James Cromwell: “Não temos o direito de usurpar o destino de qualquer ser senciente”

"Fazer o filme Babe abriu meus olhos para a inteligência e personalidade curiosa dos porcos" 
(Foto: Divulgação)


O ator e produtor norte-americano James Cromwell, mais conhecido como o fazendeiro Arthur Hoggett, do filme Babe - O Porquinho Atrapalhado (Babe, 1995), que, a partir da história de um porquinho, fez muita gente se questionar sobre a forma como nos relacionamos com os animais, se tornou vegetariano em 1975 e vegano em 1995. Em entrevista ao TakePart em 27 de dezembro de 2011, ele explicou que a experiência ao trabalhar com muitos animais o levou a aderir ao veganismo.

“Fazer o filme Babe abriu meus olhos para a inteligência e personalidade curiosa dos porcos. Eles possuem uma incrível capacidade de amar, sentir alegria e tristeza, o que os torna muito semelhantes aos nossos amigos caninos e felinos”, disse. Quando fez o papel de Hoggett, ele percebeu que estava interpretando um homem com a capacidade de ver os animais como seres sencientes, como se fosse seu próprio destino tornar-se vegano. A aspiração do fazendeiro foi partilhada pelo próprio ator, que teve a oportunidade de encarar de frente os fatos que o levaram a uma nova transição.

Em entrevista a Mike Pearl, da Vice, em 6 de agosto de 2015, ele contou que na última cena de Babe, quando ocorre uma competição de suínos, um porquinho foi colocado em um grande campo, e ficou lá observando o céu azul, a grama verde e o mar. Foi como se o suíno dissesse “não quero nada disso. Vou cair fora”, e saiu correndo. Um monte de homens o seguiu para capturá-lo. Como testemunha, Cromwell riu e aprovou a ação do porquinho, não imaginada pela produção.

Para o ator veterano, que começou a carreira em 1974, Babe é um filme sobre o que fazemos com os outros para nos classificar, para colocar animais não humanos em categorias que assegurem nosso senso de direito, posição e poder. “O porquinho questiona isso e encontra uma consciência receptiva do fazendeiro Hoggett”, argumentou à Vice. Porém nem todo mundo entendeu isso, tanto que Babe acabou sendo banalizado como um filme para crianças, segundo Cromwell. De acordo com o ator, se você sente que as pessoas precisam entender o que existe de errado em relação à cultura em que estão inseridas, e isso desnecessariamente custa a vida dos animais, é preciso mostrar o que elas não querem ver, já que nem sempre as pessoas são tocadas por uma abordagem mais sutil.

No filme Babe, um dos momentos de revelação surge quando o fazendeiro Hoggett encontra suas ovelhas mortas. Sua reação instantânea é pegar a espingarda e se preparar para atirar em Babe. No entanto, como se já imaginasse que estivesse cometendo um equívoco, ele não atira, provavelmente porque já não vê mais o porquinho como antes, despertando para um novo princípio de empatia. “Ele tem a oportunidade de reajustar sua perspectiva e aprender alguma coisa. Se você se permitir, podemos chegar à mesma conclusão, porque não temos o direito de usurpar o destino de qualquer ser senciente para beneficiar nossas próprias necessidades e interesses”, declarou James Cromwell a Mike Pearl.

A transição do ator para o vegetarianismo ocorreu em 1975, logo depois que ele percorreu o Texas de moto e observou como viviam os animais em confinamento. “Isso é realmente uma porcaria. Não posso fazer parte disso”, refletiu à época. Depois que retornou da Austrália, após a finalização de Babe, Cromwell se viu na obrigação de fazer algo pelos direitos dos animais. Ele então se envolveu com a organização Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais (PETA) e iniciou uma jornada de campanhas em favor dos animais.

