As vicissitudes ambientais e culturais proporcionaram a adoção de padrões dietéticos marcadamente distintos, que permitem observar os impactos consequentes na saúde dos povos. Apesar de as populações que tradicionalmente subsistem a partir de alimentos animais serem frequentemente utilizadas para argumentar a favor de seu consumo, a realidade sobre as extensas afecções patológicas é raramente conhecida. Por outro lado, quando a base alimentar provém tendencialmente de plantas, produzem-se as taxas de saúde mais elevadas de todas as populações estudadas. Atualmente, a dissolução global dos contrastes dietéticos, a partir da exportação da dieta ocidental – rica em carne, laticínios e ovos – está homogeneizando rapidamente as diferenças internacionais nas taxas de incidência de doenças [1].
Consumidores de animais
Quanto maior o poder econômico de um país, maior o acréscimo de calorias de origem animal, provenientes de gordura e proteína, que proporcionam aumentos do índice de obesidade
e de doenças degenerativas [2, 3]
e de doenças degenerativas [2, 3]
Esquimós / inuítes
O clima permanentemente gélido da região polar obriga a uma dependência de carne e peixe na dieta esquimó. As consequências patogênicas são inevitáveis. Estudos demonstram uma elevada prevalência de aterosclerose e doença coronária [4, 5]. Cânceres da glândula salivar e nasofaringeal ocorrem em taxas que são das mais elevadas no mundo [6]. A incidência de câncer do fígado é cerca de seis vezes maior do que a do resto da população mundial – o vírus da hepatite B é um fator de risco principal para o desenvolvimento de hepatocarcinoma, e análises demonstram grandes prevalências de infecção [7]. A osteoporose é epidêmica, e, após os 40 anos de idade, os esquimós têm menos 10% a 15% de massa óssea comparativamente a norte-americanos da mesma idade [8]. Além disso, a mãe esquimó apresenta o maior dano corporal conhecido de ocorrer por exposição a poluentes ambientais, em virtude de sua dieta estar no nível mais elevado da cadeia alimentar ártica [9]. A esperança de vida dos esquimós pode ser tão baixa como 29, 35 ou 45 anos [10]. Muitos detratores dos malefícios do consumo de produtos de origem animal responsabilizam a introdução de alimentos processados pelas consequências patológicas. No entanto, múmias esquimós com cinco séculos, que consumiam o epítome das atuais concepções deturpadas sobre a dieta paleolítica, revelam sinais de osteoporose severa, aterosclerose, metástases de câncer da mama, doença dentária, lêndeas, parasitas intestinais, síndrome de Down e um defeito de crescimento na anca conhecido como doença de Perthes [11, 12].
Múmias esquimós substanciam a noção de que a dieta baseada em carne
é destrutiva para a saúde humana
Massai
A dieta tradicional dos massai, grupo étnico que vive no Quênia e na Tanzânia, é largamente constituída por sangue e leite, e a carne é consumida apenas em ocasiões especiais. São magros devido a um baixo aporte calórico e elevado nível de atividade física. Possuem condições a seu favor, como a elevada altitude, e usam plantas medicinais, o que ainda assim não os impedem de incorrer numa das longevidades mais baixas do mundo. Estudos das artérias coronárias dos massai demonstram aterosclerose extensa, com engrossamento intimal equivalente ao de norte-americanos idosos [13, 14]. Os massai também sofrem de obstipação, artrite reumatoide e não desconhecem o câncer [14, 15, 16].
Eis uma receita simples, para os proponentes de uma dieta paleolítica carnívora
Consumidores de plantas
Okinawa
A ilha de Okinawa, no Japão, é reconhecida como uma das regiões do mundo com as menores taxas de doenças degenerativas e maior número de centenários – aproximadamente 740 numa população de 1,3 milhão. A maioria é saudável toda a vida – desprovida de doença cardiovascular, câncer ou Alzheimer – e experimenta um rápido declínio terminal [17]. A batata-doce foi o principal alimento da dieta de Okinawa desde 1600 até aproximadamente 1960, representando mais de 50% das calorias [18].
Adventistas do sétimo dia
Os adventistas do sétimo dia da Califórnia – uma população religiosa em que os hábitos vegetarianos estão grandemente instituídos – são reconhecidos pela comunidade científica por seus níveis reduzidos de doenças crônicas, assim como por uma longevidade extrema, que supera inclusivamente a dos japoneses de Okinawa. A dieta promovida pelos adventistas consiste no consumo de legumes, cereais integrais, nozes, frutos e vegetais [19]. As taxas de mortalidade entre os 35 e 64 anos de idade são 28% e 50%, respectivamente, das taxas para os mesmos grupos de idade da população californiana geral. Os adventistas vegetarianos possuem uma incidência significativamente inferior de doença coronária, diabetes, hipertensão, cânceres do cólon, bexiga e próstata e artrite do que os adventistas não vegetarianos, o que indica o papel determinante da dieta na redução do risco [20, 21]. Estudos sobre a mortalidade da maioria dos cânceres indicam taxas que são 50% a 70% mais baixas do que as da população em geral [22]. Os adventistas têm possivelmente a esperança de vida mais elevada de qualquer população descrita formalmente [23, 24].
