Uma vida presa a correntes só para turista ver e tocar


Eles passam uma vida inteira acorrentados. São centenas de animais selvagens fechados em centenas de jaulas que só se abrem para deixar entrar milhões de turistas, todos os anos. Estes, na maior parte das vezes, só procuram uma fotografia lado a lado com um tigre ou um crocodilo gigante, em cima de um elefante ou com um macaco engraçado pousado no ombro. De fora do quadro de férias, ficam, quase sempre, as correntes de metal.

A menos que atrás da câmara fotográfica esteja Louis Supple, o fotógrafo britânico de 24 anos que assina a série Life in Chains ("Vida em correntes"), um olhar crítico sobre a indústria de turismo de vida (outrora) selvagem. Na Tailândia, onde começou o projeto fotográfico, vende-se “sofrimento” por “puro entretenimento”. “Acredito profundamente que as condições em que os animais são mantidos contribuem para o deterioramento de sua saúde física e mental”, declara.

Pedimos-lhe que relatasse a pior situação que presenciou nos zoos e atrações turísticas onde esteve. Supple adjetiva todas elas, sem exceção, como “cruéis”, “bárbaras”, “chocantes”. Não consegue, por exemplo, esquecer a jaula que guardava um crocodilo com uma cauda deformada, muito menos desenvolvida do que o resto do corpo. “Ali, não tinha espaço suficiente para crescer de forma correta”, explica. “Saber que isso é o dia a dia dessas criaturas até o dia em que morrem é algo extremamente angustiante.” 


Já para os turistas que compram bilhete para assistir a espetáculos de circo, para entrar nos zoos, para andar em cima de um elefante, para ver tigres fazendo truques, é “apenas um dia de passeio”, uma “nova experiência”. Entram e saem quando assim desejarem. “Se continuarem a procurar esses serviços, eles vão continuar a ser oferecidos”, alerta Supple. “As pessoas têm de começar a se responsabilizar por aquilo que pagam”, espera, acrescentando que foi “emocionalmente difícil” fotografar alguns dos momentos que descreve como “cenários de exploração”.

Em alguns casos, os locais e agentes turísticos alegam que parte do valor pago é empregada na conservação da vida selvagem, o que não é verdade. Em 2016, as histórias de maus-tratos no Templo dos Tigres, uma das então maiores atrações turísticas da Tailândia, mantida por monges budistas que cobravam 17 euros por entrada, tornaram-se públicas. Lá, podia-se passear com tigres com uma coleira ou pegar os filhotes no colo. Após uma longa lista de denúncias e uma investigação, o Departamento de Parques Nacionais tailandês resgatou 137 tigres vivos. Dentro de um congelador industrial, encontraram 40 filhotes. Havia mais 20 dentro de frascos.


Mais recentemente, no final de agosto, o jardim zoológico Khao Kheow, também na Tailândia, foi alvo de críticas por obrigar elefantes a nadar num tanque. O vídeo da atividade foi partilhado pelo portal World Animal News (veja aqui). O diretor do zoo disse ao Khaosod English, um jornal diário tailandês, que considera isso “um exercício” que, ao mesmo tempo, permite que os visitantes aprendam mais sobre seu comportamento”. Isso acontece duas vezes por dia, desde 2016.

Desde dezembro passado [2017], o próprio Instagram condena pesquisas por hashtags que possam estar associadas a “crueldade com os animais” e “venda de animais em risco de extinção”. “Você está procurando uma hashtag que pode estar associada a publicações que estimulam comportamentos prejudiciais aos animais ou ao meio ambiente”, lê-se, num aviso que surge ao procurar por tags como #tigerselfie ou #koalaselfie*.

Logo na primeira viagem que fez sozinho à Ásia, Supple descobriu o lugar onde uma dessas empresas (extremamente lucrativas) mantinha, não tigres, mas elefantes. Os dois gigantes estavam presos por uma “corrente minúscula” a um poste. Metros à frente, um grupo de turistas passeava alegremente em cima de outros espécimes, todos “com um ar inconfundível de tristeza”. Esse contraste despertou-o para o “verdadeiro impacto do turismo de vida selvagem”.


Além do projeto fotografado ao longo de oito semanas no Sudeste Asiático - para onde planeja voltar em 2019, para “tentar compreender melhor as causas e consequências” desse tipo de negócio, explorando a ligação com as redes sociais -, Louis Supple já mergulhou no tema da sopa de plástico e da caça furtiva. “Não vejo melhor altura do que esta para usar a fotografia como forma de chamar a atenção para questões ambientais importantes”, diz. Para o fotojornalista, uma câmera pode ser uma ferramenta “inigualável” a serviço da conservação da vida selvagem e do planeta. Por isso, optou por se licenciar em história da fotografia marinha e natural, na Universidade de Falmouth, do Reino Unido. Em 2015, foi eleito pelo jornal britânico The Guardian como o estudante de fotografia do ano.

Nesse projeto, Supple propõe um olhar a partir de dentro da jaula. “Façam uma pesquisa independente e olhem para as condições onde esses animais vivem”, sugere. “Em muitos casos, essas criaturas suportam uma vida de tortura. E, independentemente do tamanho, espécie ou suposta inteligência, isso é inaceitável.”









Fonte: Público

Fotos: Louis Supple


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