Nutricionista esclarece dúvidas sobre a dieta vegana


O veganismo vem ganhando cada vez mais força, por motivos diversos como saúde, proteção ambiental e compaixão pelos animais. Contudo mudar para o estilo de vida gera inúmeras perguntas, principalmente quanto aos nutrientes que o ser humano precisa para sobreviver e o quanto isso influencia o dia a dia - por exemplo, para quem pratica esportes e quer manter o peso e não perder músculos. Confira abaixo uma entrevista com a nutricionista Alessandra Luglio, membro da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), que tirou as dúvidas principais sobre o assunto. 

Para quem não consome nenhum produto animal, de onde vem as proteínas?

Esse questionamento, por mais recorrente que seja, é o mais simples de ser explicado. Antes de tudo, é importante deixar claro que as proteínas são formadas por aminoácidos. Os aminoácidos essenciais são aqueles que nosso corpo não produz e, portanto, precisamos consumir através da dieta. Todos os aminoácidos essenciais estão presentes no reino vegetal, de onde os animais, fontes das tais “proteínas animais”, os retiram, assim fica claro compreender que, ao consumirmos alimentos vegetais de forma variada, garantimos o aporte de aminoácidos necessários para sintetizarmos nossas proteínas.

O atual modelo alimentar ocidental baseado em proteínas animais costuma, com muita frequência, ser exagerado na quantidade total diária de proteínas, gerando excessos que não são benéficos à saúde. Ao abrirmos mão dos produtos de origem animal, não estamos deixando de consumir quantidades suficientes de proteínas, e sim (na maioria das vezes) deixamos de consumir excessos. De modo geral, podemos dizer que os alimentos mais ricos em proteínas vegetais são as leguminosas, como feijões, lentilha, grão-de-bico e ervilha, além das sementes de abóbora, gergelim, entre outros alimentos.

Por que uma dieta baseada em vegetais ainda tem carência de vitamina B12? Quais são as soluções para os vegetarianos estritos?

Porque o ser humano moderno vive uma condição de limpeza e assepsia que nos afasta da natureza, da terra, onde a vitamina B12 é sintetizada por bactérias. Precisaríamos consumir os alimentos vegetais em sua forma natural sem higienizá-los para que pudéssemos garantir o aporte da vitamina B12 ali presente. Como isso não é possível nos dias atuais, os alimentos de origem animal acabam sendo uma fonte estratégica de B12 (lembre-se: os animais não sintetizam a B12, e sim a acumulam consumindo alimentos em sua forma natural). Além disso, a vitamina B12 tem uma característica muito particular de absorção e reaproveitamento que varia bastante de pessoa para pessoa. Muitos onívoros têm carência dessa vitamina e muitos veganos acabam demorando um bom tempo para apresentar essa carência. Portanto o ideal é acompanhar com exames de sangue periódicos e, se necessário, realizar a suplementação com acompanhamento médico*.

Quais outros cuidados de saúde a dieta vegetariana precisa?

Assim como qualquer outro tipo de alimentação, a vegetariana/vegana precisa ser variada, equilibrada e o mais natural possível. Os pontos principais de cuidado são alguns micronutrientes como ferro, cálcio e ômega 3. Uma alimentação variada e equilibrada garante que todos esses pontos sejam cobertos sem dificuldades e sem necessidade de suplementação. A melhor forma de garantir esse equilíbrio é com o auxílio de um profissional nutricionista, que vai adequar a rotina às necessidades do paciente.

Quais são os principais pontos positivos na saúde quando uma pessoa deixa de comer animais e derivados?

São muitos! As carnes, ovos e laticínios são fonte de gordura saturada, que tem potencial inflamatório, podendo atuar negativamente na saúde cardiovascular e tendo relação direta com o surgimento de outras doenças crônicas. Alguns tipos de câncer também estão relacionados ao consumo de carnes e embutidos. Porém uma das maiores vantagens de uma alimentação vegetal é seu caráter protetor, por ser rica em vitaminas, minerais, compostos bioativos, antioxidantes e fibras, atuando na prevenção do envelhecimento celular precoce, de alguns tipos de câncer, doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão e auxiliando na manutenção dos níveis de colesterol e bom funcionamento intestinal, entre outros pontos positivos. Mas é importante lembrar que todos esses benefícios são conquistados através de uma alimentação equilibrada rica em alimentos vegetais íntegros, minimamente processados e coloridos - não basta apenas retirar os alimentos de origem animal do cardápio.


