Exposição com corujas vivas foi apenas uma amostra de toda
a tirania humana em relação aos animais (Foto: Paulo Toledo Piza / G1)
Por Paulo Furstenau e Lito Fernandez*
FATO
Quatro corujas estavam sendo usadas para humanos manusearem e tirarem fotografias na exposição Casa dos Bruxos, em homenagem ao personagem literário e cinematográfico Harry Potter, localizada no Shopping Eldorado, na cidade de São Paulo, e inaugurada em 18 de fevereiro [2018].
Em 28 de fevereiro, a ativista Luisa Mell escreve em seu Instagram: "Estou em choque! Quando uma seguidora me escreveu contando que na exposição Casa dos Bruxos do Shopping Eldorado tinha corujas amarradas pelas patas para tirarem fotos, não acreditei! Mas acabei de ligar no Shopping e a atendente me confirmou que elas ficam das 10 da manhã até as 10 da noite todos os dias (menos segunda), amarradas para tirarem fotos!! Isso é crime! Isso é crueldade! Vamos exigir que o Shopping pare imediatamente, amigos? Telefone: (011) 2197-7800; por aqui [Instagram]: @shoppingeldorado. Quem será que tem uma ideia tão imbecil como essa???!!? Amarrar um animal silvestre pela pata em um shopping para tirarem foto?!? Não me conformo com a imbecilidade humana! Juro!".
Com a repercussão da postagem, as corujas foram retiradas da exposição no mesmo dia. Horas depois, a Polícia Militar Ambiental de São Paulo, que retirou as corujas, escreveu em seu Facebook: "Apesar de as quatro corujas que integravam a exposição do Harry Potter terem sido retiradas da mostra no Shopping Eldorado, zona oeste de São Paulo, os responsáveis foram localizados e autuados por crime ambiental. A autuação aconteceu nesta quarta-feira, dia 28, após receber denúncia via rede social; o Policiamento Ambiental compareceu no local e autuou os responsáveis em R$ 10 mil reais. Os responsáveis pela exposição responderão em liberdade por explorar animais silvestres comercialmente sem as licenças ambientais dos órgãos competentes. Para denunciar, acesse: bit.ly/DenuncieAmbiental".
ARGUMENTOS
Na mesma noite, o Shopping Eldorado publicou em seu Facebook a seguinte nota: "Informamos que o Shopping Eldorado, após apuração da denúncia dos maus-tratos com animais pelo responsável da exposição Casa dos Bruxos, suspendeu a participação de corujas no evento e se comprometeu em aumentar a rigidez de sua fiscalização em eventos próprios ou de terceiros nas dependências do Shopping. Reforçamos ainda que o Eldorado não autoriza ou apoia qualquer tipo de exploração animal, conduta que não condiz com os valores praticados pela empresa".
Em entrevista ao G1, o treinador das corujas, Wagner Ávila, afirmou que o que envolvia as patas dos animais é chamado de equipamento de atrelaria, material que faz parte de um método técnico normalmente usado em atividades de falcoaria. Isso, portanto, não configuraria maus-tratos, segundo ele.
Ele afirmou que todos os animais da empresa responsável pelas corujas da exposição eram certificados pelo Ibama. Ainda segundo ele, a inclusão das aves na exposição tinha o objetivo de conscientização, já que depois do lançamento do filme Harry Potter, tema da exposição, muitas pessoas adotaram corujas que logo depois abandonaram.
"Nossa participação nesse evento é uma interferência. Estamos lá para falar para as pessoas não comprarem corujas, porque elas não interagem. Na exposição, elas ficam em sua situação natural, dormindo", alegou Ávila na ocasião. De acordo com ele, duas das seis corujas que ele treina e cuida foram doadas por pessoas que desistiram dos animais e deixaram de ser agressivas depois de receberem tratamento adequado.
"Todas as nossas aves voam e têm asas inteiras. Essa espécie [da exposição] é naturalmente adaptada ao meio urbano. Todas as aves são usadas para nossas aulas de educação ambiental", concluiu sua explicação ao G1.
