É hora de rever os mitos sobre a saúde e a nutrição de veganos


Por Débora Stolnik*


Segundo dados do Ibope, 15,2 milhões de brasileiros se declararam vegetarianos em 2012, o que equivale a 8% da população. Pelo aumento da demanda por produtos e serviços no segmento, repercutido pela Associação Brasileira de Supermercados (1), é provável que esse número continue crescendo expressivamente. Nesse contexto, o veganismo surge como um estilo de vida que busca excluir todas as formas de exploração dos animais – seja para alimentação, vestuário, diversão ou qualquer finalidade. Costuma-se dizer que a parte mais difícil de ser vegano não é mudar a dieta, mas lidar com o desconhecimento geral sobre o assunto, associado ao preconceito e à intolerância.

Culturalmente, é ensinado que comer carne, leite e ovos é normal e necessário. A escravidão, por mais de 300 anos no Brasil, também foi considerada normal e necessária, e isso mostra que a sociedade muda sua percepção da realidade ao longo do tempo. Não é porque todos fazem que está certo, e não é porque sempre foi feito de uma maneira que deve continuar assim.

Do extremo onívoro ao extremo vegano, ambos podem ter bons ou maus hábitos alimentares. A intenção aqui não é julgar o livre arbítrio de cada um, mas informar que a alimentação vegetariana é uma alternativa completa, saborosa e diversificada, capaz de causar menos sofrimento aos animais e reduzir o impacto ambiental. Atualmente, existem restaurantes, fast foods, lojas de roupas e cosméticos, açougues, fisiculturistas, supermercados 100% veganos e, portanto, não há mais espaço para a propagação de ideias equivocadas.

Não podemos utilizar veganos que não seguem uma alimentação saudável – e que eventualmente desenvolvem alguma complicação – como exemplo de que a dieta vegetariana seja um fracasso. Falta orientação nutricional adequada. Reside aí um problema frequente de pessoas que desejam planejar sua dieta com um profissional da saúde, pois muitos médicos e nutricionistas nunca estudaram de fato o assunto. Relatos de pacientes sobre o que ouviram durante a consulta, como "a proteína animal é essencial para a saúde", "você terá imunidade baixa", "você terá deficiência de ferro e vitamina B12", "coma apenas ovos e peixes então, não seja tão radical", "grávida e vegana, você quer matar seu bebê?", são comuns. Essa atitude precisa ser questionada. O profissional não deve se valer de sua opinião pessoal para tomar condutas em relação ao hábito de vida de um paciente, mas orientá-lo conforme evidências, respeitando sua individualidade. Há também necessidade de melhorar a formação nesse aspecto, de as universidades abordarem de forma mais completa a nutrição humana – base importante para termos qualidade de vida, longevidade, e para prevenir doenças em longo prazo.

Países como Austrália (4), Canadá (5), Inglaterra (6) e até mesmo o Brasil (7) incluem em seus guias alimentares a dieta vegetariana estrita como sendo válida. No Guia Alimentar para a População Brasileira de 2014, consta, inclusive, que produtos de origem animal não são imprescindíveis para uma alimentação saudável.

A American Dietetic Association (ADA) (8), em 2009, afirmou que uma dieta vegetariana estrita bem planejada é saudável, nutricionalmente adequada e pode oferecer benefícios para a saúde e até prevenir e tratar certas doenças; é apropriada para indivíduos durante todos os estágios da vida, incluindo gestação, lactação, infância, adolescência e atletas. Segundo a entidade, o vegetarianismo estrito está associado a menor risco de doenças cardiovasculares, hipertensão e diabetes tipo 2. Seus adeptos tendem a ter menos colesterol e gordura saturada e maiores níveis de fibras alimentares, magnésio, potássio, vitaminas C e E, folato, carotenoides, flavonoides e outros fitoquímicos (substâncias antioxidantes).

Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (9) declarou que a carne vermelha provavelmente esteja associada a câncer em humanos, e que carnes processadas (presunto, bacon, salsicha, peito de peru) são carcinogênicas, ou seja, há evidências de que sejam fator de risco certo para câncer (principalmente colorretal). Acredita-se que em torno de 34 mil mortes por câncer no mundo sejam atribuídas a dietas ricas em carne processada. Estima-se ainda que para cada 50 gramas de carne processada consumida diariamente, o risco de câncer colorretal aumente em 18%.

A Universidade de Harvard (10) questiona o pensamento tradicional de que maior consumo de leite significa ossos mais fortes. Não existe consenso sobre o consumo de leite ser benéfico ou prejudicial - o que se sabe até então é que ingestão adequada de cálcio (independentemente da fonte), atividade física e exposição solar são importantes para a manutenção da saúde óssea. Inclusive, estudos como o EPIC-Oxford mostraram evidências de que o risco de fratura entre vegetarianos foi similar ao de onívoros. Segundo publicação da universidade inglesa, o leite talvez nem seja a melhor opção para todos por conta da intolerância à lactose, do alto conteúdo de gordura saturada e da possibilidade de relação com cânceres de ovário e de próstata.

Percebe-se que muitos conceitos têm de ser revistos. Ainda não existem pesquisas que digam exatamente como a dieta vegetariana influencia a saúde em longo prazo, mas estudos como o EPIC-Oxford, Adventist Health Study, Nurses’ Health Study e The China Study vêm trazendo pistas sobre os benefícios de uma alimentação baseada em vegetais. Essa tendência merece ser valorizada e estudada em prol da nossa saúde e de um mundo melhor para todos, onde tratemos uns aos outros com respeito e dignidade, mesmo quando há divergência de pensamento.


Referências:














* Débora Stolnik, médica formada pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre




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