Muito além de javalis e jacarés: o retrocesso vergonhoso da causa animal no Brasil

    A foto é da organização norte-americana PETA, 
mas essa realidade está prestes a ser legalizada no Brasil




Por Paulo Furstenau*


2017 mal começou e a causa animal no Brasil já tem muita briga pela frente. 

Logo na primeira semana do ano, algumas das notícias foram:

- Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais (Sepda) do Rio de Janeiro é rebaixada a Subsecretaria; 

- Secretaria Especial dos Direitos Animais (Seda) de Porto Alegre (RS) é extinta e incorporada à Secretaria Municipal de Sustentabilidade (SMSu);

- Projeto de Lei 6.268/16 regulamenta a caça de animais silvestres;

- O primeiro frigorífico especializado na criação e abate de jacarés do estado de São Paulo será certificado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento. 


Protetores de animais da capital gaúcha disseram, durante a sessão que deliberou sobre a reforma administrativa, marcada por protestos, em 2 de janeiro, que se manterão vigilantes para garantir a continuidade dos serviços prestados pela Seda e continuarão a tentar o diálogo com o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior. 

No Rio de Janeiro, o governo de Marcelo Crivella afirma que, com a transferência para o gabinete do prefeito, a nova Subsecretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais irá gerenciar todas as ações relativas ao bem-estar dos animais, e que a população continuará contando com os serviços prestados. 

As prefeituras alegam que tomaram essas medidas com o objetivo de cortar custos para enfrentar a crise - em 14 capitais do Brasil, foram 104 Secretarias extintas. Mas nós, da causa animal, conseguimos enxergar apenas retrocesso e tememos que políticas públicas em favor dos direitos animais se tornem ainda mais escassas ou desrespeitadas. 

E o cenário nacional só corrobora os indícios de uma volta à Idade das Trevas para os animais no Brasil. O texto do PL 6.268/16 revoga a Lei de Proteção à Fauna (Lei 5.197/67), que proíbe o exercício da caça profissional, e retira da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) "o agravamento até o triplo da pena de detenção de seis meses a um ano, e multa, por matar, perseguir, caçar, apanhar ou utilizar animais sem licença se isso for feito durante caça profissional".

Órgãos ambientais poderiam ainda autorizar a criação de reservas próprias para caça de animais silvestres em propriedades privadas, desde que não estejam na lista de animais ameaçados de extinção. Ameaçados ou não de extinção, são vidas que poderiam ser eliminadas por esporte ou para comércio. Além disso, como seria feito o controle? A caça já ocorre mesmo sendo proibida; como será depois de liberada? Para nós, da Natureza em Forma, isso é só dar margem para as pessoas fazerem o que querem: matar os bichos. 

O autor da proposta, Valdir Colatto (da bancada ruralista, cabe destacar), argumentou que há espécies exóticas invasoras que oferecem risco ao ecossistema e precisam ser contidas, como o javali-europeu - há inclusive uma norma de 2013 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que libera a caça desse animal para controlar sua população. Atualmente, esse é o único animal com caça liberada pelo órgão ambiental.

Mas veja bem: javali-EUROPEU, espécie INVASORA. E como eles "invadiram" o Brasil? Houve uma grande promoção de passagem aérea e eles juntaram a manada toda, atravessaram o Atlântico e chegaram causando em nossas terras? Não. No início do século 20, eles foram trazidos da Europa para a Argentina e Uruguai para, claro, serem explorados. Escaparam dos criadouros e vieram para a região sul do Brasil. Décadas depois, em 1996, foi oficializada a importação do bicho para Rio de Janeiro e São Paulo. Para quê? Comércio de carne exótica. Ocorreram novas fugas e, em 2013, com uma densidade populacional fora de controle (leia-se: "praga") porque essa espécie não tem predadores naturais em território brasileiro, o Ibama autorizou a caça ao javali. Por quê? Porque ele estava ameaçando a biodiversidade e ecossistema no País (leia-se: alimentando-se de animais silvestres). 

