Melville foi influenciado por Thoreau e Emerson, escritores e filósofos
que defendiam o respeito à natureza (Foto: Reprodução)
Publicado em 1851, o romance Moby Dick (Moby Dick; or, The Whale), de Herman Melville, que se tornou um dos livros mais importantes da literatura dos Estados Unidos, conta a história de vingança de Ahab, o obsessivo capitão do baleeiro Pequod, que, depois de ter sua perna arrancada pela lendária baleia-branca Moby Dick, decide dedicar sua vida a persegui-la e destruí-la, ignorando o fato de que ele invadiu o habitat do animal e tentou matá-lo.
Quando escreveu a obra, Melville já havia sido influenciado pelas ideias e obras de Henry David Thoreau e Ralph Waldo Emerson, escritores e filósofos norte-americanos que defendiam o respeito à natureza, e que, por vezes, são classificados por alguns autores como vegetarianos, embora não haja registros tão precisos sobre seus hábitos alimentares, assim como os de Melville.
A inspiração para produzir Moby Dick veio de aventuras fantásticas que o escritor vivenciou a partir de 1841, quando passou 18 meses no baleeiro Acushnet, um dos mais de 700 navios baleeiros dos Estados Unidos, de um total de 900 atuando na pesca comercial naquele ano.
Embora a experiência tenha sido muito rica, Herman Melville a qualificou como extremamente infeliz, porque a vida no mar era absolutamente miserável. E ele, assim como outros marinheiros, eram tratados como escravos e tinham que se submeter a todos os tipos de ordens de “homens vulgares e brutais”.
Até certo ponto, Melville compartilhou suas aventuras com seu amigo Richard Tobias Green, com quem desembarcou em Nuku Hiva, a maior das Ilhas Marquesas da Polinésia Francesa. Um dia, Green desapareceu quando saiu para procurar ajuda para Melville, que estava com uma séria lesão em uma das pernas.
Sozinho, o escritor foi capturado pelos typees, uma tribo canibal que em nenhum momento ameaçou sua vida. Muito pelo contrário, Melville foi alimentado com refeições vegetarianas e saudáveis, baseadas em coco e fruta-pão, de acordo com o escritor R.L. Fisher, que assina a apresentação da edição de Moby Dick publicada pela editora Tor em 1996. O relato é endossado por Hershel Parker em Herman Melville: 1818-1851 e Steven Olsen-Smith em Melville in his Own Time.
Melville se sentiu tão bem entre os nativos, que tinham fama de bárbaros e hediondos, que definiu aqueles chamados canibais como muito superiores aos civilizados americanos e europeus. Considerado transcendentalista por influência de Waldo Emerson, a natureza sempre foi um dos temas centrais na literatura de Melville, que jamais hesitou em deixar claro que, quando o homem fere a natureza, ele deve se preparar para as consequências; e a maior prova disso é a entrega a uma forma odiosa de passionalidade do capitão Ahab, em sua sana por matar a baleia Moby Dick a qualquer preço.
Na Polinésia, Herman Melville foi alimentado pelos nativos com
refeições vegetarianas e saudáveis (Foto: Reprodução)
“Seus três botes afundavam à sua volta, e os remos e os homens giravam em redemoinhos; um capitão arrancou uma faca das cordas da proa arrebentada e se arremessou contra a baleia – como um duelista do Arkansas contra seu adversário, tentando atingir às cegas, com uma lâmina de seis polegadas, a vida profunda da baleia. Esse capitão era Ahab. E foi então que, subitamente, passando por baixo dele com a foice de sua mandíbula inferior, Moby Dick cortou a perna de Ahab, como faria uma ceifadeira com a grama no campo. Nenhum turco de turbante, nenhum veneziano ou malaio mercenário o teria atingido com tamanha malícia. Havia poucos motivos para duvidar de que, desde aquele encontro quase fatal, Ahab nutrisse uma violenta sede de vingança contra a baleia, ainda mais terrível porque, em sua morbidez frenética, atribuíra a ela não apenas todos os seus infortúnios físicos, como também seus sofrimentos intelectuais e espirituais”, escreveu nas páginas 178 e 179.
Na página 209, Melville discorre sobre a natureza humana, partindo, a princípio, da perspectiva de um homem duro, embrutecido pelo meio e pela própria ignorância: “A condição permanente do homem tal como é fabricado, pensava Ahab, é a sordidez. Pressupondo que a Baleia-Branca incite os corações dessa minha feroz tripulação, e imaginando que sua ferocidade até produza neles uma espécie de brio generoso, todavia, enquanto dão caça a Moby Dick por prazer, é necessário alimentar também seus apetites comuns e rotineiros”.