Ele atuou no resgate de muitos animais, narrou documentários sobre a exploração animal, incluindo Da Fazenda ao Frigorífico (Farm to Fridge, 2011), da organização Mercy for Animals, e ajudou santuários. Na visão de Cromwell, negar a um animal o direito à vida e à autodeterminação é uma agressão contra o planeta e todos os seres sencientes. Para o ator, o veganismo é a melhor forma de ajudar os animais. Contudo ele sugere que quem tem dificuldades ou receio em fazer a transição comece diminuindo os ingredientes de origem animal em uma refeição por dia, depois aumentando para um dia da semana. Mais tarde, uma semana, um mês… até adotar definitivamente essa filosofia de vida. Trabalhe seu caminho para não consumir animais e produtos animais. Informe-se. É muito fácil. Esse processo começa com a sua consciência”, ponderou ao TakePart.

Para Cromwell, ninguém possui outra criatura, 
e sim toma conta (Foto: Star Max Inc.)


O ator considera equivocado o uso de palavras e termos como 'to own' ('possuir') e 'pet' ('animal de estimação') em referência aos animais que mais convivem com os humanos, porque, em sua perspectiva, ninguém pode possuir outra criatura. Ele justificou que esse conceito foi desenvolvido nos séculos 15 e 16 na Inglaterra, e provavelmente em outros lugares onde pessoas e animais foram expulsos de suas terras para que outros pudessem criar e normatizar uma estrutura de comércio e preços para tudo, inclusive vidas.

James Cromwell falou ao TakePart que qualificar os animais como simplesmente de estimação tem uma conotação de que somos superiores e eles são inferiores, dando a ideia de que devem se submeter a nós. “Estamos aqui para tomar conta deles porque eles não podem tomar conta de si mesmos. São animais de companhia. Tenho usado o veganismo como uma maneira de tentar elevar o nível de conscientização sobre o sistema vigente. Temos fazendas industriais e bilhões de animais são mortos nesses lugares”, queixou-se. O que facilita a naturalização disso tudo é que é muito fácil consumir alimentos de origem animal de forma inconsciente, ou seja, quando não se tem contato com o sistema de produção.

Outra preocupação de Cromwell são os cavalos de corrida que são enviados aos matadouros do Canadá e do México quando não geram mais lucros aos seus “donos”. Por causa disso, o ator começou a se empenhar na criação de projetos de fundo de aposentadoria para esses animais que geraram tantos lucros aos seres humanos, o que permite que eles se aposentem e vivam seus últimos anos de vida em santuários, em vez de serem abatidos e reduzidos a carne de cavalo. “Fiz um filme chamado Secretariat (2010), e uma das minhas queridas amigas do movimento animal, Karen Dawn, me perguntou: ‘Você sabe alguma coisa sobre corrida de cavalos?’. Eu disse que não, e comecei a conversar com as pessoas, principalmente com jóqueis”, revelou.

Ao TakePart, James Cromwell relatou que uma corrida de cavalos tem oito, 10 ou 12 animais. E como não são todos que vencem as corridas, muitos amargam uma triste realidade que envolve abusos, negligência e morte. “Além do fato de que corridas de cavalos são incrivelmente perigosas para cavalos e jóqueis. Há centenas e centenas de cavalos que são mortos. É preciso uma oportunidade para pegar esses animais que tenham cumprido seu papel* e salvá-los de seu fim, dar a eles um lugar para viver”, defendeu.

James Cromwell, que já participou de mais de 200 produções, entre teatro, cinema e TV, nasceu em Los Angeles, na Califórnia, em 27 de janeiro de 1940.


Referências






NOTAS DA NATUREZA EM FORMA:

1. Sobre os cavalos, achamos positivo o projeto de aposentadoria pensado por James Cromwell para livrar esses animais do matadouro e proporcionar a eles ao menos um fim de vida com dignidade e liberdade. Mas fazemos uma importante ressalva: cavalos não têm o "papel" de servir aos humanos - nem os cavalos nem qualquer outro animal.

E é justamente isso pelo que nós, da causa animal, lutamos realmente: não consertos de estragos como santuários de recuperação de animais explorados ou medidas paliativas como criações de galinhas "livres de gaiolas" etc., e sim a completa libertação animal - que, no caso dos cavalos, no futuro nem seja necessária tal aposentadoria, pois nem terá havido a exploração desses animais em corridas, em primeiro lugar. 

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2. E leia também: O cinema e os animais  

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