Entendeu? O ser humano traz uma espécie animal de um país para o outro, com o único fim de explorá-la, esses animais escapam do confinamento e começam a se reproduzir descontroladamente e o ser humano passa a chamá-la de praga e autoriza sua caça porque esses animais estão se alimentando de animais silvestres - os mesmos animais silvestres cuja caça agora está autorizada! E a caça de animais silvestres está autorizada porque eles são uma praga e ameaça também? Não. Mas são divertidos de caçar e ainda rendem uma graninha para o ser humano. Por isso.

Pelo mesmo motivo - $$$ -, matadouros de jacarés começam a ser oficializados no Brasil. Sempre bom perguntar: o jacaré é uma praga como o javali? Não. De acordo com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, o Abatedouro de Pescado Aruman, na cidade de Porto Feliz, será o "primeiro frigorífico especializado na criação e abate de jacarés do estado de São Paulo". Ou seja, eles farão os jacarés se reproduzirem para que nasçam novos jacarés e sejam todos mortos. Para quê, mesmo? Segundo o site da Secretaria, a proposta do "estabelecimento" é "comercializar toda a produção no estado de São Paulo, que tem bastante demanda pela carne e pelo couro". Um dos proprietários do lugar, Ari Palomo Del Alamo, adiantou quais são os planos: "Vamos começar vendendo para butiques de carnes porque a produção ainda é baixa e ir expandindo com o tempo. Nosso foco hoje é desenvolver novos criadores para conseguir ter volume de produção". Sim, "volume de produção". Isso significa que o Ari Palomo, assim como outros seres humanos como ele, querem criar muitos e muitos jacarés para ganhar muito, muito dinheiro. Sim, faz lembrar algo, né? Isso mesmo: as vacas, as galinhas, os porcos, os peixes, os perus e todos os animais que são torturados e mortos diariamente, bilhões ao ano. 

Vale lembrar que a criação de jacarés não é algo novo, nem no mundo nem no Brasil. A foto no início desta postagem é de uma investigação da ONG norte-americana PETA sobre a crueldade contra crocodilos e jacarés na indústria do couro no Zimbábue, em 2015 (veja o vídeo aqui). Recentemente, no final de 2016, eles mostraram a mesma realidade brutal vivida por esses bichos no Vietnã (veja aqui). Ambos os vídeos mostram de onde vem o couro que abastece fábricas de grifes como Hermès Birkin e Louis Vuitton, que transformam a pele desses animais em artigos de luxo como bolsas e carteiras. O Brasil já tem 15 criadouros de jacaré em funcionamento. O fato novo aqui é que agora a crueldade é "certificada" pelas autoridades e licenciada por órgãos como Ibama e Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Para quê, mesmo? Para alimentar seres humanos que não são carnívoros, mas acreditam que são, e também alimentar seu consumismo fútil. Porque galinhas e outros bichos podem até ser acessíveis financeiramente para grande parte da população que se crê o topo da cadeia alimentar. Mas jacarés? Sua carne certamente não será servida no Bom Prato e sua pele com certeza não será a matéria-prima das bolsas vendidas nas grandes lojas de departamento. Os bolsos dos "empresários" que os criam - e dos órgãos "competentes" que lhes amparam - ficarão recheados. 

A mesma ganância levou, em novembro do ano passado, um governo a passar por cima da Constituição Federal, do Supremo Tribunal Federal (STF), de Ministérios Públicos, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), da Associação Brasileira de Medicina Veterinária Legal (ABMVL), da Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) e da vontade da maioria da população brasileira (ignorada na consulta pública aberta pelo próprio Senado) para legalizar maus-tratos contra os animais na forma da Lei 13.364 (originada pelo PLC 24/2016), que "eleva o rodeio, a vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial".

Quanto a essa insanidade, nós, da Natureza em Forma, e mais 22 organizações da causa animal de todo o Brasil, a partir de iniciativa da ONG parceira Veddas, assinamos uma ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) contra a PEC 50 e uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) contra o PLC 24. É nossa última esperança para reverter esse golpe abjeto contra os animais. Mas Brasília ainda está em recesso...