NOSSA POSIÇÃO
É claro que o shopping ia se esquivar, se fazer de desentendido e soltar uma nota burocrática como a que soltou. Mas nós chamamos aqui a atenção para um detalhe do texto, quando o Shopping Eldorado afirma que "não autoriza ou apoia qualquer tipo de exploração animal". E quanto à praça de alimentação deles? Não vende diariamente carnes e secreções (laticínios, ovos, mel) de diversos animais? E suas lojas não vendem roupas e acessórios de couro, lã, seda etc.? Isso também é apoiar exploração animal.
Quanto aos argumentos do "criador" das corujas, em primeiro lugar, quando ele falou ao G1, ainda não havia sido multado pela Polícia Militar Ambiental, e deu a entender que tinha autorização para alugar os animais para o shopping, o que logo se provou falso (a autorização para expor é diferente da autorização para criar). Vamos explicar resumidamente como funciona isso: o Ibama concede diversos tipos de licença para criação de animais silvestres. Uma delas é para criação conservacionista, para aquele criador que acolhe animais feridos (por maus-tratos de tráfico de animais, acidentes etc.), trabalha em sua recuperação e reintroduz na natureza - ele pode até reproduzir em cativeiro, mas o objetivo final é libertar na natureza. Outro tipo de licença é para criação comercial. Seja qual for o tipo de criação, a certificação é concedida se o criador mostrar que tem um ambiente adequado como sítio ou viveiro, com um tamanho mínimo, entre outras condições.
Mas nós lembramos sempre: animal silvestre não é pet! Uma coisa é criar animais silvestres com o propósito de introduzi-los ou reintroduzi-los na natureza; outra bem diferente é criar com o objetivo de lucrar em cima dos bichos. Situação duplamente grave: manter animais silvestres fora de seu habitat e comercializar vidas. E mais grave ainda é um órgão oficial do governo federal, que deveria zelar pelo meio ambiente, chancelar essas práticas, em vez de proibi-las.
Além de o criador ter mentido sobre a autorização para expor os animais e ter sido punido por isso, sua alegação é um disparate, pois as corujas têm hábitos noturnos, e no horário em que deveriam estar dormindo, foram colocadas para serem manuseadas por centenas de pessoas (lembramos que o horário da exposição era das 10 da manhã às 10 da noite). "Na exposição, elas ficam em sua situação natural, dormindo", ele disse. Mas não é o que se vê na foto que abre esta postagem. A coruja está acordada, durante seu horário de sono natural, e no braço de uma pessoa. Que espécies de "conscientização" e "educação ambiental" são essas que ele alega promover? Se quisesse realmente conscientizar e educar as pessoas, faria isso mostrando animais livres na natureza, e quanto a "falar para as pessoas não comprarem corujas", então não compraria ele próprio quaisquer animais, muito menos para lucrar em cima deles. As corujas que ele cita que foram abandonadas deveriam ter sido soltas na natureza, e não mantidas como reféns, amansadas, para ganhar dinheiro com elas (e se estavam feridas, o certo seria reabilitar e soltar na natureza; e animais que não têm condições físicas de voltar para a natureza devem viver em santuários, sendo bem cuidados, e nunca serem expostos dessa forma).
Sobre a falcoaria citada por ele, é uma atividade que existe desde a Idade Média, que consiste em um humano - o falcoeiro - treinar uma ave de rapina (gavião, águia, coruja etc.), com o objetivo de caça "esportiva" (para nós, caça nunca foi nem nunca será esporte). Com o passar do tempo, a falcoaria passou a ser usada também para controle de "pragas" (invasão de ratos e aves a plantações, por exemplo), controle de fauna (por exemplo, em aeroportos, onde ocorrem acidentes com pombos e outras aves que se chocam contra os aviões, causando acidentes) e até mesmo conservação de espécies, por meio da reabilitação de aves feridas e sua reintrodução na natureza.
