Limpeza sangrenta: a verdade sobre a matança de cães e gatos para a Copa na Rússia

Cartaz de campanha pelos animais de rua na Rússia (Imagem: Reprodução)


Diversas reportagens vêm, desde o ano passado, denunciando uma suposta matança de cães e gatos de rua na Rússia. Os animais estariam sendo assassinados indiscriminadamente para “limpar” o país para a Copa do Mundo. 

Com o intuito de ir mais a fundo na questão, o Uol Esporte pesquisou documentos oficiais, conversou com ativistas de direitos dos animais envolvidos com o caso e concluiu: é difícil saber o tamanho do massacre, mas que está acontecendo, está.

Uma das primeiras reportagens a trazer evidências concretas sobre o extermínio foi publicada pelo The Moscow Times em abril. Nela, é revelado que a prefeitura de Ecaterimburgo, uma das cidades-sede, pagou o equivalente a cerca de 530 mil dólares para que uma empresa capturasse 4.600 cachorros de rua. Pelo contrato, segundo o jornal, 4.050 deles deveriam ser mantidos em abrigos por 10 a 14 dias. Se ninguém viesse buscá-los, sofreriam eutanásia.

Faturas de serviços emitidas pela empresa nos dias 22 de fevereiro e 23 de março deram conta de 900 cães capturados e 654 mortos. 

Petição on-line já tem quase dois milhões de assinaturas

A matéria também conta a história de pessoas que tiveram cães envenenados. Larisa Dudaryonok, por exemplo, viu um homem se escondendo no escuro quando chegava em casa em novembro passado. Ela mantém um abrigo em Rostov, onde o Brasil jogará sua primeira partida, e encontrou sua cadela Ryzhka agonizando. Havia sido envenenada, provavelmente com um remédio para tuberculose, muitas vezes usado para matar animais. Ryzhka só sobreviveu porque Larisa, precavida, tinha o antídoto.

Contatada pelo Uol Esporte, a empresa em Ecaterimburgo respondeu apenas que as questões deveriam ser enviadas, em uma carta oficial, à prefeitura da cidade. Já a Basya Service, outra empresa do tipo, questionou o The Moscow Times sobre o porquê de “estarmos preocupados com cães quando deveríamos nos preocupar com pessoas”. Faturas emitidas pela Basya em março registram pelo menos 58 cães mortos pela empresa.

A situação dos cachorros e gatos de rua na Rússia levou à criação de uma petição on-line pelo fim da matança. “Stop Killing Homeless Animals in Russia! Stop Bloody FIFA 2018! (Parem de matar animais de rua na Rússia! Parem a sangrenta FIFA 2018!)”, hospedada no site Change.org, tem quase dois milhões de assinaturas hoje (2/6/2018). De acordo com a petição, as cidades-sede receberam US$ 1,95 milhão (cerca de R$ 7 milhões) para criar “esquadrões da morte” de animais.

O movimento pelos bichos de rua na Rússia tem um grupo no Facebook com quase três mil membros. Nele, são postados diariamente notícias, documentos, vídeos e fotos relacionados à questão. Os ativistas criaram também um perfil no Instagram, atualmente (2/6/2018) com mais de 20 mil seguidores.

A pedido do Uol Esporte, uma das integrantes do grupo, a ativista russa Ann Kalafat, enviou documentos e fotos que comprovariam o que ela diz ser um massacre de animais de grandes proporções em andamento no país da Copa.

Ann enviou quatro fotos que mostram cães barbaramente mortos. Três aparecem sangrando, mutilados e com perfurações, enquanto uma imagem mostra o corpo de um cão boiando no que parece ser um rio. Há também um vídeo de dois cachorros supostamente envenenados convulsionando até a morte. 

Fifa se diz atenta ao bem-estar dos animais

“Neste exato momento, centenas de cães e gatos estão sendo mortos em cidades russas. É um ´processo de limpeza` exigido pela Fifa para ´garantir a segurança` dos atletas e torcedores que chegarão para a Copa do Mundo”, diz a ativista.

