Maus-tratos a animais indicam violência doméstica, defendem especialistas


Um vídeo produzido pela ONG norte-americana Spot Abuse, dedicada ao combate à violência doméstica mostrando a relação com a violência animal, revela que, nos Estados Unidos, 76% das pessoas que praticam abusos contra animais também abusam membros da família. 

Foi com esse dado preocupante que a vereadora Fabiane Rosa (PSDC) abriu a audiência pública realizada em 15 de março [2018] na Câmara Municipal de Curitiba, que discutiu os maus-tratos aos animais domésticos como indicador da violência no ambiente familiar.

O foco do debate foi a sensibilização de órgãos de segurança pública e comunidade em geral para um assunto atual e de extrema importância. “É uma preocupação minha como mulher, como mãe, como protetora [de animais]”, destacou a vereadora, que trouxe pesquisas, feitas nos EUA e no Brasil, que reforçam a relação entre maus-tratos aos animais e a violência doméstica.

“Eu fui testemunha de que, às três horas da manhã, uma mulher me chamou desesperada, por um aplicativo de mensagens, dizendo que o marido estava espancando os cães. Naquele ‘grito’, percebi que ela queria me dizer que a próxima seria ela. Isso faz alguns anos, mas me fez perceber que devemos ter esse olhar sobre os maus-tratos a animais como indicativo da violência doméstica”, contou*.

“Dados de um levantamento feito em 11 cidades metropolitanas de São Paulo indicam que entre 71% e 83% das mulheres que entram em abrigos de violência doméstica relataram que seus parceiros também abusaram ou mataram o animal de estimação da família”, complementou Fabiane Rosa. A vereadora adiantou na audiência que protocolou projeto de lei que pretende alterar a lei que instituiu a Patrulha Maria da Penha em Curitiba.

Representando o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), a desembargadora Lenice Bodstein, da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, disse que é possível relacionar diferentes formas de violência contra os animais domésticos aos tipos de violência contra a mulher caracterizados pela Lei Maria da Penha – física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Para ela, é preciso que a legislação possa garantir a proteção dos animais, o que ainda não acontece no Brasil de forma efetiva.

O caso de uma escola pública de Ponta Grossa, que enfrentava problemas constantes com um de seus alunos, que atirou filhotes de uma cadela de estimação da escola no ventilador, foi relatado pela juíza e integrante da Comissão Paranaense de Justiça Restaurativa do TJ-PR, Laryssa Copack Muniz. Ao contar sua experiência, a magistrada orientou que, por trás de uma violência como essa, há sempre uma história.

“É atrás dessa história que a gente precisa ir. E a história do aluno reflete o ato que ele cometeu. Ele sofria agressões físicas do padrasto todos os dias. A mãe tinha morrido”, completou. “Quando vejo que ele foi criado com violência, qual é a resposta que dou? Ele estava gritando por socorro”, continuou Laryssa, que corroborou com a desembargadora Lenice Bodstein, acrescentando que a agressão a um animal doméstico “configura agressão psicológica à mulher, que se sente ameaçada”.

A relação direta entre maus-tratos aos animais e a violência no ambiente familiar também foi defendida pela coordenadora da Casa da Mulher Brasileira, Sandra Prado. Ao explicar como é a rotina do órgão, que atende 24 horas por dia, ela contou que, apesar de não ter espaço adequado, a Casa acolhe as vítimas com seus animais domésticos. A convidada ainda defendeu uma mudança na legislação para que os animais sejam atendidos dentro da rede de assistência às mulheres em situação de violência.

Professora do curso de medicina veterinária da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Rita de Cássia Garcia sugeriu a elaboração de uma lei municipal que obrigue o médico veterinário a denunciar suspeita de maus-tratos a animais, “para que se tenha um fluxo de enfrentamento”. “Muitas vezes, o ambiente familiar é negligenciado. Uma criança violenta com um animal pode sinalizar que o ambiente não vai bem”, observou, ao relatar, na sequência, o caso de uma menina do interior de São Paulo que teve dois animais violentados e mortos, e que era abusada pelo pai e pelo irmão. A suspeita de violência doméstica e sexual foi levantada por um médico veterinário que atendia no Centro de Controle de Zoonoses local.





Fonte: Câmara Municipal de Curitiba 

Foto e vídeo: Spot Abuse 


NOTAS DA NATUREZA EM FORMA:

*1. O Olhar Animal, que também replicou a matéria acima, escreveu a seguinte nota: "É lamentável que a violência contra animais ainda seja vista como uma violência secundária, apenas um indício de que algo pior esteja por trás. Não, a violência contra animais já é o 'algo pior' e merece providências, independentemente de haver ou não violência contra humanos".

2. O capitão Marcelo Robis Francisco Nassaro, da Polícia Militar Ambiental de São Paulo, escreveu o livro Maus-Tratos aos Animais e Violência contra as Pessoas, baseado na teoria do link. “Nassaro estudou registros criminais de pessoas autuadas pela Polícia Militar do Estado de São Paulo por maus-tratos aos animais e observou que uma porcentagem significativa delas também apresentou outros registros por crimes violentos contra pessoas, indicando uma conexão entre esses delitos”, diz a sinopse do livro.

3. Saiba aqui como denunciar maus-tratos aos animais.

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