Somos a favor da falcoaria somente com esse objetivo: reabilitação e introdução ou reintrodução de aves na natureza. No mais, pode ser considerada patrimônio cultural imaterial da humanidade pela Unesco (título concedido em 2010), pode ser considerada um esporte ou o que quer que seja, mas nós só vemos uma coisa: exploração.
As aves de rapina, que instintivamente caçam seus alimentos na natureza, são condicionadas pelos humanos a literalmente comerem em suas mãos. Passam por treinamentos como se fossem soldados, e, em seu horário de "descanso", o costume é que fiquem presas em locais chamados eufemisticamente de "recintos", que nada mais são do que viveiros - outra prisão são os poleiros, onde elas ficam com as patas amarradas por argolas (como aquelas que prendiam as corujas no shopping). Alguns falcoeiros argumentam que a ave é livre e não perde seu comportamento natural, que ela voa livremente para caçar e retorna não porque se domesticou, mas por uma relação de conveniência com o falcoeiro, pois ela sabe que ele a alimenta. Ou seja, perdeu, sim, seu comportamento natural. Cabe lembrar ainda que as aves usadas na falcoaria não são retiradas da natureza, pois isso é proibido, e sim compradas legalmente e certificadas. Certificadas por quem? Sim, pelo respectivo órgão "responsável", que jamais deveria permitir comercialização da fauna, e sim apenas sua reabilitação e introdução ou reintrodução na natureza.
Em relação aos falcoeiros que praticam essa atividade como hobby, não temos outra coisa a dizer a não ser sugerir que vão jogar uma pelada com os amigos ou colecionar selos: animais não são hobby; animais silvestres não são pet!! Muitas dessas pessoas usam essas aves porque consideram a falcoaria uma atividade "nobre", que lhes confere símbolo de status, afinal, membros da nobreza, até reis, são ou foram adeptos dessa prática. Egocentrismo e vaidade deploráveis.
Sobre o uso como controle de "praga", lembramos, em primeiro lugar: os animais já estavam ali, na natureza, sua casa, antes do ser humano. Quem chegou derrubando tudo, construindo coisa e mudando tudo foi o bicho-homem. O ser humano é a praga dos animais e da natureza, o ser humano é a verdadeira praga. O ar quase irrespirável de diversas cidades no mundo, o buraco na camada de ozônio por conta de tanta poluição, os verdadeiros oceanos de plástico em todo o planeta, e todo o lixo que vemos em toda a parte, em ambientes aquáticos (não só mares, mas também rios e lagos) e terrestres, entre tantas outras calamidades, quem provoca tudo isso? Os animais? Quem é a praga aqui neste planeta? As "pragas" a que os humanos se referem ocorrem principalmente por culpa do próprio ser humano, seja (no mínimo) no descuido de um correto armazenamento de alimentos, seja na destruição de habitats dos animais, que ficam sem alimento e acabam invadindo plantações. Alguns ratos ou aves se alimentarem de alimentos nas próprias plantações é algo perfeitamente normal (e qual o problema de eles se servirem um pouco da sua plantação, bicho-homem?), mas se a situação se tornou uma "praga", com muitos animais comendo toda uma lavoura, certamente aí tem o dedo do homem, que desde sempre causa desequilíbrios ecológicos.
Sobre o controle de fauna em aeroportos, por exemplo, foi o ser humano que invadiu aquele território para construir uma pista de aviões (grandes exemplos disso são os dois aeroportos do Rio de Janeiro, próximos do mar e da mata atlântica). E há falcoeiros que se referem ao controle de fauna como controle de "praga" também, ou seja, pombos, garças, biguás e outras aves são "pragas" simplesmente porque estão ali em seus lares invadidos vivendo suas vidas, se reproduzindo, mas estão no caminho do ser humano (o verdadeiro invasor de seus lares). Para o ser humano, é assim: tem muito bicho, está atrapalhando, então é "praga" e tem que ser destruído ou, no mínimo, removido. Em primeiro lugar, o ser humano, supostamente racional, é que deveria pensar em como seu "progresso" vai afetar o ambiente onde seus empreendimentos estão sendo iniciados e como conviver harmonicamente com aqueles seres que lá vivem - o que significa, primeiramente, não destruir os habitats, as moradias desses animais.