Sobre o Projeto de Lei 6.268/16, que regulamenta a caça de animais silvestres, a ONG 269Life Nordeste criou uma petição on-line dirigida ao Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Ibama, deputados federais e senador Romero Jucá (líder do Governo no Congresso), pedindo que não aprovem o PL. No texto do abaixo-assinado, a ONG lembra ainda outro importante aspecto: "A crueldade da matança estende-se não só a esses animais [silvestres], como também aos cães, que estão sendo criados para matar esses animais silvestres - muitos cachorros morrem durante a caçada ou são abandonados pelos caçadores por não terem mais utilidade".

No mesmo site, uma defensora dos animais criou outra petição, pedindo que não seja concedido o laudo de funcionamento para o matadouro de jacarés em Porto Feliz. O abaixo-assinado será encaminhado para a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo; Ministério Público de São Paulo; Secretaria da Casa Civil; Secretaria do Meio Ambiente; governador de São Paulo, Geraldo Alckmin; presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), Fernando Capez;  defensor público-geral do estado de São Paulo, Davi Eduardo Depiné Filho; procurador-geral de Justiça do estado de São Paulo, Gianpaolo Poggio Smanio; líder do Partido Verde (PV) na Alesp, Roberto Tripoli; e deputados estaduais.

Sim, 2017 está começando com muito trabalho para nós, da causa animal. Nunca desistiremos. Mas não somente nós - que somos ONGs, ativistas, protetores - podemos lutar. Você também gosta de animais e se indignou com as notícias que leu nesta postagem? Sentiu-se impotente diante de tanta barbaridade que estão fazendo contra essas criaturas que não têm voz para brigar por seus direitos? Pois saiba que você também pode tomar várias atitudes simples, mas que farão grande diferença, pelos animais.

Claudia, uma de nossas gatas para adoção,
parece estar se perguntando: "Que país é este?"
(Foto: Natureza em Forma / Divulgação)


E o que você pode fazer?

Muito: 

- Comece assinando e compartilhando as petições que citamos. Para assinar contra a caça de animais silvestres, clique aqui; contra a criação oficial do primeiro matadouro de jacarés do estado de São Paulo, clique aqui

- Nunca compre animais. Adote! Leia aqui matérias sobre a realidade por trás do comércio de animais de estimação.

- Nunca, jamais, abandone seu animal. Quando for adotar, tenha em mente que ele poderá ficar doente ou deficiente e certamente ficará velho. E aconteça o que acontecer, você deve estar ao lado dele e dar os melhores cuidados até o fim de sua vida. E você pode inclusive adotar um animal que já seja doente, deficiente ou idoso! Leia aqui textos sobre animais especiais.

- Castre seu animal: ele estará menos sujeito a doenças, fugir de casa e aumentar a população de animais de rua. Além disso, quando um animal é castrado ainda jovem, sua vida é prolongada em pelo menos dois anos por não haver interferência hormonal (leia mais aqui sobre castração). Não descuide das datas de novas aplicações de vacinas e vermífugos e leve-o regularmente ao veterinário. Mantenha-o em local seguro para não fugir (mas NUNCA acorrente seu cachorro; quanto aos gatos, devem permanecer dentro de casa, com janelas teladas). E se, por um incidente, acontecer uma fuga, será muito mais fácil reencontrar seu animal se ele estiver identificado. Passeie com seu cachorro de duas a três vezes por dia (sempre com a guia) e brinque sempre com seu animal!

- Adote cães e gatos. Mas papagaio, arara, tucano, tartaruga, jabuti, cobra, lagarto, maritaca, macaco, coruja, canário-da terra são animais que devem viver em seu habitat natural e não em gaiolas e outros ambientes fechados (mesmo que um apartamento inteiro). Não financie o tráfico de animais - para cada 10 bichos traficados, nove morrem, de acordo com a Associação Mata Ciliar. Animal silvestre não é pet!

- Não frequente locais que exploram animais como "entretenimento": rodeios, vaquejadas, zoológicos, circos, aquários etc. Muitas pessoas desconhecem a crueldade por trás de algumas "atrações" que usam animais e acabam tornando-se cúmplices desses maus-tratos ao frequentá-las - principalmente durante viagens -, pagando ingresso e, com isso, financiando essa barbárie. Você pode fazer muito pelos animais simplesmente boicotando esses lugares (e falando a respeito para todos os seus conhecidos). Saiba mais aqui sobre o assunto.