“Exercícios e o não uso de substâncias nocivas como tabaco, álcool e drogas alteradoras de estado mental levam a mentes mais claras e escolhas sábias. Uma dieta vegetariana equilibrada que inclua legumes, grãos integrais, castanhas, frutas e verduras, junto a uma fonte de vitamina B12, irá promover uma saúde vigorosa” – o tipo de recomendação responsável
por uma das populações mais saudáveis do mundo
Uganda
A subsistência dos ugandeses, e de outros povos africanos, depende primordialmente de plantas. Os alimentos-base da dieta ugandesa são banana, batata-doce, mandioca, inhame, milho e verduras [25]. Consequentemente, em Uganda, a doença coronária é praticamente inexistente [25, 26]. Denis Burkitt, um médico proeminente, relata que durante seus 26 anos de prática na África Oriental, dos quais 20 passados em Uganda, o primeiro caso de doença coronária encontrado em 15 milhões de habitantes ocorreu num juiz do tipo psicossomático, obeso, que consumia semanalmente carne, manteiga, ovos e alimentos cozinhados com gordura animal [27]. Uganda também aparece como o país com a menor incidência de câncer colorretal [28] e sem um único caso de esclerose múltipla diagnosticado [29]. Com a média de 6,2 crianças por mulher, Uganda é a segunda taxa de natalidade mais elevada do mundo [30].
Quantidades generosas de feijões e ugali (farinha de milho)
mantêm a obesidade longe do povo ugandês
Projeto Blue Zones: descobrir os denominadores comuns das populações mais longevas do mundo
Confira um trecho da entrevista feita pelo repórter Simon Worrall, da revista National Geographic, com o idealizador do Blue Zones, Dan Buettner, publicada em 12 de abril de 2015.
A dieta é um ingrediente-chave. O que as pessoas estão comendo em Ikaria [uma ilha grega] que é tão benéfico para elas?
A dieta é a porta de entrada para uma boa saúde. Em Ikaria, eles comem uma variação da dieta mediterrânea. Eles comem muita batata, e seu consumo de feijões também é alto, mas talvez seus ingredientes mais interessantes sejam umas ervas comestíveis que eles chamam de 'horta', que são consumidas em saladas ou tortas. Essas ervas são o alimento mais associado ao envelhecimento saudável.
Outro "laboratório" onde você estudou foi Okinawa, no Japão. Quais os ingredientes-chaves para uma longa vida por lá?
As tendências gerais são as mesmas. A dieta deles é vegetariana, eles vivem em comunidades onde se anda a pé, suas vidas têm um propósito. Mas a dieta é obviamente bem diferente. Eles têm o maior consumo per capita de tofu no mundo, mas comem muito pouco peixe. Batatas-doces e cúrcuma são também dois interessantes alimentos da longevidade. Aproximadamente 60% da dieta das pessoas em Okinawa costumava ser batata-doce, que é rica em flavonoides e carboidratos complexos. A cúrcuma, o tempero amarelo usado no curry, tem sido associada a menores taxas de câncer e corações mais saudáveis.
Fiquei impressionado em saber que o denominador comum de todas as dietas do Blue Zones se resume em uma palavra: feijões.
Quando os norte-americanos buscam proteínas, tendem a buscar produtos de origem animal, que também contêm gorduras e diversos ingredientes tóxicos. As pessoas que mais comem carne nos EUA têm aproximadamente 70% maior índice de mortalidade em relação àquelas que comem pouca carne, além de quatro ou cinco vezes mais chances de desenvolver câncer. Um copo diário de feijão é, proteicamente falando, muito mais barato e isento de todos os ingredientes nocivos que vêm com a carne. O grande segredo que o Blue Zones nos oferece são maneiras de tornar o feijão gostoso. Se você for a qualquer restaurante renomado, os feijões acompanharão bife ou carne de porco. No Blue Zones, os esforços culinários são direcionados a algo como um ensopado de Ikaria, feito com feijão-fradinho, erva-doce e alho, tendo como toque final um maravilhoso azeite virgem de oliva. É realmente bom para o coração e o prato é repleto de longevidade.
As conclusões dietéticas são inequívocas: as populações mais saudáveis consomem plantas, não animais.
Referências
1 – William C. Roberts. The Cause of Atherosclerosis. Nutr Clin Pract. October 2008 vol. 23 no. 5 464-467.
2 – FAO Statisitc Division 2010, Food Balance Sheets / WHO Overweight Obesity 2008 http://www.who.int/gho/ncd/risk_factors/overweight/en/
3 – Awad AB, Begdache LA, Fink CS. Effect of sterols and fatty acids on growth and triglyceride accumulation in 3T3-L1 cells. J Nutr Biochem. 2000 Mar;11(3):153-8.
