Circo, sim; com animais, não!


Por Elda Fernandes

Quando se aproxima a época natalina, junto com as decorações e as superfícies comerciais, ressurge a tendência solidária, mais visível que no restante ano, mas nem todos são merecedores de tal sorte, e em muitos casos são os que não têm voz, e Natal também é sinônimo de circo, e em Braga [em Portugal] ainda com animais.

Dizem que os animais são as principais atrações para as pessoas irem ao circo e levarem as crianças com o intuito de verem, muitos pela primeira vez, animais selvagens, mas o argumento começa com uma incoerência: eles não estão em estado selvagem, muitos estão a milhares de quilômetros de seu habitat natural, domados para agir em prol da vontade do homem, em meio a chicotadas e treinos pesados físicos e psicológicos - entre outras técnicas, o domador consegue pôr o “rei da selva” para saltar em arcos de fogo e fazer números que encantam a plateia.

Os pais levam as crianças ao circo porque, em grande parte, também foram encaminhados pelos seus pais, e assim continua a se perpetuar um hábito que se traduz num ser senciente vivendo a vida numa jaula, sendo solto apenas para treinos e atuações, num espetáculo do qual ele nunca pediu para ser parte.

Levar as crianças ao circo é uma forma de ocultar a realidade dos bastidores, onde, longe dos olhares do público, os animais, que não escolheram estar ali, vivem em jaulas mínimas para seu porte e em estresse constante com as viagens e movimentação dos humanos. O circo fomenta ainda o tráfico de animais. Talvez se as crianças soubessem o que está por trás da cortina vermelha ou se os pais não ocultassem a informação, não houvesse tantos circos com animais - e baixa adesão do público obriga a mudança de estratégia, a transformação do espetáculo numa forma de valorizar o talento humano em acrobacias incríveis, longe do rastro de dor que se perpetua.

Composto por grandes artistas que demonstram uma arte trabalhosa associada a horas de treino, o circo é um grandioso espetáculo, mas tem que evoluir - uma arte surgida no século 18 não pode atuar da mesma forma hoje, não pode fechar os olhos para a evolução nem usar os animais como objetos que nascem para nos servir. Ir a um circo com animais é assistir a um ilusionismo, onde os maus-tratos aos animais desaparece e por momentos acreditamos que seja possível um leão obedecer ao homem, essa espécie dotada de racionalidade. Mas ao estabelecer esse raciocínio, estamos incutindo uma "supremacia", que como seres racionais devíamos repudiar: usar o outro, numa situação frágil e sem opção, para nosso bem próprio.

É urgente apelar a quem defende a dignidade animal e comparece às touradas, onde a voz de quem luta pela abolição equilibra com as palmas. Ambas são formas de exploração da vida animal, a diferença é a forma como é apresentada: uma é à vista de todos, outra nos bastidores, para o espetáculo ser perfeito.

Muitos países proibiram o circo com animais, outros aplicam multas. Portugal tem uma lei que, se fosse cumprida, levaria a que muitas “estrelas” quando morressem não pudessem ser substituídas; falta a fiscalização e a vontade de todos em construir um mundo mais justo.

Até quando vamos obrigar quem não escolheu fazer parte do espetáculo?

Fonte: Vila Verde

Ilustração: Reprodução


NOTAS DA NATUREZA EM FORMA:

1. Aqui no Brasil, onde políticas públicas sobre a causa animal não só não avançam como andam para trás, e políticos legislam em causa própria (de suas contas bancárias), não há lei que proíba a exploração de animais em circos. 

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