“Temos entrado em contato com a Fifa desde novembro, informando que não há lei de proteção aos animais na Rússia e sistemas de abrigos em todas as regiões. Ou seja, não há como realocar centenas de animais. Eles serão simplesmente condenados à morte porque o governo irá contratar empresas de controle de pestes para eliminá-los”, explica Ann.

De fato, não é a primeira acusação do tipo feita contra autoridades russas. Durante as Olimpíadas de Inverno de Sochi, em 2014, várias reportagens relataram uma situação idêntica.

Ann afirma que milhares de mensagens foram enviadas, de diversos países, questionando a Fifa sobre o problema, mas só receberam de volta uma resposta padrão praticamente isentando a entidade de responsabilidade. Ao Uol Esporte, a Fifa respondeu dizendo que "de modo algum compactua com o tratamento cruel de animais selvagens e de rua". 

O e-mail afirma ainda que a entidade, junto com o Comitê Organizador Local, fez “uma análise legal da legislação russa e do gerenciamento de animais de rua em cada cidade-sede” e “está em contato com elas para garantir o emprego das medidas adequadas e o bem-estar da população animal”. 

Ativistas protestam na Finlândia; várias empresas russas receberam 
dinheiro público para matar animais (Foto: Divulgação)


Vinte milhões de rublos para "limpar" as ruas

A legislação russa, na verdade, até tem um item sobre crueldade com animais. O artigo 245 do código criminal local prevê pagamento de multa de no mínimo 80 mil rublos (em torno de R$ 4,7 mil), trabalho comunitário por pelo menos 360 horas e um ano de prisão.

A lei, entretanto, tem pouco efeito prático, diz o The Moscow Times. O jornal lembra o caso de dois adolescentes da região de Khabarovsk, que desmembraram filhotes e postaram as fotos na internet em 2016. Apesar da comoção nacional, eles não foram punidos.

“Aparentemente, é mais importante para o Infantino (presidente da Fifa) encher os bolsos de dinheiro do que prevenir mortes horríveis e desnecessárias de centenas de milhares de animais de rua”, diz Ann. Ela compartilhou com o Uol Esporte documentos traduzidos para o inglês que mostram quanto algumas empresas receberam. 

São seis contratos, com valores que vão de 81.594 rublos (R$ 4,8 mil) a 20 milhões de rublos (R$ 1,18 milhão), firmados com companhias de diferentes cidades para a realização da “limpeza”. Alguns deles mencionam de forma indireta a eutanásia dos animais, falando em “destruição do resíduo biológico”, enquanto outros contratos mencionam expressamente a “destruição” e “eutanásia” de animais.

No momento, sete entidades de proteção animal de cinco países estão envolvidas no movimento contra a morte de cães na Rússia. São organizações da França, Itália, Alemanha, Estados Unidos e Espanha. Teresa Enke, que comanda uma fundação em homenagem ao seu ex-marido, Robert Enke, goleiro alemão que se suicidou em 2009, também tem participado ativamente da campanha.

Marrocos já tem campanha contra matança

E não é só a situação dos animais de rua na Rússia que tem mobilizado os ativistas. Eles alegam que no Marrocos, candidato a sediar a Copa de 2026, já está em andamento o mesmo tipo de movimento. Já há inclusive uma página no Facebook destinada ao problema, com postagens falando em “massacre”.

Outra ativista na linha de frente pelos animais, Ekaterina Dmitrieva reclama que, apesar de toda a mobilização, o grupo não conseguiu nenhum resultado até agora. Ela conta que procuradores de justiça chegaram a encaminhar suas denúncias para as regiões onde a matança ocorre, mas receberam respostas dizendo que “não há violação da lei”.

“Não tivemos nenhum resultado até o momento. Agora não ouvimos sequer promessas por parte do governo. Parece que não existimos”, diz Ekaterina.

Fonte: Uol Esporte 

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