"Regras" para conviver com um gato (ou dois) e serem todos felizes

O ator James Mason (1909-1984) posa com um gato (Foto: Getty Images)


Os gatos são os reis absolutos da indolência: sua gama de expressões consiste em estar com os olhos fechados, semicerrados e totalmente abertos. E mesmo assim se tornaram os reis dos memes na internet, uma referência para expressar qualquer tipo de sentimento em qualquer contexto. Se isso não explica a fascinação que provocam, não sabemos o que explicaria. Conviver com um gato é uma aventura apaixonante e um aprendizado contínuo. Porém existem algumas regras que podem se aplicar a qualquer relação saudável no século 21: deixe-me dormir e te deixarei dormir.

Pedimos a alguns ilustres companheiros [espanhóis] de casa de um gato (ou mais) e a uma veterinária especialista na área que nos ajudassem a elaborar um guia para entender esse animal que convive conosco há nove mil anos e cuja população domesticada é de cerca de 22 milhões no Brasil (segundo dados do IBGE)... e infinita no Tumblr.

Você mora com um gato, não com um cachorro

Isso parece óbvio. Conhecemos as diferenças desde pequenos, graças aos livros e desenhos, porém, muitas pessoas que decidem morar com um gato continuam esperando dele comportamentos de um cão fiel. O ilustrador Puño (vulgo David Peña), autêntico filósofo da causa felina em seu tempo livre, explica: “O cachorro é um lobo que se aproximou de nossas fogueiras de caçadores, e que domesticamos a pauladas, por isso aceita bem os gritos e a dominação. O gato, por sua vez, se aproximou, por vontade própria, dos celeiros que construímos no deserto, atraídos pelos roedores que se acumulavam neles. Por isso, sentem curiosidade natural pelos humanos e se chateiam para sempre se são castigados, ouvem gritos ou apanham, mesmo que de levinho”*.

Sua casa é a casa dele

Você não tem um gato, mora com um. Realmente, quase seria possível dizer que ele permite que você more ali e que, sabe-se lá por que razão, foi com a sua cara. “Os gatos são animais territoriais por definição”, explica a veterinária Adriana Mármol. “Um gato entende por seu território aquele lugar onde estão os recursos de que necessita para satisfazer suas necessidades básicas e expressar-se como gato. E entende que seu território é dele, ponto.” Os gatos são, portanto, uma suave bola de pelo com ferrenhos princípios liberais no que concerne à propriedade privada. Não lhes prive de seu canto favorito da casa, ainda que esse canto seja você mesmo.

“Quando escrevo em meu computador, meu gato Orson se recosta sobre meus punhos e dorme profundamente”, relata a jornalista e escritora Nerea Pérez de las Heras. “Como não quero interromper seu sono, continuo escrevendo apesar das dores musculares. Graças a Orson, sou uma pessoa muito disciplinada, que acabará com próteses nas articulações dos pulsos.”

Se dormir um dia com você, vai querer dormir sempre

Os gatos são independentes, mas têm uma qualidade da qual carecem aqueles casos de uma noite só que nunca ligaram de novo: sempre vão querer dormir de novo em nossa cama. “Se realmente nos incomoda que o gato suba na cama à noite e nos acorde, precisamos deixar claro para o animal que a casa é suficiente, e impedir seu acesso ao quarto”, afirma Adriana. “Se o deixamos entrar, é muito provável que suba conosco procurando a comodidade da cama e nosso contato. E quando um dia não quisermos que durma conosco e fecharmos a porta, virão os problemas: tentará entrar de toda forma, arranhando a porta e vocalizando.”

Mas não acontece nada se não dormir com você

Nerea faz isso todas as noites com Orson, um dos gatos com quem compartilha a casa (a outra se chama Parda). “O costume de Orson que mais gosto é que ele dorme comigo, coberto e com a cabeça no travesseiro, como um mocinho. Quando durmo acompanhada, o que ultimamente é quase nunca, ele reclama seu lugar e tanto faz quem apareça em sua frente.” 

Segundo estudos publicados, entre outros, pelo Animal Behavior College, dois terços das pessoas que moram com gatos dormem com eles. O encanto de tudo isso não precisa de explicação: uma criatura pequena, peluda e suave que ronrona no escuro. Entre as vantagens: alívio do estresse do dia e ajuda para conciliar o sono. Um dos inconvenientes: o ciclo de sono felino é muito diferente do nosso e seus passeios noturnos podem nos despertar.

Sim, o gato ama

Mas não precisa fazer cenas típicas de amante codependente toda vez que você chega em casa para demonstrar, como fazem os cachorros. “Acredita-se que não expressam seu amor conosco ou o fazem pouco, mas não é verdade”, explica o ilustrador Puño. “Simplesmente usam outro código - dos caçadores noturnos, dos seres ágeis e furtivos. Uma piscada significa ‘confio em você’; uma piscada mais longa, ‘gosto de você’. Se alguém entra na casa e seu gato não se lança em seus braços, costuma ver isso como sinal de desprezo, mas é possível que o felino tenha corrido para arranhar seu lugar favorito, pois é assim que demonstra a alegria do encontro.”

