Tolstói e o vegetarianismo - parte 2: O que Tolstói escreveu sobre o vegetarianismo

Liev Tolstói (à direita, de barba branca) em um almoço de família por volta de 1905
(Foto: Wikimedia Commons)



"Enquanto houver matadouros, haverá campos de batalha." A frase não vem de uma nova campanha da PETA, organização pelos direitos dos animais. Ela foi escrita há mais de 100 anos pelo russo Liev Tolstói, no livro O que Eu Acredito, de 1885, dedicado à sua interpretação pessoal do cristianismo.

No fim do século 19, aos 50 anos, depois de ter se tornado uma celebridade de seu tempo pela publicação de alguns dos romances mais cultuados da literatura mundial, o autor de Guerra e Paz e Anna Karenina decidiu deixar de comer carne. Nessa fase de sua vida, o vegetarianismo se tornou não só uma prática do escritor, como também um tema de reflexão e elaboração em seus textos.

O que Tolstói escreveu:

"Se um homem aspira a uma vida correta, seu primeiro ato de abstinência deve ser de ferir animais" (No ensaio O Primeiro Passo, de 1892)

"Um homem pode viver e ser saudável sem matar animais para comer; portanto, se ele come carne, ele toma parte em tirar a vida de um animal apenas para satisfazer seu apetite. E agir dessa forma é imoral" (Em Writings on Civil Disobedience and Nonviolence, de 1886)

"Isso é espantoso! Não o sofrimento e a morte dos animais, mas que as pessoas reprimam nelas mesmas, desnecessariamente, a capacidade espiritual mais elevada – de compaixão e piedade em relação a criaturas vivas como elas mesmas – e ao violar seus próprios sentimentos, se tornam cruéis" (No ensaio O Primeiro Passo, de 1892)

A razão da decisão

A mudança na dieta de Tolstói é parcialmente atribuída à proximidade com o positivista e vegetariano William Frey, segundo Sam Pavlenko, autor de um livro de receitas vegetarianas baseadas nas que foram deixadas pela família do escritor. Frey teria visitado Tolstói durante o outono de 1885.

Mas o vegetarianismo de Tolstói se insere em uma busca mais ampla por um modo de vida "elevado", resultante de uma crise espiritual vivida pelo escritor por volta de seus 50 anos.

Essa fase também marcou seus escritos, que se voltaram para a formulação de uma filosofia moral pacifista, cristã e vegetariana que ficou conhecida como "tolstoísmo". Contudo a transformação das soluções encontradas pelo escritor para suas inquietações pessoais em uma espécie de doutrina, seguida por vários de seus contemporâneos, o desgostava. "Falar em 'tolstoísmo', procurar orientação e indagar sobre minhas respostas para as questões é um erro grande e grosseiro", escreveu ele.

Tolstói passou a crer que a arte tem um componente religioso e deve tornar tanto o artista quanto o mundo melhores.

Ele adotou condutas que iam ao encontro da moral cristã, rejeitando, ao mesmo tempo, a institucionalização dessa espiritualidade pela Igreja - uma espécie de anarquismo cristão.

Nos últimos 25 anos de vida, o escritor produziu obras como Confissão (de 1879), que uma década após Guerra e Paz se concentrava em fazer uma autocrítica biográfica sobre fama e fortuna, motivações para escrever que passou a considerar equivocadas.

Receitas da família

A militância do escritor russo acabou influenciando também seus familiares: suas filhas e esposa, Sophia Andreevna, também aderiram ao vegetarianismo, segundo o site History Buff.

Sophia não só se tornou vegetariana como mantinha um diário com as receitas da família, que deu origem a um livro de receitas vegetarianas publicado em 1874, de surpresa, por seu irmão.

Entre as receitas, estão um bolo de café, uma torta vienense, cogumelos picantes e molho tártaro da família Tolstói.

As receitas também inspiraram o livro A Vegetarian’s Tale: Tolstoy’s Family Vegetarian Recipes Adapted for the Modern Kitchen ("Um Conto Vegetariano: Receitas Vegetarianas da Família Tolstói Adaptadas para a Cozinha Moderna", em tradução livre), com versões atualizadas das receitas e conversão das medidas russas.

Fonte: Nexo 

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