A confusão do carnismo – resposta ao artigo que afirma que veganos matam mais animais



Por Fabio Chaves*

Um artigo de 2015 ganhou novamente as redes sociais e tem sido munição para quem quer continuar comendo carne, os chamados carnistas, com a consciência leve.

Intitulado "A confusão do veganismo", o artigo escrito pelo argentino Claudio Bertonatti tem linguagem polida e deixa transparecer um conhecimento de causa que, na verdade, não existe. Bertonatti é museólogo, professor, ex-funcionário de um zoológico e um autointitulado ambientalista preocupado com a vida selvagem.

O curioso é que Bertonatti publicou originalmente seu artigo no site Noticias Agropecuarias (veja aqui, em espanhol e em imagem, para não gerar audiência), um portal de números e textos da indústria da carne. Um famoso portal brasileiro mantido pela cadeia produtiva da carne (BeefPoint) traduziu e publicou o artigo (veja aqui – em imagem, para não gerar audiência).

O que de fato fica claro no texto é que ele simplesmente ignora informações oficiais de instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU), para apresentar afirmações baseadas inteiramente em sua opinião pessoal. O mais espantoso sobre esse caso é o número de pessoas que usa um texto tão vazio para acusar veganos como se realmente fosse uma grande obra literária.

Em seu artigo, Bertonatti diz que a agricultura é a grande causadora da morte de animais e que gera mais sofrimento do que a pecuária. Ele começa da premissa de que não há como produzir alimento, seja ele vegetal ou animal, sem causar alguma morte. De fato, é uma verdade, mas vamos ver nas linhas a seguir como isso não pode ser usado como motivo para desmerecer a luta dos veganos.

Bertonatti afirma que é um ex-vegetariano e que decidiu voltar a comer carne porque percebeu que as plantações de vegetais têm menos biodiversidade do que os pastos de criação de bovinos. Será possível que a natureza é tão diferente na Argentina? No Brasil, é óbvio que os imensos campos abertos em locais como a Amazônia são como desertos para a vida selvagem. O Brasil tem mais de 200 milhões de bois e para cada um deles a média de terreno necessário é de 1 hectare, ou seja, 10 mil m². Toneladas de alimentos de origem vegetal como batatas, tomates e hortaliças podem ser produzidas no lugar onde apenas um boi ocupa durante os quatro anos de sua vida até o abate.

O argentino acusa as monoculturas de causar danos ao meio ambiente e de, por consequência, matar animais. Esperto, ele usa a monocultura do arroz como exemplo. Ele falou sobre arroz porque a monocultura da soja, como sabemos, é destinada principalmente à pecuária. De fato, plantações com uma só espécie em grandes terrenos é prejudicial ao ambiente. Mas a solução seria comer carne? Quem come carne por acaso deixa de comer arroz por preocupação com o planeta?

É óbvio que a solução está em buscar alimentos orgânicos de produtores locais sempre que possível, e não voltar a comer carne. O autor tenta claramente justificar sua falta de capacidade de se manter vegetariano com argumentos que beiram o ridículo. É um ex-vegetariano frustrado.

Em outro momento, Bertonatti apela para o lado emocional do leitor e diz que os agricultores matam animais selvagens que tentam invadir suas plantações com veneno e até com tiros. Sim, isso acontece, mas é principalmente nos locais onde deveria haver floresta e há campos para plantação de monoculturas.

Mas para que precisamos de tanta terra cultivando monoculturas como soja, milho, sorgo e outros? A resposta é que nós não precisamos. Essa quantidade incontável de toneladas de grãos é destinada a animais criados em regime intensivo principalmente na Europa e na Ásia. Em outras palavras, os porcos, frangos e bois criados em pequenos espaços precisam comer para engordar e serem mortos. Esses grãos saem de monoculturas criticadas por Bertonatti. Mesmo os animais criados em regime extensivo, comendo pasto, precisam de ração para complementar sua dieta de engorda. Na Argentina, pode ser diferente, mas aqui no Brasil há centenas de casos de pecuaristas caçando onças e outros animais selvagens que ameaçam seu gado. Portanto o problema da caça de animais em fazendas não é uma exclusividade da agricultura.

Ano após ano, os cientistas especializados em meio ambiente da ONU afirmam que a produção de produtos de origem animal como carnes, laticínios e ovos é prejudicial para o planeta e que a mudança para uma alimentação vegana seria ótimo para preservar o meio ambiente (relembre aqui). Um especialista da ONU sugere até que a carne deveria receber taxas por degradar o meio ambiente (relembre aqui). Ainda assim, Bertonatti acredita que se a população mundial aderir ao veganismo será um desastre para a natureza - e, ao que parece, muita gente acreditou nele.

Lamentamos ter de usar um tempo precioso para escrever sobre um texto tão raso como o de Bertonatti, mas muitos leitores nos pediram um posicionamento porque estão sendo atacados com o link do artigo de Bertonatti nas redes sociais. Isso só nos faz concluir que ainda há muito a ser feito para que as pessoas que comem carne tenham ao menos um filtro que as impeça de usar um texto assim como argumento na discussão sobre o veganismo.

*Fonte: Vista-se

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