A estratégia do dedo na cara é um tiro no pé da conscientização vegetariana


Imagem antipedagógica em circulação no Facebook literalmente deda a cara dos onívoros, causando-lhes mais repulsa contra vegetarianos do que consciência da necessidade de abandonar os alimentos de origem animal. Fotomontagem: Divulgação


A imagem acima, em circulação no Facebookresume aquilo que se deve evitar em termos de conscientização de onívoros em torno do assunto Alimentação e Ética. Ela traz literalmente um dedo apontado à cara do leitor, perguntando “Você come carne?” e dizendo em seguida, com muitas imagens de atrocidades em granjas industriais e matadouros, “Então saibas que és responsável pela morte desses animais e pela forma que são tratados em vida”. É uma estratégia que atira no pé do movimento veg(etari)ano e cria mais repulsa da parte dos onívoros do que interesse pela nossa causa.
Essa é aquela que eu chamo “estratégia do dedo na cara”, em que se faz o que a figura mencionada faz: apontar o dedo na cara dos onívoros; estigmatizá-los; chamá-los ou insinuar-lhes o atributo de cúmplices ou coautores do crime de crueldade contra animais; imputar-lhes a imoralidade, o caráter desviado, a responsabilidade direta; plantar-lhes a culpa e a vergonha.
Inocentemente essa tática tenta convencer os consumidores de carne de que sua alimentação precisa ser repensada e, assim, formar novos vegetarianos. Mas a consequência prática não é nada que corresponda à expectativa dos donos dos indicadores em riste. Ao invés de conquistar mais pessoas para a ideologia dos Direitos Animais, ela tende a repelir os onívoros que leem a pérola autoritária.
Isso porque é natural que as pessoas, ao serem dedadas no rosto e submetidas a acusações cuja lógica não compreendem plenamente, se sintam muito menos esclarecidas e conscientizadas do que ofendidas, agredidas e discriminadas. É ligeiramente similar a cristãos acusarem pessoas sem religião de “pecadores”, “imorais” e “condenados ao inferno por não aceitarem Jesus” a partir de uma lógica que só faz sentido aos olhos da cristandade.
Acusar, dedar a cara, chamar implícita ou explicitamente de imoral e criminoso não são meios de educar ninguém. Naturalmente a consequência, ao interlocutor, desse meio de tentar divulgar o vegetarianismo será a autodefesa, a rejeição à ideia apresentada, a reação irada, o questionamento do temperamento do “conscientizador”. Em outras palavras, isso formará novos reacionários, e não vegetarianos. Vai formar pessoas que generalizam a todos os veg(etari)anos os defeitos de alguns, como a arrogância, o autoritarismo, o proselitismo ofensivo, a sensação de superioridade sobre os onívoros e a antidiplomacia, e por tabela os odeiam.
Que o digam muitos lacto e ovolactovegetarianos, que são pressionados e mesmo hostilizados por alguns veganos que querem que parem logo de consumir alimentos de origem animal. Embora haja talvez bastantes deles a divulgar a imagem aqui criticada, detestariam ser alvo de um dedo-na-cara por parte de veganos. Odiariam ser acusados de cumplicidade com o abate de vacas leiteiras aposentadas, bezerros, galinhas retiradas da “linha de produção” de ovos e pintinhos machos e com o confinamento de fêmeas tratadas como máquinas de produção. Isso poderia fazê-los desistir do veganismo, por lhes inspirar a impressão de que este induziria aos adeptos a arrogância.
Figuras como essa, que tentam conscientizar de maneiras nada adequadas, deveriam ser tanto evitadas como criticadas – nesse último caso, pelo lado onívoro e pelos veg(etari)anos que discordam de seu uso. Elas fazem mais mal – para os dois lados e também para os animais não humanos – do que bem. Descartadas elas, o novo caminho a ser adotado é o da diplomacia, do questionamento, da didática, da compreensão dos motivos do outro lado para ainda comer carne e do trabalho dialético em cima desses motivos.

Um comentário:

  1. Concordo plenamente. Frequentemente vejo campanhas tão equivocadas que visam difundir o vegetarianismo e o veganismo, que imagino que o único resultado possível seja a repulsa por tais posturas. Ninguém que come carne se sente responsável pela morte e pelo sofrimento dos animais, simplesmente porque não vê nisso nada de anormal e não tem a mínima consciência dos horrores de um matadouro ou de uma granja. A conscientização necessária para tal fim pode ser lenta e se estabelecer de maneira diferente para cada pessoa. Por isso, acredito que uma postura mais respeitosa em relação aos optam por comer carne, pode se transformar num caminho mais fácil para para atingi-los.

    ResponderExcluir