E pode gostar de outros gatos

Qualquer pessoa que tenha decidido viver com dois gatos vai te contar como isso é fantástico. “É preciso ter pelo menos dois gatos”, opina Puño. “São animais sociais e precisam de semelhantes.” No entanto, para a veterinária Adriana Mármol, o termo 'precisar' não é o mais adequado. “Não podemos interpretar que seja imprescindível para um gato a companhia de outro. Se o gato tem suas necessidades básicas atendidas, pode viver feliz sem a companhia de outros. Se você quiser ter outro gato, ótimo, mas deve-se tomar algumas medidas para uma apresentação adequada.” A veterinária considera que a situação ideal para quem quiser conviver com uma dupla é adotar dois gatos irmãos, “que cresçam juntos desde o início”.

Adeus, roupa preta

Andar com pelos na roupa pode parecer incômodo e antiestético, mas ao mesmo tempo faz com que aqueles que desenvolvem uma feliz existência compartilhada com um gato se reconheçam entre si e se olhem como cúmplices. O colega de casa de um gato rapidamente se dá conta de que há uma série de apetrechos que antes pareciam inúteis, mas agora são imprescindíveis:

A) Um aspirador de pó. E um bom e potente, que não esteja em oferta. É um investimento que vale a pena;

B) Rolinhos tira-pelos com fita adesiva. Apresento a você seu novo melhor amigo. A má notícia é que se pode gastar um ou dois por semana; a boa é que são realmente econômicos. E experimente não só na roupa: são ótimos para o sofá também;

C) Um pente com dentes de aço para o gato. Tira o pelo morto do amiguinho, massageia como os melhores spas e também serve (atenção, truque) para eliminar os pelos que ficam pelo sofá ou almofadas.

Não se sinta culpado ao lhe dar coisas boas de comer

Há um grande debate entre os que vivem com gatos: a comida úmida é boa? Podemos dar a eles todo dia? “Precisamos levar em conta a condição corporal do nosso amigo e seu estado de saúde na hora de lhe dar alimentos extras”, explica a veterinária Adriana Mármol. “Se o gato está sadio, não deveria ter nenhum problema dar a ele todo dia um pouco de comida úmida ou um prêmio. Além disso, está comprovado que comida úmida é benéfica para seu trato urinário, já que contém alta porcentagem de água. Mas desde que a marca escolhida seja de boa qualidade e bem equilibrada nutricionalmente.”

Mas há um prato requintado que o gato gosta muito mais do que qualquer comida de lata

São os carregadores do MacBook, que custam 600 reais. Há menus de degustação mais baratos nos restaurantes mais estrelados do Guia Michelin. Tente manter todos os apetrechos com cabos pelos quais você nutre um certo afeto guardados em uma gaveta ou escondidos em um organizador de cabos.

Gatos envelhecem com você e isso é maravilhoso

Um gato de rua tem uma expectativa de vida entre três e seis anos. Aquele que vive em um lar vive cerca de 12 anos. O ator Francisco Boira, que interpretou o personagem mais complexo do (já complexo) filme Má Educação (La Mala Educación, 2004), de Pedro Almodóvar, cuidou tão bem da gata Olivia que ela acabou de fazer 19 anos. "Sempre foi fácil cuidar da Olivia", diz ele. "Foi quando era jovem e é agora, que fez 19 anos. A única diferença é que, se eu sempre fui atencioso com ela, agora tenho de ser mais. Ela só tem um problema importante: é preciso ajudar seus rins a trabalhar corretamente, então é necessário dar-lhe medicação diária, uma dieta específica e ficar atento a tudo que ela come e bebe.”

Mas, às vezes, a medicação é quase tão grande quanto o gato

"Os momentos mais difíceis que vivi com meus gatos ocorreram quando eles ficaram doentes e tive de lhes dar medicamentos”, recorda Nerea. “Os laboratórios veterinários, que são empresas com um senso perverso de humor, fazem as drogas em formato de comprimido com algo como 10 centímetros de diâmetro.” Laboratórios que nos leem: tomem nota dessa sugestão.

Telas nas janelas!

Deixe a brisa suave da janela aberta ser um prazer, não um perigo.

Não se preocupe se seu gato não ronronar, mas não ache que tudo está bem porque ele o faz

"Há muitos estudos sobre o ronronar dos gatos e hoje ainda não são completamente claros alguns de seus aspectos", assegura Adriana. "O que é comprovado é que fazem em certas situações, como quando pequenos ao serem amamentados pela mãe ou quando nós os acariciamos. Mas um gato não ronrona só no contexto do bem-estar: ele pode fazer isso quando está doente ou machucado, e há várias teorias que tentam explicar o porquê."

Não compre

Nem gato nem outro animal. Centenas de gatos corajosos, simpáticos e solitários no mundo que vivem em associações e abrigos (atendidos pelos recursos finitos de seus voluntários) matariam para dormir em sua cama, reestofar seu sofá com seus lindos pelos, ronronar em seu colo e decorar as fotos do seu Instagram até quintuplicar seu número de seguidores. É um prazer que Francisco Boira resume perfeitamente: "Vou dar um jeito de Olivia ser feliz até seu último dia, chegue quando chegar. Porque é a responsabilidade que assumi quando a adotei há 19 anos. Porque eu a adoro. E porque ela merece".

Fonte: El País   


*NOTA DA NATUREZA EM FORMA:

Parece óbvio, mas vale lembrar: animal nenhum deve ser tratado com violência (incluindo gritos e "apanhar de levinho"), nem mesmo com o propósito de "educar" ou punir.

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