O plenário do Senado aprovou ontem (14/2/2017), em primeiro e segundo turnos, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 50/16) conhecida como PEC da Vaquejada, que altera a Constituição Federal para estabelecer que não são consideradas cruéis as manifestações culturais definidas na Constituição e registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, rodeios e vaquejadas, desde que regulamentadas em lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.
"É impossível a realização da vaquejada sem que haja crueldade contra os animais", esse é o entendimento do ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento da ADI 4983, acerca da regulamentação da vaquejada:
“Considero, todavia, que nenhuma regulamentação seria capaz de evitar a prática cruel a que esses animais são submetidos. Primeiro, porque a vaquejada é caracterizada pela 'puxada do boi' pela cauda. Sendo assim, qualquer regulamentação que impeça os vaqueiros de tracionarem e torcerem a cauda do boi descaracterizaria a própria vaquejada, fazendo com que ela deixasse de existir. Em segundo lugar, como a vaquejada é caracterizada pela derrubada do boi dentro da chamada 'faixa', regulamentá-la de modo a proibir que o animal seja tombado também a descaracterizaria.
Não desconsidero que há hoje os chamados 'rabos artificiais'. Mas esses artefatos, por si só, não são capazes de evitar que o animal sofra, já que eles são presos à própria cauda, que continua a sofrer estiramentos, tensões e lesões, causando dores incalculáveis aos animais. Além disso, o animal continuará tendo que ser derrubado. Portanto estamos diante de uma prática que só poderia ser regulamentada descaracterizando-a de tal modo a sacrificar sua própria existência”.
Com interesses puramente econômicos e contrariando o que determina a Constituição Federal*, os senadores Otto Alencar (PSD-BA), Ana Amélia (PP-RS), Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), Armando Monteiro (PTB-PE), Benedito de Lira (PP-AL), Cidinho Santos (PR-MT), Davi Alcolumbre (DEM-AP), Elmano Férrer (PTB-PI), Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), Ivo Cassol (PP-RO), Jorge Viana (PT-AC), José Agripino (DEM-RN), José Maranhão (PMDB-PB), José Medeiros (PSD-MT), Lindbergh Farias (PT-RJ), Lídice da Mata (PSB-BA), Magno Malta (PR-ES), Pastor Valadares (PDT-RO), Paulo Rocha (PT-PA), Pedro Chaves (PSC-MS), Raimundo Lira (PMDB-PB), Roberto Muniz (PP-BA), Telmário Mota (PDT-RR), Valdir Raupp (PMDB-RO) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), em vez de criar normas para proteger os animais da crueldade, optaram por propôr a PEC 50/16 para isentar qualquer "manifestação cultural" do crime de crueldade. Dessa forma, pretendem modificar a Constituição Federal, a fim de autorizar definitivamente uma atividade que comprovadamente submete os animais ao sofrimento: a vaquejada. Isso porque nossa legislação infraconstitucional vigente trata como crime cometer atos de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais.
Com a aprovação, o texto segue para análise da Câmara, onde também deverá ser analisado em dois turnos. Para ser promulgada, a PEC precisará do apoio de, pelo menos, três quintos dos deputados (308 dos 513). Portanto se o Senado e a Câmara aprovarem a PEC, levando-a à promulgação, a vaquejada e o rodeio estarão assegurados pela Constituição.
Na contramão da legalização da crueldade, senadores contrários ao texto, como a líder do PT, Gleisi Hoffmann (PR), dizem que a vaquejada é cruel aos animais. "Se aprovarmos essa proposta, a Constituição vai dizer que manifestações culturais não causam dor aos animais, ainda que causem (...) Não é verdade que a vaquejada não causa nenhum prejuízo ao animal, causa problema de medula, nas articulações, arrancamento de rabo", disse a senadora. "Por que temos que nos divertir com a dor dos animais?", completou. "É preciso distinguir o que é manifestação cultural e o que é prática reiterada de maus-tratos a animais", declarou Randolfe Rodrigues (Rede-AP), contrário à proposta.