E seja como for, em ambas as situações - controles de "praga" e de fauna -, as aves de rapina soltas na natureza já são os predadores naturais desses animais, e não precisam de um ser humano lhes treinando para fazer algo que já fazem naturalmente. Isso, para nós, é apenas mais uma demonstração da prepotência do humano em se achar no direito de controlar tudo - especialmente os animais, que considera inferiores -, além da ganância, afinal, falcoeiros ganham dinheiro com essa atividade. Para nós, repetimos, a falcoaria só se justifica com o propósito de reabilitação e introdução ou reintrodução na natureza. No mais, qualquer atividade em que haja um animal e um ser humano ganhando dinheiro com ele, tem apenas um nome: exploração. Simples assim.
Na página do Facebook da empresa que alugou as corujas para a exposição no shopping, eles se dizem uma "agência especializada em treinamento de animais para fotos, produções e eventos". Falcoeiros lucram em cima de animais em uma atividade legalizada (que não deveria ser, mas é) de suposto controle ambiental, mas é algo que esses bichos já realizam naturalmente, "apenas" prendendo-os e controlando-os para isso. Porém alguns seres humanos vão além, e usam essas vidas aprisionadas também em "fotos, produções e eventos". Qual o argumento aqui em prol de um serviço supostamente útil para a sociedade (humana)? Sim, nenhum. Mas, ainda assim, igualmente legalizado. Mais uma vez lembramos: animais não são escravos! Lugar de animal silvestre é livre na natureza!! E reforçamos que locais e atividades de exploração como esses JAMAIS deveriam ser autorizados e considerados legais pelos órgãos "competentes", e sim proibidos!
Leia aqui uma matéria sobre uma situação semelhante ocorrida ano passado nos EUA, envolvendo a atriz Sofia Vergara, que interpreta a personagem Gloria na série Modern Family. Ela alugou araras de uma empresa de aluguel de animais também para eventos e as "usou" em uma festa, onde ficaram amarradas pelas patas e passando de mão em mão entre os convidados. Com a repercussão negativa do caso, Sofia se justificou com o mesmo argumento cínico usado pelo dono da "agência das corujas", de que o objetivo da exploração é conscientizar (que a atriz certamente ouviu de seu prestador de serviços e acreditou - ou quis acreditar, para sua conveniência - nele).
Repetimos mais uma vez: lugar de animal silvestre é livre na natureza. Leia também a matéria Animais selvagens usados em selfies morrem em poucos meses, revela estudo, que mostra o mal que esse tipo de exploração faz para os animais. Já Instagram se junta à campanha da organização Proteção Animal Mundial contra selfies cruéis anuncia o começo de uma possível conscientização sobre o tema.
Para você não se iludir quando vir um animal silvestre junto de um humano ganhando dinheiro com ele, leia: O "rato" que não é rato e a cegueira que é típica dos humanos. (Sempre que houver um animal silvestre ou selvagem junto de um humano ganhando dinheiro com ele, saiba que é exploração e há maus-tratos - na "melhor" das hipóteses, como no caso da falcoaria, há privação de liberdade e dominação.) E aqui você pode conhecer outros tipos de "atrações" que exploram animais - e só existem porque pessoas desinformadas ou insensíveis pagam por isso.
Por fim, a matéria Aquário futurista sem animais reais é inaugurado em Nova Iorque mostra uma excelente solução para quem acha que prisões de animais como zoológicos e aquários sejam locais de aprendizado. É possível conhecê-los sem aprisioná-los, e vê-los como são na natureza, afinal, quando confinados, eles não se comportam naturalmente, então o tal aprendizado nem ocorre. Que esse projeto se multiplique por todo o mundo, com aquários e também zoológicos em 3D, enterrando de vez esses lugares - e essas práticas como a vista no Shopping Eldorado - de horror.
