Na casa da família Nascimento, não entra carne. Também não entram leite, ovo ou mel. “Animal em casa, só o Boris, nosso cachorro vira-lata”, diz Daniela Nascimento, 37 anos, adepta do veganismo há 17. A falta desses alimentos na geladeira da família deu lugar às frutas, legumes, soja, tofu e leite vegetal. Mãe de Inácio, 4, e Laila, 1, Daniela escolheu transmitir seu estilo de vida para as crianças, que nunca experimentaram alimentos de origem animal. “Acredito que o exemplo seja a melhor forma de educar. Se quando forem mais velhos, quiserem incluir carne e leite na alimentação, terão toda a liberdade. Não proíbo, mas também não incentivo”, diz.
Daniela e sua família estão entre os quase cinco milhões de brasileiros que praticam o veganismo - que, é importante destacar, não se limita à alimentação. “Ser vegano significa não consumir nenhum produto de origem animal ou testado em animais, desde alimentos até roupas, cosméticos, acessórios”, esclarece a nutricionista norte-americana especializada em nutrição vegana e vegetariana* Reed Mangels, professora do Departamento de Nutrição da Escola de Saúde Pública e Ciências da Saúde da Universidade de Massachusetts. O que significa que, da mesma forma que a carne, leite e ovos estão banidos da lista de supermercado, aquela malha de lã ou bolsa de couro também não têm espaço no guarda-roupa.
Sim, é uma escolha (e uma transição) e tanto. Mas seja por uma questão de saúde, seja por solidariedade aos animais, como é o caso de Daniela, ser vegano é cada vez mais comum. “A dieta tem sido mais abordada, principalmente nos últimos cinco anos. Além de um crescente interesse pelo bem-estar dos animais, a população está envelhecendo e convivendo mais com doenças crônicas e, por isso, busca uma alimentação mais saudável”, diz a nutróloga Andrea Pereira, do Hospital Israelita Albert Einstein (SP).
Mas a polêmica acende quando o assunto é veganismo e alimentação infantil. Por mais que algumas pessoas ainda tenham um pé atrás, por acreditar que a dieta leva à desnutrição, cada vez mais estudos apontam para os benefícios. Em artigo científico publicado em dezembro de 2016, a Academia de Nutrição e Dietética dos EUA endossa a dieta vegana para pessoas de qualquer idade, inclusive crianças e gestantes, afirmando que é saudável, nutricionalmente adequada e que pode proporcionar benefícios na prevenção e tratamento de certas doenças, como diabetes, doenças cardíacas, hipertensão arterial, obesidade e alguns tipos de câncer.
Sim, os benefícios existem! Mas não dá para negar que, por não aceitar qualquer alimento de origem animal, a dieta se torna restritiva e, se não for feita de forma correta, pode trazer problemas à saúde. Por esse motivo, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) faz uma ressalva. “Como a criança não tem discernimento para saber o que é bom e ruim para sua alimentação, os pais precisam estar cientes da importância de identificar boas fontes de cálcio, ferro, zinco, ômega 3, vitaminas B12 e D, e fazer um trabalho conjunto com o pediatra e nutricionista”, recomenda a presidente do Departamento Científico de Nutrologia da SBP, Virgínia Weffort.
Em alguns casos, quando a alimentação não for suficiente, a criança pode desenvolver anemia, crescer menos e ter seu sistema imunológico prejudicado. “Quando não forem atingidas as necessidades nutricionais específicas para cada faixa etária, a suplementação com cápsulas e comprimidos será necessária. Mas o natural e mais saudável é consumir o alimento como fonte de vitamina, não remédios”, completa Virgínia.
Em alguns casos, quando a alimentação não for suficiente, a criança pode desenvolver anemia, crescer menos e ter seu sistema imunológico prejudicado. “Quando não forem atingidas as necessidades nutricionais específicas para cada faixa etária, a suplementação com cápsulas e comprimidos será necessária. Mas o natural e mais saudável é consumir o alimento como fonte de vitamina, não remédios”, completa Virgínia.
Mas então, é ou não recomendável para as crianças? “Desde que seja feito um controle anual das taxas de nutrientes no sangue e um acompanhamento regular com pediatra e nutricionista, a dieta vegana traz, sim, benefícios como a prevenção de doenças crônicas, e pode ser adotada em qualquer faixa etária”, diz a nutróloga Andrea. Daniela Nascimento conta que faz marcação cerrada com exames regulares e acompanhamento regular com uma nutricionista infantil: “Assim que Inácio nasceu, procurei informação e orientação, pois nem sabia se o veganismo era saudável para crianças. Mas é! Meus filhos não adoecem mais do que crianças que seguem uma alimentação comum. São inteligentes e muito saudáveis. O veganismo é, para a minha família, a receita para uma vida mais saudável e para exames médicos com resultados excelentes”.
E na escola? Se o seu filho estuda em período integral e a alimentação é oferecida pela instituição, vale negociar um cardápio diferenciado para ele e também mandar lanchinhos veganos para serem consumidos na hora do recreio. “Busco variar para que não enjoe: um dia, mando uma porção de castanhas; no outro, uma fruta ou chips de banana. Pesquiso receitas na internet e mando para a nutricionista do meu filho aprovar ou fazer as alterações necessárias”, conta Daniela.