A vaquejada
A vaquejada é uma atividade "recreativa" em que um boi é perseguido por dois vaqueiros a cavalo, com o objetivo de derrubá-lo puxando sua cauda. Não são poucos os relatos em que os bois têm o rabo arrancado, sofrem fraturas na coluna ou fraturas diversas na queda. Para que o boi, animal costumeiramente vagaroso e dócil, comece a correr em fuga são necessários métodos que lhe causem tormento, desespero e medo. Há relatos, assim como acontece nos rodeios, da aplicação de vários artifícios que causam dor e desespero no animal, a fim de forçar-lhe um comportamento não inerente a sua espécie. Os cavalos utilizados nas provas também costumam sofrer agressões físicas, sendo forçados a correr pelas chibatadas que levam e sofrem com as escoriações causadas pelas esporas das botas dos vaqueiros.
É a verdadeira exploração econômica da dor e do sofrimento.
Bois são animais de comportamento manso e pacato, não faz parte de seu comportamento natural correr nos pastos; para exibir tal comportamento na arena, é necessário o emprego de métodos que lhes causem desespero e tormento.
Além disso, os maus-tratos impostos aos animais também estão presentes na tração e torção bruscas de suas caudas (continuação da coluna vertebral), no sentido contrário a sua fuga, terminando com seu tombamento. O que leva, costumeiramente, a lesões permanentes, como o arrancamento da cauda ou quebra da coluna, que podem lhes levar ao sacrifício.
Legalização da crueldade
A legislação brasileira reflete a desaprovação da sociedade com determinadas condutas - nesse caso, os maus-tratos contra animais - e segue a tendência mundial em relação ao respeito e bem-estar destes, primando-se dessa forma pela vida. Não punir quem comete atrocidades contra animais seria o mesmo que considerar isso conduta aceitável.
Um dispositivo constitucional, que se opõe à conduta mais terrível que pode recair sobre um ser vivo, os maus-tratos e a crueldade, jamais poderia ser esmagado por interesses econômicos, de entretenimento, ou com argumento fundamentado na cultura, como pretende a PEC 50/16, apresentada pelos senadores acima citados.
A Constituição Federal de 1988 consagrou no artigo 215 o direito fundamental da liberdade de manifestação cultural, com vistas a garantir ao povo brasileiro o direito de exprimir sua cultura e preservá-la para as presentes e futuras gerações. Esse direito fundamental, no entanto, não dá a nenhum brasileiro o direito de cometer atos definidos como crime na legislação infraconstitucional. É o que ocorre com a prática da vaquejada, que acarreta crueldade e sofrimento aos animais.
Geração de empregos
Empresários, criadores e empresas patrocinadoras dos eventos são os verdadeiros interessados na continuidade da atividade, muito mais do que os vaqueiros em si. De acordo com a Associação Brasileira de Vaquejada (ABVAQ), a prática rende mais de 600 milhões de reais por ano - é um evento em que um cavalo pode custar até 500 mil reais e os leilões dos animais voltados para provas de velocidade movimentam cerca de 100 milhões de reais por ano.
Por outro lado, a alegação de que milhares de pessoas possam retirar seu sustento da atividade em questão não é hábil para convencer como “argumento econômico”. Significativa parcela da população também retira seu sustento e sustenta seus familiares com recursos advindos de meios ilícitos, o que não legitima a atividade. Importante ressaltar que todas as atividades ilegais são, em regra, extremamente lucrativas e geram milhares, talvez milhões, de empregos diretos e indiretos.
Retrocesso
A humanidade evoluiu, nossa sociedade atual é dotada, em regra, de compaixão pelos seres vivos. No processo evolutivo, abolimos muitas barbáries que faziam parte da tradição e cultura dos povos, espetáculos que fazem do sofrimento diversão não são mais tolerados por significativa parcela da sociedade. Ao longo do tempo, sob o pretexto de garantir o direito constitucional à manifestação cultural, para satisfazer interesses econômicos e de entretenimento de uma parcela de determinada comunidade, a crueldade contra animais vinha sendo admitida nos rodeios, farras do boi, vaquejadas, rinhas etc. Com a decisão do STF, se estabeleceu a oportunidade de que fossem proibidos todos os eventos ou práticas que submetam os animais à crueldade, com tal argumentação.
Com a aprovação da PEC da Vaquejada, todos os eventos cruéis, considerados manifestações culturais, poderão ser legalizados, incluindo rinhas e farras do boi.
O que foi aprovado pelos senadores é a regulamentação de uma atividade criminosa.
Fonte: Somos Contra Vaquejada
Foto: Reprodução
NOTA DA NATUREZA EM FORMA:
*Na verdade, essa quadrilha passou não apenas por cima da Constituição. Leia também: Governo muda a Constituição Federal para legalizar maus-tratos aos animais
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