Quatro corujas estavam sendo usadas para humanos manusearem e tirarem fotografias na exposição Casa dos Bruxos, em homenagem ao personagem literário e cinematográfico Harry Potter, localizada no Shopping Eldorado, na cidade de São Paulo, e inaugurada em 18 de fevereiro [2018].
Em 28 de fevereiro, a ativista Luisa Mell escreve em seu Instagram: "Estou em choque! Quando uma seguidora me escreveu contando que na exposição Casa dos Bruxos do Shopping Eldorado tinha corujas amarradas pelas patas para tirarem fotos, não acreditei! Mas acabei de ligar no Shopping e a atendente me confirmou que elas ficam das 10 da manhã até as 10 da noite todos os dias (menos segunda), amarradas para tirarem fotos!! Isso é crime! Isso é crueldade! Vamos exigir que o Shopping pare imediatamente, amigos? Telefone: (011) 2197-7800; por aqui [Instagram]: @shoppingeldorado. Quem será que tem uma ideia tão imbecil como essa???!!? Amarrar um animal silvestre pela pata em um shopping para tirarem foto?!? Não me conformo com a imbecilidade humana! Juro!".
Com a repercussão da postagem, as corujas foram retiradas da exposição no mesmo dia. Horas depois, a Polícia Militar Ambiental de São Paulo, que retirou as corujas, escreveu em seu Facebook: "Apesar de as quatro corujas que integravam a exposição do Harry Potter terem sido retiradas da mostra no Shopping Eldorado, zona oeste de São Paulo, os responsáveis foram localizados e autuados por crime ambiental. A autuação aconteceu nesta quarta-feira, dia 28, após receber denúncia via rede social; o Policiamento Ambiental compareceu no local e autuou os responsáveis em R$ 10 mil reais. Os responsáveis pela exposição responderão em liberdade por explorar animais silvestres comercialmente sem as licenças ambientais dos órgãos competentes. Para denunciar, acesse: bit.ly/DenuncieAmbiental".
ARGUMENTOS
Na mesma noite, o Shopping Eldorado publicou em seu Facebook a seguinte nota: "Informamos que o Shopping Eldorado, após apuração da denúncia dos maus-tratos com animais pelo responsável da exposição Casa dos Bruxos, suspendeu a participação de corujas no evento e se comprometeu em aumentar a rigidez de sua fiscalização em eventos próprios ou de terceiros nas dependências do Shopping. Reforçamos ainda que o Eldorado não autoriza ou apoia qualquer tipo de exploração animal, conduta que não condiz com os valores praticados pela empresa".
Em entrevista ao G1, o treinador das corujas, Wagner Ávila, afirmou que o que envolvia as patas dos animais é chamado de equipamento de atrelaria, material que faz parte de um método técnico normalmente usado em atividades de falcoaria. Isso, portanto, não configuraria maus-tratos, segundo ele.
Ele afirmou que todos os animais da empresa responsável pelas corujas da exposição eram certificados pelo Ibama. Ainda segundo ele, a inclusão das aves na exposição tinha o objetivo de conscientização, já que depois do lançamento do filme Harry Potter, tema da exposição, muitas pessoas adotaram corujas que logo depois abandonaram.
"Nossa participação nesse evento é uma interferência. Estamos lá para falar para as pessoas não comprarem corujas, porque elas não interagem. Na exposição, elas ficam em sua situação natural, dormindo", alegou Ávila na ocasião. De acordo com ele, duas das seis corujas que ele treina e cuida foram doadas por pessoas que desistiram dos animais e deixaram de ser agressivas depois de receberem tratamento adequado.
"Todas as nossas aves voam e têm asas inteiras. Essa espécie [da exposição] é naturalmente adaptada ao meio urbano. Todas as aves são usadas para nossas aulas de educação ambiental", concluiu sua explicação ao G1.