Trocas no cardápio
A quantidade de cada vitamina e alimento varia de criança para criança. O ideal é fazer um acompanhamento regular com um nutricionista e pediatra, para que, juntos, elaborem um cardápio. Veja abaixo algumas fontes de nutrientes.
Ferro
Pode ser encontrado em vegetais verde-escuros e leguminosas. O organismo absorve melhor o ferro na presença de vitamina C, por isso acrescente frutas cítricas como laranja, acerola, maracujá e abacaxi nas refeições das crianças.
O que comer: feijão, amêndoas, lentilha, castanha de caju, castanha-do-pará, quinoa, melado de cana, folhas verde-escuras, semente de girassol, linhaça, chia.
Cálcio
Fundamental na formação e desenvolvimento dos ossos, o cálcio pode ser encontrado nas frutas, verduras e feijão, porém, a capacidade de absorção dos alimentos não lácteos pode variar entre 5% (espinafre) e 50% (repolho ou brócolis).
O que comer: tofu, grão-de-bico, brócolis, couve-flor, couve, escarola, repolho, mostarda, espinafre, gergelim.
Vitamina D
É estimulada quando tomamos sol e auxilia na absorção do cálcio. Uma dieta vegana contém pouca ou nenhuma vitamina D, a não ser pela ingestão de alimentos enriquecidos ou suplementos. O ideal é a exposição segura ao sol.
O que comer: cogumelos.
Proteína
Uma das três principais fontes de energia (além de gorduras e carboidratos), a proteína é facilmente substituída na dieta. Tofu e soja fazem parte da lista de possíveis trocas, mas atenção à recomendação de Reed Mangels: “Alimentos à base de soja não devem ser oferecidos para crianças menores de um ano devido aos hormônios vegetais”. “Fórmulas infantis de soja, diferentes de bebidas à base de soja, estão liberadas, pois são balanceadas exclusivamente para suprir as necessidades de bebês”, completa a nutricionista norte-americana.
O que comer: combine o grupo de grãos (composto por trigo, arroz, aveia) com as leguminosas (feijões, lentilha, ervilha). Abacate, nozes, amendoim, cacau em pó sem açúcar e gergelim também devem entrar no cardápio.
Zinco
Mineral que ajuda no crescimento e desenvolvimento do organismo. As fontes mais ricas de zinco para quem não consome alimentos de origem animal são os cereais integrais, feijões e castanhas. Porém, o ácido fítico, presente em alguns vegetais e também no feijão, atrapalha a absorção dessa substância. Uma sugestão dos especialistas é deixar os grãos do feijão de molho por cerca de 12 horas e trocar a água na hora de cozinhar.
O que comer: feijão, grão-de-bico, nozes, lentilha, arroz integral, sementes de girassol e de abóbora, trigo, aveia.
Dicas de alimentação para a criança vegana
> O leite materno ou fórmula infantil são uma parte importante da nutrição do seu filho até pelo menos um ano de idade;
> Cereais matinais costumam ser fortalecidos com vitamina B12, mas vale apostar nos feitos em casa: prepare um mingau grosso e acrescente um pouco de óleo vegetal aos grãos cozidos para aumentar o conteúdo calórico;
> Prefira óleo de soja em vez de óleos de girassol, cártamo ou milho. Ele ajuda na produção de ácidos que são importantes para o desenvolvimento do cérebro e da visão;
> Óleo de linhaça é rico em ômega-3, gordura do bem encontrada no salmão, bacalhau e sardinha. Essa substância pode ajudar a melhorar o desempenho escolar, pois tem um papel importante no desenvolvimento do sistema nervoso, retina e cérebro;
> Troque manteiga e requeijão por abacate batido ou manteiga feita de sementes ou nozes. Além de não terem origem animal, são mais calóricas e ajudam a atingir a quantidade necessária de calorias para um desenvolvimento saudável;
> Lentilha, feijão e ervilha são boas fontes de energia e proteína. Cozinhe-os bem e amasse-os até formar um purê;
> Misture melado de cana nos alimentos, como purê de lentilha ou tofu, para aumentar a ingestão de ferro e cálcio. Fazer melaço em casa também é fácil: ferva o líquido extraído da cana de açúcar até virar um xarope. Depois que a água e parte do açúcar evaporam, o líquido restante é altamente rico em ferro, cálcio, magnésio e potássio;
> Depois de completar um ano, mesmo que o bebê ainda esteja sendo amamentado, é possível acrescentar leites vegetais como o de soja em sua alimentação. Essas opções são ricas em vitaminas D e B12;
> Todo vegetal de cor verde é uma excelente fonte de ferro, cálcio e antioxidantes. Para deixar o preparo mais gostoso e apetitoso para a criança, acrescente molho de tomate ou prepare sucos com vegetais mais doces, como cenoura.
Fonte: Revista Crescer
Foto: Thinkstock
NOTAS DA NATUREZA EM FORMA:
2. Leia aqui outras matérias sobre veganismo na infância.
Nenhum comentário:
Postar um comentário