Quais erros as pessoas cometem quando mudam para a dieta vegetariana estrita?

O maior erro é não repensar o prato e buscar alimentos que venham a substituir as carnes, laticínios e ovos da dieta. O prato/refeição precisa ser reorganizado de forma proporcional, aumentando-se o consumo de leguminosas e seus derivados. Muitas pessoas complementam esse espaço no prato com carboidratos simples ou refinados, e isso torna a refeição desbalanceada. É preciso incluir sempre leguminosas, grãos e cereais integrais, além de vegetais em geral e sementes. Com essa combinação, fica mais fácil alcançar o aporte dos nutrientes necessários, além de garantir maior saciedade e controle do apetite.

Você pode explicar um pouco sobre a questão do leite não ser a melhor fonte de cálcio? Quais são as fontes vegetais de cálcio?

Os alimentos lácteos, à base de leite de vaca, sempre foram culturalmente reconhecidos como grandes fontes de cálcio na alimentação, o que, pensando-se de modo geral, é verdadeiro, pois os lácteos possuem alta quantidade de cálcio por porção a ser consumida. Porém de forma alguma podemos afirmar que seja a única ou até a melhor fonte, uma vez que os alimentos vegetais também são ricas fontes de cálcio e muitas vezes com melhor biodisponibilidade, ou seja, absorvermos em torno de 32% do cálcio presente no leite, enquanto a absorção do cálcio presente em vegetais verde-escuros ultrapassa 60%.

Outro ponto importante a ser considerado é que a maioria dos indivíduos que consomem várias porções de proteínas animais (o que é bastante comum na dieta ocidental) normalmente consomem excessos proteicos, levando à maior formação de ureia e amônia, que são subprodutos produzidos através da quebra das proteínas em excesso. Essas substâncias possuem padrão ácido de Ph, e acumuladas no organismo forçam nosso corpo a buscar componentes alcalinos para neutralização do Ph - desse modo, passamos a liberar o cálcio que compõe os ossos para que esse ajuste ocorra, e ao longo da vida esse pode ser um problema sério para a saúde óssea. Estudos comprovam que populações que consomem mais lácteos têm maior incidência de osteoporose do que populações que não possuem o hábito de consumo de lácteos.

Importantes fontes de cálcio de origem vegetal são espinafre, brócolis, couve, tofu, chia e aveia. Porém uma das mais ricas é o gergelim, que pode ser consumido como complemento polvilhado nas refeições ou em forma de pasta, conhecido como tahine.

Como uma pessoa sabe o tanto de proteína que pode consumir por dia? Quais são as implicações no corpo quando se excede a quantidade diária recomendada?

Existe um cálculo básico e bem geral de 1 g de proteína por quilo de peso, lembrando que essa proteína é o nutriente, e não o alimento proteico! Porém esse número é apenas uma média, e vai variar de pessoa para pessoa, dependendo do objetivo, saúde, atividade física etc. Na dieta vegana, dificilmente a pessoa vai extrapolar esse número apenas com alimentos, sem o uso de suplementos.

Já a alimentação onívora está cada vez mais focada na proteína, e estamos percebendo um exagero nas quantidades ingeridas, tornando as dietas hiperproteicas. O excesso de proteína acaba sendo um desperdício, uma vez que essas proteínas consumidas além da capacidade do organismo utilizá-las para suas funções fisiológicas e estruturais são quebradas e excretadas, podendo em longo prazo acarretar problemas relacionados à saúde óssea, fígado e rins, além de aumentar as chances de quadros inflamatórios, de onde surgem as doenças crônicas.



Fonte: Casa Vogue  

Fotos: Pinterest


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