No país do carnaval, o texto a respeito dos malefícios do glitter recebeu enorme atenção e foi recebido com grande polêmica. Em três dias, teve 40 mil leitores, choveram compartilhamentos, comentários, e-mails, convite para entrevista e uma reportagem em jornal.
Muitos leitores se preocuparam em entender mais, propuseram soluções, fizeram boas críticas e expuseram suas dúvidas. Em grupos virtuais sobre carnaval de rua, ao que parece, houve uma reação politizada e positiva de solidariedade mútua e grande empenho em mitigar os danos do glitter ao ambiente. Outra parte dos leitores prosseguiu suas vidas com indiferença. Curtirão o carnaval, com glitter ou não, sem se demorarem em pensamentos. Até aí, nada de novo no front. O que causou espanto foi a reação de uma terceira parcela de leitores.
Muitas postagens brotaram na internet criticando o texto do PEDRA por ser demasiado piegas, ingênuo, ou por estar deixando de criticar os “verdadeiros poluidores”. Essas críticas não seriam um problema se os autores tivessem se dado ao trabalho de ler os textos da página, como no que falamos de escravidão indígena ou da crítica ao “governo” Temer. Esses críticos tampouco leram a linha editorial do PEDRA, que diz que defende a “reversão dos problemas ambientais através de ações tanto políticas quanto pessoais e o reconhecimento da responsabilidade de todos na solução”. Por conta dessa falta de leitura, foi incluído um adendo, no texto do glitter, de que a página “não apoia a espera por uma solução que vá cair do céu. E por isso apoia tanto soluções macropolíticas quanto soluções a partir da ação individual e, principalmente, a partir de organização política de base”.
Fazer críticas politizadas sem se dar ao trabalho de ler é ruim, mas os problemas não pararam por aí. O conteúdo de certas críticas era realmente surpreendente. Houve um texto “de esquerda” que defendia o glitter como libelo contra a repressão ao divertimento e à liberdade. Trata-se, precisamente, do mesmo argumento usado por norte-americanos republicanos e brancos para defenderem a compra de seus carros Hummer. Criticados pela esquerda ambientalista porque seus veículos gastam absurdamente mais combustível, eles defendem exatamente o direito ao consumo individual não receber interferência de argumentos alheios ou coletivos.
Outro crítico defendeu que o uso do glitter, por ser sazonal, não fazia mal o suficiente ao ambiente. Mas pediu aos seus leitores que deixassem de usar esfoliantes porque estes também possuem microplásticos, mas são usados todo o ano. Esse é um argumento preocupante porque, no caso, quem define a quantidade mínima que deve começar a preocupar todos nós e motivar uma ação de redução do consumo é ele, o crítico. Trata-se de uma métrica arbitrária, que denota uma proposta autoritária de lidar com o problema do lixo. A postagem que pregava que os esfoliantes são maus e o glitter é bom já tinha mais de 50 compartilhamentos em um dia.
O âmago de algumas dessas críticas pareceu ser apenas uma reação à recepção positiva de um texto informal por grande parte do público, pois isso tira de alguns o poder de ter a "verdadeira" proposta de ação política. Parece se tratar de uma preferência estética por certo tipo de comportamento aparentemente anti-hegemônico. Se recusar o glitter subitamente se tornou hegemônico, coisa comum, qual a graça de combater seus efeitos?
Interessante é que no texto do glitter veiculado pelo PEDRA, sugerimos que os leitores se divirtam “sem destruir”, pois o “espírito anárquico do carnaval não combina com prepotência”. Relendo agora, depois da repercussão, isso diz ainda mais coisa do que pretendia inicialmente.
O consumo consciente é um ato político, que pode pressionar por mudanças através do próprio sistema de mercado. Por isso, ele não é revolucionário nem se propõe a ser, mas tampouco está impedido de ser combinado com outras ações de cunho mais evidentemente transformador. Há quem opte somente por militar em outras atividades e ignorar a importância da vida cotidiana e das práticas pessoais. Mas, como foi mencionado no texto do PEDRA, fazer um pouco nas práticas simples da rotina é uma forma de fazer um mínimo.
O texto do glitter veio a público precisamente para dar mais um conhecimento, mais uma ferramenta. O leitor pode achar que essa recusa ao microplástico do glitter é uma forma boa de colaborar ou não. Ou pode ir além e deduzir daí que nosso sistema político-econômico fabrica itens tão poluentes e desnecessários como o glitter sem nenhuma mediação das pessoas. O leitor pode notar que as pessoas não têm poder algum sobre o que é produzido nem sobre as prioridades da produção. Quem sabe o que fará o leitor munido dessas informações? Contra a imbecilidade geral da nação, mais informação. E menos glitter, talvez.
Foto: Pinterest / Reprodução
NOTAS DA NATUREZA EM FORMA:
1. O programa Bem-Estar, da TV Globo, de 24 de fevereiro de 2017, apresentou uma alternativa: a purpurina comestível, feita de sal ou açúcar, usada em bolos e doces. Veja aqui.
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