Posicionamento da Associação Natureza em Forma sobre a lei que proíbe alimentar pombos


Acima: Grace Kelly e Tom Tom, resgatados de maus-tratos 
e atualmente para adoção na ONG. Abaixo: Carequinha, que foi reabilitado 
e solto, mas vem sempre nos visitar em busca de comida 
(Fotos: Associação Natureza em Forma)


Por Paulo Furstenau e Lito Fernandez*

Quem alimentar pombos de rua em São Paulo agora será multado em R$ 200. A lei, de autoria do vereador Gilberto Natalini (PV) e sancionada pelo prefeito Bruno Covas (PSDB), foi publicada na última quinta-feira (7/6/2018) no Diário Oficial de São Paulo e deve ser regulamentada pelo Executivo nos próximos três meses.

O argumento usado para essa lei se baseia na velha crença de que pombos transmitem doenças. A Folha de S. Paulo fez uma matéria totalmente parcial, favorável ao tema, mas a própria declaração da fonte ouvida pelo jornal mostra o absurdo dessa perseguição a um animal inocente.

“Inalar os fungos contidos nas fezes secas do animal pode provocar doenças pulmonares e até meningite”, disse um infectologista. Ou seja, para um humano ser infectado, ele precisa cheirar as fezes do animal. O mesmo vale para toxoplasmose, criptococose e histoplasmose. Piolhos de pombos – também encontrados em outras aves –, mesmo que eventualmente passem para humanos, não sobrevivem mais que algumas horas, pelo simples fato de que humanos não têm penas para alimentar os piolhos. E “doença do pombo” é algo que simplesmente não existe, trata-se de uma lenda urbana. 

Repudiamos veementemente não apenas essa lei, que reforça a intolerância contra um animal que já sofre tantos maus-tratos por pura ignorância humana, mas também o fato de ela vir de um político do Partido Verde, que supostamente defende o meio ambiente. Natalini chegou a declarar que o pombo pode transmitir até 70 doenças. E, pior ainda, toda essa crença é alimentada por instrução normativa do Ibama, que considera os pombos pragas urbanas. O Ibama é um órgão que igualmente deveria zelar pelo meio ambiente, e não atacá-lo. 

O poder público – especialmente uma entidade como o Ibama e um partido como o PV – deveria assumir os animais, e não fazer campanhas contra eles. Pombos podem ficar doentes como qualquer animal, e uma superpopulação dessas aves aumenta o risco de contágio de doenças entre elas mesmas – a tal propalada transmissão para humanos é extremamente pouco provável de acontecer. 

O controle populacional por inanição (deixar os pombos morrerem de fome) é cruel, ignorante e criminoso. A Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) criminaliza os maus-tratos contra todos os animais, sem distinção. A ONG SOS Aves & Cia. lembra que uma lei municipal não pode estar acima de uma lei federal. Deixar um pombo morrer por fome ou sede é crime em qualquer cidade do Brasil. A ONG está protocolando uma denúncia no Ministério Público de São Paulo para que um inquérito seja instaurado para anular essa lei. 

Uma caça às bruxas semelhante ao nazismo. Agora os políticos querem fazer a população acreditar que os responsáveis pelas doenças urbanas são os pombos, e não a falta de políticas públicas de saúde para os humanos, e essas aves “culpadas” é que devem ser punidas. Era só o que faltava. Na verdade, os responsáveis pelo adoecimento da população são os políticos. Os pombos são apenas outras vítimas, da falta de políticas públicas de proteção aos animais – pombos e outros. 

O controle populacional de pombos deve ser feito, mas de forma ética, por meio da substituição dos ovos das pombas por ovos falsos – dessa forma, as pombas têm um local seguro para fazer seus ninhos e são inseridas na sociedade, e não deixadas para morrer de fome. E tendo esses poleiros para ficar, os pombos deixam livres os monumentos da cidade, outra queixa dos políticos, além de terem alimento saudável disponível, e não lixo, melhorando, portanto, sua saúde. 

A instalação de pombais em praças, parques e outros espaços públicos ocorre em diversas cidades do mundo – a experiência de manejo na Praça San Marco, em Veneza, na Itália, é exemplar. Lá, os pombos são alimentados e controlados, sendo atração turística (e livres, vale lembrar, ao contrário de atrações turísticas que aprisionam os animais). Nós, da Natureza em Forma, em reunião com a administração do Parque da Água Branca, já sugerimos a colocação de pombais para os pombos e ninhos para as galinhas, para conter o aumento populacional dessas aves no local. 

Em nosso Centro de Adoção, recebemos pombos salvos de diversas situações de maus-tratos, feridos por pura maldade, como chutes, atropelamentos e envenenamento. Nós os reabilitamos e soltamos, como deve ser feito com qualquer ave após um trabalho de reabilitação. Aqueles que não puderem mais voar devido a asa quebrada, por exemplo, colocamos para adoção como qualquer outro animal da ONG, como cães, gatos, coelhos, chinchilas, porquinhos-da-índia, camundongos, twisters, gerbis, galos/galinhas e porcos. 

Excluir os pombos é como excluir o ser humano que está à margem. Eles são merecedores de fazer parte da natureza e da sociedade tanto quanto qualquer um de nós. 

*Paulo Furstenau é jornalista voluntário e Lito Fernandez é presidente da Associação Natureza em Forma

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