidades e levam seus preconceitos na hora de escolher um animal. Quem tem que ter raça é gente, não cachorro”, afirma.

A ONG da qual Márcia participa, chamada Apelo Canino, criou até uma plataforma on-line onde um catálogo de cachorros está disponível. Atualmente, são 60 cães prontos para serem adotados, ou seja, castrados e vacinados.

É possível ver fotos e descrição completa dos bichos, divididos no catálogo por idade, porte, sexo e características especiais. Apesar de todo o incentivo, a instituição tem dificuldades em encontrar adotantes que queiram cachorros na cor preta e nunca, durante os sete anos de atuação, conseguiu doar um cachorro deficiente.

“É uma situação que nos deixa chateados. A pessoa entra a fim de escolher um animal e encontra um cachorro que não tem uma perna, por exemplo. Mesmo que o cachorro seja fofo, alegre, saudável, o que ouvimos é: 'Oh, dó!'. Só isso. Viram as costas e saem. O intuito da maioria é encontrar filhotes, e de cor clara. Apesar dessa dificuldade, vamos deixar os bichinhos deficientes, que foram muitas vezes maltratados, nas ruas? Não podemos. Então nós mesmos os abrigamos”, comenta a cuidadora.

Em média, o Apelo Canino consegue três lares por mês para cães. Além de manifestar vontade, existe uma sindicância realizada pela ONG para conhecer a realidade da família. “Olhamos nas casas se há espaço para o animal, se eles já tiveram outros cachorros e cuidaram bem, se têm condições de levar ao veterinário e, principalmente, se têm amor para dar”, explica Márcia.

Vida: um caso de amor especial

A sensibilidade de uma professora de Montes Claros foi contra a maré de rejeição que os cães deficientes sofrem. Marília Diniz adotou uma cadelinha que, após ser agredida, teve um dos olhos arrancado. Ela não tinha intenção de abrigar mais um animal, mas quando conheceu Vida, elas se escolheram. A família já era especial, já que o filho de Marília, Tomas, de 18 anos, tem síndrome de Down, e já tinha três cachorros adotados. Com a chegada da Vida, o amor só cresceu.

“Hoje, tenho cinco cachorrinhos que adotei, e que me escolheram também. Quando vi a Vida em uma postagem de internet, eu não tinha intenção de pegá-la, mas foi amor à primeira vista. Em homenagem a tudo o que ela sofreu, demos esse nome a ela. Eu percebo que a deficiência está nos seres humanos, não nos animais. Quando você ama, tem que ser incondicional. A deficiência dela não muda nada, pelo contrário, só nos ensina todos os dias”, afirma a professora.

Relação entre família e saúde do animal

A veterinária e protetora Camila Castro acredita que a adoção tem relação direta com a boa saúde dos animais. Ainda que o cachorro ou gato tenha uma boa alimentação e viva em um lugar seguro, a relação próxima com uma família, segundo a especialista, pode fazer muito bem a eles.

“Quando o animal está no lar temporário, por exemplo, tentamos lhe dar uma condição boa, mas não é a mesma coisa que um lar. Quando tem a família, um amor destinado a ele, muda tudo. Lembro-me de um cachorro que não conseguia ganhar peso, tinha problema cardíaco, nada o fazia engordar. Quando foi adotado, o coração se normalizou e logo o animal ganhou peso. Não é que um canil não ajude, mas nada se compara a um lar”, diz a veterinária.

Para tentar oferecer o conforto de uma casa ao máximo possível de bichos, Camila se uniu a outros protetores e criou o grupo Focinho Feliz. Eles atuam justamente curando e sendo intermediadores entre os animais e as famílias. Recentemente, organizaram uma feira de adoção em que foram adotados 10 animais dos 28 disponíveis. O resultado, segundo ela, poderia ser ainda melhor, caso as pessoas superassem os preconceitos em relação a raça e padrões estéticos.

“A adesão foi muito boa, apesar de que a procura era maior por filhotes. Foi a terceira edição do evento e ficamos muito satisfeitos com o resultado, com a organização da feira. Se não houvesse preconceito com os animais adultos, deficientes e de cores escuras, principalmente os gatos pretos, mais bichinhos conseguiriam um final feliz e as feiras seriam bem mais produtivas”, observa.

Fonte: G1

Foto: Marília Diniz / Arquivo pessoal

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