Platão e a crítica ao consumo de carne


Não é possível afirmar que o filósofo grego Platão tenha sido vegetariano ou mesmo protovegetariano, já que não há registros fidedignos de seus hábitos alimentares. Porém, em sua obra A República, escrita no século 4 a.C., há indícios de que o discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles reconhecia a importância de um estilo de vida natural. A exemplo de Sócrates, Platão idealizava uma cidade onde as pessoas não se alimentassem da matança de animais, o que alguns pesquisadores interpretaram mais tarde como uma reação ao fato de que à época o consumo de carne já estava muito vinculado ao status dos cidadãos.

Embora também dissesse que tudo existia para o benefício humano, o filósofo grego que era adepto da frugalidade via a abstenção do consumo de carne como um caminho contrário aos excessos e à guerra. De acordo com o pesquisador Nathan Morgan, autor de The Hidden History of Greco-Roman Vegetarianism ("A história secreta do vegetarianismo greco-romano", em tradução livre), Platão qualificava a carne como um luxo capaz de levar os seres humanos à decadência. “Ele foi influenciado por conceitos pitagorianos, mas não foi tão longe quanto Pitágoras. Não é clara a forma como ele se alimentava”, pondera Morgan.

Por outro lado, aquele que é considerado por muitos como pioneiro da filosofia ocidental enfatizava a importância da razão, mesmo que isso significasse sacrificar a sensação ou a percepção. Por isso, há quem diga que Platão pode ter contribuído negativamente para o entendimento que Aristóteles teria mais tarde sobre o valor da vida animal não humana, já que a concepção e o enaltecimento de razão enquanto logos naturalmente excluíam seres não humanos.

Contudo, em A República, sua obra mais famosa e inspirada nos diálogos de Sócrates, Platão escreveu que, em uma sociedade ideal, as pessoas prepararão farinha de cevada e de frumento, cozinharão esta e amassarão aquela. Colocarão seus estupendos bolos e seus pães em ramos ou folhas frescas e, deitadas em camas de folhagem, feitas de teixo e de murta, “regalar-se-ão com seus filhos, bebendo vinho, com a cabeça coroada de flores, e cantando louvores aos deuses; passarão assim agradavelmente a vida juntos e regularão o número de filhos pelos seus recursos, para evitar os incômodos da pobreza e os temores da guerra”, conforme registrou na página 76 de A República.

E continuou, citando um diálogo de Sócrates com Glauco: “Eles terão sal, azeitonas, queijo*, cebolas e esses legumes cozidos que se costumam preparar no campo. Como sobremesa, terão figos, ervilhas e favas; assarão na brasa bagas de murta e bolotas, que comerão, bebendo moderadamente. Assim, passando a vida em paz e com saúde, morrerão velhos, como é natural, e legarão aos filhos uma vida semelhante à deles”.

Na obra, Platão deixa subentendido que um estilo de vida baseado em excessos mina a justiça e potencializa a injustiça. Valendo-se do discurso de Sócrates, ele discorre que a verdadeira cidade deve ser sã – moderada e voltada para a simplicidade. Não pode ser tomada pelo arrebatamento da excitação, do consumo desenfreado. “Parece que muitos não se satisfarão com esse padrão de vida simples e com esse regime: terão leitos, mesas, móveis de toda a espécie, pratos requintados, essências aromáticas, perfumes para queimar, cortesãs, variadas iguanas, e tudo isso em grande quantidade. Portanto já não podemos considerar apenas necessárias as coisas a que nos referimos no começo: moradias, vestuários e calçados; teremos de levar em conta a pintura e a arte de bordar, procurar ouro, marfim e materiais preciosos de todas as qualidades. Não é isso?”, questiona.

Fundador da primeira instituição de ensino superior do Ocidente, Platão deixou como legado outras obras que ficaram conhecidas como os “diálogos da maturidade”: Fédon, Fedro, Banquete, Menexêno, Eutidemo e Crátilo. Nascido em Atenas em 427 ou 428 a.C., o filósofo grego faleceu em 347 ou 348 a.C.

“Os homens afirmam que é bom cometer a injustiça e mau sofrê-la, mas que há mais mal em sofrê-la do que bem em cometê-la. Por isso, quando mutuamente a cometem e a sofrem e experimentam as duas situações, os que não podem evitar um nem escolher o outro julgam útil entender-se para não voltarem a cometer nem a sofrer a injustiça. Daí se originaram as leis e as convenções e considerou-se legítimo e justo o que prescrevia a lei. É essa a origem e a essência da justiça: situa-se entre o maior bem — cometer impunemente a injustiça — e o maior mal — sofrê-la quando se é incapaz de vingança”, escreveu Platão nas páginas 55 e 56 de A República.


Referências

Platão. A República. Nova Fronteira (2014)




Arte: Reprodução


*NOTA DA NATUREZA EM FORMA:

Lembramos que a produção do queijo naquela época provavelmente não envolvia a crueldade, exploração e igualmente morte de vacas como é hoje. Veja aqui como funciona a indústria do leite - e, consequentemente, todos seus derivados, como queijo, iogurte etc. E confira aqui deliciosas receitas de queijos vegetais.

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