Ele prossegue a narrativa declarando que mesmo os enlevados e cavaleirescos cruzados de outrora não se contentavam em atravessar duas mil milhas de terra para lutar por seu Santo Sepulcro sem pilhar, roubar e obter outras pias vantagens pelo caminho: “Tivessem eles se limitado a seu único objetivo último e romântico – daquele objetivo último e romântico, muitos teriam desistido por desgosto. Não tirarei desses homens, pensou Ahab, a esperança do dinheiro – sim, dinheiro. Poderiam menosprezar o pagamento agora, mas deixasse passar alguns meses, sem nenhuma promessa em perspectiva de paga, e então esse mesmo capital se amotinaria todo de uma vez dentro deles e decapitaria Ahab”.
Melville faz referência a um fato já comum à época – de que o homem do mar, que tinha como principal fonte de renda a frequente morte de seres vivos não humanos, poderia se transformar, chegando a não pensar duas vezes se tivesse que matar um semelhante para lucrar ou mesmo se vingar.
Na página 289 de Moby Dick, Ishmael, alter ego de Herman Melville, narra que não resta dúvida de que o primeiro homem que matou um boi tenha sido considerado um assassino; talvez tenha sido enforcado; e, se o tivessem levado a julgamento por causa disso, certamente teria merecido sua sentença. E naturalmente são os compradores e consumidores que perpetuaram tal negócio que ainda nos dias de hoje parece distante do fim.
“Num sábado à noite, vá ao mercado de carnes e veja as multidões de bípedes vivos de olhos vidrados nas longas filas de quadrúpedes mortos. Esse espetáculo não tira um dos dentes do maxilar dos canibais? Canibais? Quem não é um canibal? Garanto a você que o Juízo Final será mais tolerante com um providente fijiano que salgou um missionário magro em sua adega para se prevenir contra a fome do que contigo, gourmand civilizado e esclarecido, que prendes os gansos no chão e te refestelas com seus fígados dilatados em teu patê de foie gras”, criticou.
Melville era um autor muito à frente de seu tempo, e a maior prova disso é que seu romance mais famoso – Moby Dick –, dedicado a Nathaniel Hawthorne, não obteve qualquer prestígio após o lançamento. Quando faleceu em 28 de setembro de 1891, seu livro já não era mais encontrado à venda em lugar algum.
A rejeição ao seu trabalho pode ter sido facilitada pelas críticas que fez ao comportamento dos ocidentais de seu tempo, imersos em hipocrisia, egolatria, preconceitos, superficialidades e pouco respeito à natureza. Em suma, Moby Dick também é um livro que desvela a ferocidade do antropocentrismo, embora, por vezes, também transpareça, mesmo que minimamente, antropocêntrico, provavelmente por influência da época.
O escritor norte-americano William Faulkner, um dos mais importantes dos Estados Unidos do século 20, declarou que gostaria de ter escrito Moby Dick. O inglês D.H. Lawrence, outro autor igualmente relevante, definiu o romance da baleia-branca como um dos mais estranhos e maravilhosos livros do mundo.
“Mas Stubb, ele come a baleia à luz de seu próprio óleo, não? E isso é somar insulto à injúria, não é? Olhe para o cabo de sua faca, meu caro gourmand civilizado e esclarecido a comer um rosbife, do que é feito o cabo? – do quê, se não dos ossos do irmão do mesmo boi que você está comendo? E com o que você palita os dentes, depois de devorar aquele ganso gordo? Com uma pena da mesma ave. E com que pena o secretário da Sociedade de Supressão de Crueldade aos Gansos escreve suas circulares? Há apenas um ou dois meses, essa sociedade tomou a decisão de patrocinar somente penas de aço”, escreveu Herman Melville na página 289 de Moby Dick.
Herman Melville nasceu em Nova Iorque em 1º de agosto de 1859 e faleceu na obscuridade e na pobreza. Seu túmulo pode ser visitado no Cemitério de Woodlawn. Outra obra de grande prestígio de Melville é Billy Budd, publicada pela primeira vez em 1924, editada por Raymond M. Weaver, da Universidade Columbia.
Referências
Melville, Herman. Moby-Dick or The Wale (1851). Tor Classics (1996)
Melville, Herman. Moby Dick. Cosac Naify (2008)
Parker, Hershel. Herman Melville: 1818-1851. Johns Hopkins University Press; First edition (2005)
Olsen-Smith, Steven. Melville in His Own Time: A Biographical Chronicle of His Life, Drawn from… University Of Iowa Press; 1st edition (2015)
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