Mark Twain, um porta-voz dos animais



Um dos mais proeminentes escritores dos Estados Unidos, o jornalista, romancista e humorista Mark Twain, nascido em Flórida, Missouri, em 30 de outubro de 1835, publicou dois livros que fazem parte da lista de obras essenciais da literatura mundial: As Aventuras de Tom Sawyer, de 1876, e As Aventuras de Huckleberry Finn, de 1885. No entanto, o que pouca gente sabe até hoje é que Twain foi um importante defensor dos direitos dos animais.

“De todas as criaturas, o homem é a mais detestável. De todas, somente ele possui malícia. Ele é o único que causa dor por esporte e com consciência de que isso causa dor. O fato de que o homem sabe distinguir o certo do errado prova sua superioridade intelectual em relação às outras criaturas. Mas o fato de que ele pode agir erradamente prova sua inferioridade moral em relação a toda criatura que não pode”, escreveu Twain em seu livro de ensaios What Is Man? ("O que é o homem?"), publicado em 1908.

Na obra, Twain apresenta um homem jovem e um idoso conversando sobre a natureza humana. Enquanto o mais velho, que oscila entre o pragmatismo e o pessimismo, define o ser humano como alguém que vive para si mesmo, o rapaz, como bom questionador, pede que ele se aprofunde em suas explanações, assim equilibrando a discussão. À época, o escritor decidiu lançar What Is Man? de forma anônima, até que se arrependeu de tê-lo publicado quando percebeu que a maioria dos leitores pouco se interessava pelo assunto.

Mesmo após sua morte, em 21 de abril de 1910, em Redding, Connecticut, em decorrência de um ataque cardíaco aos 74 anos, seu livro de ensaios ainda recebeu críticas inflexíveis. A maior delas talvez seja uma do New York Tribune, que o qualificou como uma obra antirreligiosa (o título What is Man? foi inspirado no Salmo 8) e sombria, mesmo ele chamando a atenção para questões de grande importância como o tratamento que os seres humanos dão aos animais.

Embora haja controvérsias sobre até que ponto Mark Twain foi vegetariano, já que há pesquisadores que afirmam que ele consumia alimentos de origem animal, a verdade é que é difícil crer que um escritor não vegetariano seja capaz de escrever passagens como a que se segue, revelando grande remorso após atirar em um passarinho na infância.

“Atirei em um pássaro sentado em uma árvore alta, com a cabeça inclinada para trás e derramando uma grata canção de seu inocente coração. Ele tombou de seu galho e veio flutuando flácido e desamparado até cair aos meus pés. Sua música foi extinta, assim como sua inocente vida. Eu não precisava ter feito isso com aquela criatura inofensiva. Eu a destruí desenfreadamente e senti tudo o que um assassino sente, de tristeza e remorso quando chega em casa e percebe o quanto desejaria desfazer o que estava feito, ter suas mãos e sua alma limpa outra vez, sem acusar sangue”, relata Mark Twain em texto raro que faz parte da obra póstuma Book of Animals ("Livro dos animais").

O livro mostra que Twain se preocupava muito com o bem-estar animal. Inclusive, de acordo com informações biográficas, seu tom de voz suavizava ao falar de algum animal, ao contrário do que acontecia quando o assunto era a humanidade.


“Não estou interessado em saber se a vivissecção produz ou não resultados rentáveis para a raça humana. Saber que é um método rentável não reduz minha hostilidade em relação a isso. As dores infligidas aos animais sem o consentimento deles é a base da minha oposição. Os vivisseccionistas têm em sua posse uma droga chamada curare, que impede o animal de lutar ou chorar. É um recurso horrível sem qualquer efeito anestésico. Muito pelo contrário, intensifica a sensibilidade à dor. Incapaz de fazer qualquer sinal, o animal é mantido perfeitamente consciente enquanto seu sofrimento é duplicado”, argumenta Twain em carta enviada para a London Anti-Vivisection Society (Sociedade Londrina Antivivissecção), em 26 de maio de 1899.

E a inspiração do escritor para se tornar um protetor dos animais veio de sua mãe, Jane Lampton Clemens, que mantinha a casa cheia de gatos, alguns com nomes curiosos como Blatherskite (Fanfarrão) e Belchazar. “Uma vez, ela repreendeu um homem na rua porque ele estava batendo em seu cavalo”, revela a editora Shelley Fisher Fishkin no prefácio do livro.

Entre suas histórias mais célebres, e que destaca com clareza sua sensível perspectiva em relação aos animais, está Jim Smiley and his Jumping Frog ("Jim Smiley e seu sapo pulante"), que conta a história de um apostador que tem uma rara habilidade de cativar os animais.

“De 1899 a 1910, ele emprestou sua caneta para reforçar os esforços dos dois lados do Atlântico, sendo o porta-voz do movimento pelo bem-estar animal. O que ajudou muito foi o fato de que ele era o mais famoso escritor norte-americano da época”, declara a pesquisadora Shelley Fishkin, PhD em estudos norte-americanos pela Universidade Yale. Outro fato intrigante é que Mark Twain terminou sua carreira literária da mesma forma que a iniciou – escrevendo sobre animais. Após seu falecimento, sua família descobriu que ele havia deixado inúmeras obras inéditas, principalmente contos sobre distintas figuras animalescas capazes de povoar o ideário popular por dezenas de gerações.

Referências

- Mark Twain’s Book of Animals. Shelley Fisher Fishkin. University of California Press (2011)

- R. LeMaster, James Darrell Wilson, Christie Graves Hamric.The Mark Twain Encyclopedia. Taylor & Francis (1993)

- Twain, Mark. The Celebrated Jumping Frog of Calaveras County. University of California Press (2011)

- Twain, Mark. What Is Man? CreateSpace Independent Publishing Platform (2011)

- Kirk, Connie Ann. Mark Twain – A Biography. Connecticut: Greenwood Printing (2004)


Fotos: Reprodução

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