- Não use couro ou qualquer outro tecido (lã, pele, seda) arrancado do corpo de animais. Se você viu os vídeos que indicamos acima sobre a indústria do couro de jacarés, já tem uma ideia do porquê.

- Não coma animais. Por que amar uns e comer outros? Adotar uma dieta vegetariana pode parecer difícil para quem comeu carne a vida inteira, mas, acredite, é perfeitamente possível e viável. Recomendamos, em primeiro lugar, que você assista ao filme Terráqueos, narrado pelo ator Joachin Phoenix, que mostra a realidade da indústria não apenas da carne, mas de tudo o que falamos nesta postagem: couro, "entretenimento", comércio de animais etc.

A Carne É Fraca, produzido pelo Instituto Nina Rosa, é outro documentário, nacional, que foca a indústria da carne e derruba ainda os argumentos falaciosos de "bem-estar" animal e "abate humanitário". Estes são termos empregados pela indústria para fazer o consumidor acreditar que os animais que está comendo tiveram uma vida linda em uma idílica fazendinha até que foram gentilmente convidados a adentrar os portões do Paraíso. Veja o filme, todo gravado em locais que se orgulham em alardear que praticam "abate humanitário" (expressão que já é em si mesma um completo contrassenso) e imagine como é onde não existe "humanitarismo" - entenda também um pouco melhor o "bem-estarismo" aqui. 

E existem muitos outros filmes, mas comece por esses. Se você REALMENTE gosta de animais, não apenas de cães e gatos, se dará conta de como vivia alheio ao sofrimento extremo e dor a que essas criaturas inocentes passam todos os dias, sob as mais diversas formas. É o primeiro passo para a maior e melhor mudança da sua vida. 

Depois, aprenda com quem já vive esse estilo de vida: pergunte, pesquise. Use as redes sociais para expandir seu conhecimento sobre vários assuntos, inclusive esse, que é vital para você e um imensurável número de vidas. Há diversos grupos sobre o tema no Facebook. Listamos abaixo alguns deles:

VegAjuda - Veganismo disponibiliza um tópico fixo com uma lista de produtos (não só para alimentação) livres de crueldade animal e oferece sempre diversas dicas para iniciantes e "veteranos";

Veganismo é um dos maiores grupos sobre o tema no Facebook, com quase 50 mil membros sempre compartilhando experiências e tirando dúvidas;

Veganismo Popular e Veganos Pobres Brasil desmitificam a ideia de que veganismo é caro. É perfeitamente viável seguir uma alimentação diária sem crueldade animal e sem maltratar o bolso;

Musculação Vegana é voltado para os praticantes de atividades físicas. Nele, você pode ver como é preconceituosa e errada a ideia que algumas pessoas tentam propagar, de que vegetarianos estritos são fracos fisicamente (muito pelo contrário, são mais fortes e saudáveis). O grupo oferece diversas dicas de alimentação e suplementação vegana.

Existem ainda sites e blogues com deliciosas receitas veganas, simples e baratas de fazer. Acesse aqui uma lista com dezenas deles, além dos tradicionais livros de receitas. 

Já a Revista dos Vegetarianos é uma publicação mensal (impressa e on-line) com excelente conteúdo que vai bem além de receitas, focando a saúde como um todo. 

Mapa Vegano lista diversos estabelecimentos em todo o Brasil, abrangendo produtos e serviços de alimentos e bebidas, higiene e beleza, roupas e acessórios, ONGs e outros. 

Informe-se sempre! Aqui mesmo em nosso blogue, publicamos diariamente matérias sobre veganismo x indústria da carne (e do leite, ovos etc.). Leia também em outras fontes, converse com outros veganos e vegetarianos (mesmo que você não conheça pessoalmente, como nos grupos indicados acima) e veja de que lado é o certo ficar. Mas já saiba desde o começo que abraçar o veganismo é uma mudança e tanto, que fará um imenso bem para você, para os animais e para o planeta.

Não existe diferença. Todos têm direito a uma vida livre e digna, sem sofrimento ou exploração (Montagem da Mercy for Animals sobre fotos de Mark Hintsa e Ryan Hyde)




*Paulo Furstenau é jornalista voluntário da Associação Natureza em Forma

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