NOSSA POSIÇÃO
É claro que o shopping ia se esquivar, se fazer de desentendido e soltar uma nota burocrática como a que soltou. Mas nós chamamos aqui a atenção para um detalhe do texto, quando o Shopping Eldorado afirma que "não autoriza ou apoia qualquer tipo de exploração animal". E quanto à praça de alimentação deles? Não vende diariamente carnes e secreções (laticínios, ovos, mel) de diversos animais? E suas lojas não vendem roupas e acessórios de couro, lã, seda etc.? Isso também é apoiar exploração animal.
Quanto aos argumentos do "criador" das corujas, em primeiro lugar, quando ele falou ao G1, ainda não havia sido multado pela Polícia Militar Ambiental, e deu a entender que tinha autorização para alugar os animais para o shopping, o que logo se provou falso (a autorização para expor é diferente da autorização para criar). Vamos explicar resumidamente como funciona isso: o Ibama concede diversos tipos de licença para criação de animais silvestres. Uma delas é para criação conservacionista, para aquele criador que acolhe animais feridos (por maus-tratos de tráfico de animais, acidentes etc.), trabalha em sua recuperação e reintroduz na natureza - ele pode até reproduzir em cativeiro, mas o objetivo final é libertar na natureza. Outro tipo de licença é para criação comercial. Seja qual for o tipo de criação, a certificação é concedida se o criador mostrar que tem um ambiente adequado como sítio ou viveiro, com um tamanho mínimo, entre outras condições.
Mas nós lembramos sempre: animal silvestre não é pet! Uma coisa é criar animais silvestres com o propósito de introduzi-los ou reintroduzi-los na natureza; outra bem diferente é criar com o objetivo de lucrar em cima dos bichos. Situação duplamente grave: manter animais silvestres fora de seu habitat e comercializar vidas. E mais grave ainda é um órgão oficial do governo federal, que deveria zelar pelo meio ambiente, chancelar essas práticas, em vez de proibi-las.
Além de o criador ter mentido sobre a autorização para expor os animais e ter sido punido por isso, sua alegação é um disparate, pois as corujas têm hábitos noturnos, e no horário em que deveriam estar dormindo, foram colocadas para serem manuseadas por centenas de pessoas (lembramos que o horário da exposição era das 10 da manhã às 10 da noite). "Na exposição, elas ficam em sua situação natural, dormindo", ele disse. Mas não é o que se vê na foto que abre esta postagem. A coruja está acordada, durante seu horário de sono natural, e no braço de uma pessoa. Que espécies de "conscientização" e "educação ambiental" são essas que ele alega promover? Se quisesse realmente conscientizar e educar as pessoas, faria isso mostrando animais livres na natureza, e quanto a "falar para as pessoas não comprarem corujas", então não compraria ele próprio quaisquer animais, muito menos para lucrar em cima deles. As corujas que ele cita que foram abandonadas deveriam ter sido soltas na natureza, e não mantidas como reféns, amansadas, para ganhar dinheiro com elas (e se estavam feridas, o certo seria reabilitar e soltar na natureza; e animais que não têm condições físicas de voltar para a natureza devem viver em santuários, sendo bem cuidados, e nunca serem expostos dessa forma).
Sobre a falcoaria citada por ele, é uma atividade que existe desde a Idade Média, que consiste em um humano - o falcoeiro - treinar uma ave de rapina (gavião, águia, coruja etc.), com o objetivo de caça "esportiva" (para nós, caça nunca foi nem nunca será esporte). Com o passar do tempo, a falcoaria passou a ser usada também para controle de "pragas" (invasão de ratos e aves a plantações, por exemplo), controle de fauna (por exemplo, em aeroportos, onde ocorrem acidentes com pombos e outras aves que se chocam contra os aviões, causando acidentes) e até mesmo conservação de espécies, por meio da reabilitação de aves feridas e sua reintrodução na natureza.
Somos a favor da falcoaria somente com esse objetivo: reabilitação e introdução ou reintrodução de aves na natureza. No mais, pode ser considerada patrimônio cultural imaterial da humanidade pela Unesco (título concedido em 2010), pode ser considerada um esporte ou o que quer que seja, mas nós só vemos uma coisa: exploração.