4 – Howard BV, Comuzzie A, Devereux RB, Ebbesson SO, Fabsitz RR, Howard WJ, Laston S, MacCluer JW. Cardiovascular disease prevalence and its relation to risk factors in Alaska Eskimos. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2010 Jun;20(5):350-8.
5 – Hansen JP, Hancke S, Møller-Petersen J. Atherosclerosis in native Greenlanders. An ultrasonographic investigation. Arctic Med Res. 1990 Jul;49(3):151-6.
6 – Lanier AP, Alberts SR. Cancers of the buccal cavity and pharynx in Circumpolar Inuit. Acta Oncol. 1996;35(5):545-52.
7 – McMahon BJ, Lanier AP, Wainwright RB. Hepatitis B and hepatocellular carcinoma in Eskimo/Inuit population. Int J Circumpolar Health. 1998;57 Suppl 1:414-9.
8 – Richard B. Mazess, Ph.D., and Warren Marher, B.S. Bone mineral content of North Alaskan Eskimos. The American Journal of Clinical Nutrition 27: September 1974, pp.916-925.
9 – E. Dewailly, P. Ayotte. Inuit exposure to organochlorines through the aquatic food chain in arctic québec. Environ Health Perspect. 1993 December; 101(7): 618–620.
10 – Joëlle Robert-Lamblin. Ammassalik, East Greenland – End Or Persistence of an Isolate?: Anthropological and Demographical Study on Change. Kommissionen for videnskabelige Undersogelser i Gronland, 1986.
11 – National Geographic Magazine June 1987.
12 – DW Rathbone, Kings College, London. Jens Peder Hart Hensen, The Greenland mummies, London, British Museum Press, 1991.
13 – George V. Mann, Anne Spoerry, Margarete Gary, Debra Jarashow. Atherosclerosis in the Masai. Am. J. Epidemiol. (1972) 95 (1): 26-37.
14 – P. Clifford. Carcinognes in the nose and throat: nasopharyngeal carcinoma in kenya. Proc R Soc Med. Aug 1972; 65(8): 682–686.
15 – Meat and Live Stock Digest. March 1932.
16 – The Physiological Basis of Medical Practice, 5th ed. Williams and Wilkins Co., Baltimore (p. 768).
17 – Okinawa Centenarian Study. http://www.okicent.org/
18 – Willcox BJ, Willcox DC, Todoriki H, Fujiyoshi A, Yano K, He Q, Curb JD, Suzuki M. Caloric restriction, the traditional Okinawan diet, and healthy aging: the diet of the world’s longest-lived people and its potential impact on morbidity and life span. Ann N Y Acad Sci. 2007 Oct;1114:434-55.
19 – Seventh DayAdventistChurch.org
20 – Phillips RL, Lemon FR, Beeson WL, Kuzma JW. Coronary heart disease mortality among Seventh-Day Adventists with differing dietary habits: a preliminary report. Am J Clin Nutr. 1978 Oct;31(10 Suppl):S191-S198.
21 – Fraser GE. Associations between diet and cancer, ischemic heart disease, and all-cause mortality in non-Hispanic white California Seventh-day Adventists. Am J Clin Nutr. 1999 Sep;70(3 Suppl):532S-538S.
22 – Phillips RL. Role of life-style and dietary habits in risk of cancer among seventh-day adventists. Cancer Res. 1975 Nov;35(11 Pt. 2):3513-22.
23 – Sergio Davinelli, D Craig Willcox, Giovanno Scapagnini. Extending healthy ageing: nutrient sensitive pathway and centenarian population. Immunity & Ageing. 2012, 9:9.
24 – Fraser GE, Shavlik DJ. Ten years of life: Is it a matter of choice? Arch Intern Med. 2001 Jul 9;161(13):1645-52.
25 – Shaper AG, Jones KW. Serum-cholesterol, diet, and coronary heart-disease in Africans and Asians in Uganda: 1959. Int J Epidemiol. 2012 Oct;41(5):1221-5.
26 – Wilbur A. Thomas, Jack N.P. Davies, Robert M. O’Neal, Amador A. Dimakulangan. Incidence of myocardial infarction correlated with venous and pulmonary thrombosis and embolism. A geographic study based on autopsies in Uganda, East Africa and St. Louis, U. S. A. The American Journal of Cardiology Volume 5, Issue 1, January 1960, Pages 41–47.
27 – Singh SA, Trowell HC. A case of coronary heart disease in an African. East Afr Med J. 1956 Oct;33(10):391-4.
28 – Denis P. Burkitt. Epidemiology of cancer of the colon and rectum. Cancer Volume 28, Issue 1, pages 3–13, July 1971.
29 – McCarty MF. Upregulation of lymphocyte apoptosis as a strategy for preventing and treating autoimmune disorders: a role for whole-food vegan diets, fish oil and dopamine agonists. Med Hypotheses. 2001 Aug;57(2):258-75.
30 – Unicef.org
Fonte: Compreender Nutrição
Fotos: Reprodução
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