As aves de rapina, que instintivamente caçam seus alimentos na natureza, são condicionadas pelos humanos a literalmente comerem em suas mãos. Passam por treinamentos como se fossem soldados, e, em seu horário de "descanso", o costume é que fiquem presas em locais chamados eufemisticamente de "recintos", que nada mais são do que viveiros - outra prisão são os poleiros, onde elas ficam com as patas amarradas por argolas (como aquelas que prendiam as corujas no shopping). Alguns falcoeiros argumentam que a ave é livre e não perde seu comportamento natural, que ela voa livremente para caçar e retorna não porque se domesticou, mas por uma relação de conveniência com o falcoeiro, pois ela sabe que ele a alimenta. Ou seja, perdeu, sim, seu comportamento natural. Cabe lembrar ainda que as aves usadas na falcoaria não são retiradas da natureza, pois isso é proibido, e sim compradas legalmente e certificadas. Certificadas por quem? Sim, pelo respectivo órgão "responsável", que jamais deveria permitir comercialização da fauna, e sim apenas sua reabilitação e introdução ou reintrodução na natureza.
Em relação aos falcoeiros que praticam essa atividade como hobby, não temos outra coisa a dizer a não ser sugerir que vão jogar uma pelada com os amigos ou colecionar selos: animais não são hobby; animais silvestres não são pet!! Muitas dessas pessoas usam essas aves porque consideram a falcoaria uma atividade "nobre", que lhes confere símbolo de status, afinal, membros da nobreza, até reis, são ou foram adeptos dessa prática. Egocentrismo e vaidade deploráveis.
Sobre o uso como controle de "praga", lembramos, em primeiro lugar: os animais já estavam ali, na natureza, sua casa, antes do ser humano. Quem chegou derrubando tudo, construindo coisa e mudando tudo foi o bicho-homem. O ser humano é a praga dos animais e da natureza, o ser humano é a verdadeira praga. O ar quase irrespirável de diversas cidades no mundo, o buraco na camada de ozônio por conta de tanta poluição, os verdadeiros oceanos de plástico em todo o planeta, e todo o lixo que vemos em toda a parte, em ambientes aquáticos (não só mares, mas também rios e lagos) e terrestres, entre tantas outras calamidades, quem provoca tudo isso? Os animais? Quem é a praga aqui neste planeta? As "pragas" a que os humanos se referem ocorrem principalmente por culpa do próprio ser humano, seja (no mínimo) no descuido de um correto armazenamento de alimentos, seja na destruição de habitats dos animais, que ficam sem alimento e acabam invadindo plantações. Alguns ratos ou aves se alimentarem de alimentos nas próprias plantações é algo perfeitamente normal (e qual o problema de eles se servirem um pouco da sua plantação, bicho-homem?), mas se a situação se tornou uma "praga", com muitos animais comendo toda uma lavoura, certamente aí tem o dedo do homem, que desde sempre causa desequilíbrios ecológicos.
Sobre o controle de fauna em aeroportos, por exemplo, foi o ser humano que invadiu aquele território para construir uma pista de aviões (grandes exemplos disso são os dois aeroportos do Rio de Janeiro, próximos do mar e da mata atlântica). E há falcoeiros que se referem ao controle de fauna como controle de "praga" também, ou seja, pombos, garças, biguás e outras aves são "pragas" simplesmente porque estão ali em seus lares invadidos vivendo suas vidas, se reproduzindo, mas estão no caminho do ser humano (o verdadeiro invasor de seus lares). Para o ser humano, é assim: tem muito bicho, está atrapalhando, então é "praga" e tem que ser destruído ou, no mínimo, removido. Em primeiro lugar, o ser humano, supostamente racional, é que deveria pensar em como seu "progresso" vai afetar o ambiente onde seus empreendimentos estão sendo iniciados e como conviver harmonicamente com aqueles seres que lá vivem - o que significa, primeiramente, não destruir os habitats, as moradias desses animais.
E seja como for, em ambas as situações - controles de "praga" e de fauna -, as aves de rapina soltas na natureza já são os predadores naturais desses animais, e não precisam de um ser humano lhes treinando para fazer algo que já fazem naturalmente. Isso, para nós, é apenas mais uma demonstração da prepotência do humano em se achar no direito de controlar tudo - especialmente os animais, que considera inferiores -, além da ganância, afinal, falcoeiros ganham dinheiro com essa atividade. Para nós, repetimos, a falcoaria só se justifica com o propósito de reabilitação e introdução ou reintrodução na natureza. No mais, qualquer atividade em que haja um animal e um ser humano ganhando dinheiro com ele, tem apenas um nome: exploração. Simples assim.
Na página do Facebook da empresa que alugou as corujas para a exposição no shopping, eles se dizem uma "agência especializada em treinamento de animais para fotos, produções e eventos". Falcoeiros lucram em cima de animais em uma atividade legalizada (que não deveria ser, mas é) de suposto controle ambiental, mas é algo que esses bichos já realizam naturalmente, "apenas" prendendo-os e controlando-os para isso. Porém alguns seres humanos vão além, e usam essas vidas aprisionadas também em "fotos, produções e eventos". Qual o argumento aqui em prol de um serviço supostamente útil para a sociedade (humana)? Sim, nenhum. Mas, ainda assim, igualmente legalizado. Mais uma vez lembramos: animais não são escravos! Lugar de animal silvestre é livre na natureza!! E reforçamos que locais e atividades de exploração como esses JAMAIS deveriam ser autorizados e considerados legais pelos órgãos "competentes", e sim proibidos!
Leia aqui uma matéria sobre uma situação semelhante ocorrida ano passado nos EUA, envolvendo a atriz Sofia Vergara, que interpreta a personagem Gloria na série Modern Family. Ela alugou araras de uma empresa de aluguel de animais também para eventos e as "usou" em uma festa, onde ficaram amarradas pelas patas e passando de mão em mão entre os convidados. Com a repercussão negativa do caso, Sofia se justificou com o mesmo argumento cínico usado pelo dono da "agência das corujas", de que o objetivo da exploração é conscientizar (que a atriz certamente ouviu de seu prestador de serviços e acreditou - ou quis acreditar, para sua conveniência - nele).
Repetimos mais uma vez: lugar de animal silvestre é livre na natureza. Leia também a matéria Animais selvagens usados em selfies morrem em poucos meses, revela estudo, que mostra o mal que esse tipo de exploração faz para os animais. Já Instagram se junta à campanha da organização Proteção Animal Mundial contra selfies cruéis anuncia o começo de uma possível conscientização sobre o tema.
Para você não se iludir quando vir um animal silvestre junto de um humano ganhando dinheiro com ele, leia: O "rato" que não é rato e a cegueira que é típica dos humanos. (Sempre que houver um animal silvestre ou selvagem junto de um humano ganhando dinheiro com ele, saiba que é exploração e há maus-tratos - na "melhor" das hipóteses, como no caso da falcoaria, há privação de liberdade e dominação.) E aqui você pode conhecer outros tipos de "atrações" que exploram animais - e só existem porque pessoas desinformadas ou insensíveis pagam por isso.
Por fim, a matéria Aquário futurista sem animais reais é inaugurado em Nova Iorque mostra uma excelente solução para quem acha que prisões de animais como zoológicos e aquários sejam locais de aprendizado. É possível conhecê-los sem aprisioná-los, e vê-los como são na natureza, afinal, quando confinados, eles não se comportam naturalmente, então o tal aprendizado nem ocorre. Que esse projeto se multiplique por todo o mundo, com aquários e também zoológicos em 3D, enterrando de vez esses lugares - e essas práticas como a vista no Shopping Eldorado - de horror.
*Paulo Furstenau é jornalista voluntário e Lito Fernandez é presidente da Associação Natureza em Forma
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