O outro lado da informação na novela das nove

O veganismo segundo a Globo, na novela das nove (Foto: Globoplay / Reprodução)



Por Paulo Furstenau*


A novela das nove O Outro Lado do Paraíso, da TV Globo, mostrou, na última sexta-feira (17/11/2017), um jantar vegano. Como se podia prever, a Globo - cujos principais anunciantes são algumas das empresas que mais assassinam animais no País, como Friboi, Sadia e Perdigão - prestou mais um total desserviço à causa animal.

Eis o que se passou. A personagem Nádia, interpretada por Eliane Giardini, convida Tônia (Patrícia Elizardo) para jantar em sua casa. O plano de Nádia é aproximar Tônia, que é branca e médica, de seu filho, que está envolvido com a empregada doméstica negra da casa. O cardápio da noite é vegano, já que a convidada é (supostamente, como se verá a seguir) adepta do veganismo.

E começa a achincalhação. A anfitriã anuncia a entrada, um abacate empanado com parmesão de noz-pecã. "Hã?!", resmunga incrédulo seu marido, Gustavo, vivido pelo ator Luis Melo, acompanhado por olhares de estranhamento dos demais à mesa. A convidada agradece: "Não precisava se dar ao trabalho de fazer comida vegana, uma saladinha só bastava". E, após um curto e significativo silêncio, completa: "Se fosse com verduras orgânicas". A entrada sofisticada, a citação da "saladinha" seguida pelo adendo e a expressão da atriz deixam bem clara a intenção de mostrar os veganos como pessoas chatas em suas restrições e adeptas de uma alimentação que só inclui folhas ou, em outro extremo, que é elitista - nesse caso, por incluir um ingrediente caro como a noz-pecã.  

As reações dos filhos do casal são clichês como "nunca experimentei comida vegana" e "prefiro x-búrguer com batata frita". "Exótico", diz o pai, para depois perguntar: "Mas nem uma bistequinha de vez em quando?". "Estou achando uma delícia", finge a mãe em meio a uma risadinha nervosa. O único que mostra um pouco mais de simpatia e diz que gostou, emenda: "...é diferente" - mais tarde, quando vai deixar Tônia em casa, ele opina que "esse negócio de comida vegana é interessante", mas que não é sua "vocação".

Tônia, a personagem vegana que nem pensa nos animais 
(Foto: Globoplay / Reprodução)


Durante o jantar, a convidada explica que veganos não comem carnes, laticínios, mel - não cita os ovos, mas diz que não se alimentam de nada de origem animal. E fica por aí, se atendo ao aspecto dos benefícios para a saúde humana (especialmente a possibilidade de emagrecimento, o que depende, na verdade, da ingestão calórica, independentemente do tipo de alimentação) e nem mesmo mencionando o sofrimento e exploração de seres sencientes e a principal razão de ser do movimento vegano: a libertação animal sob todas as formas (alimentação, vestuário, testes e vivissecção, "entretenimento" etc.)

Ainda na entrada, Nádia revela qual será o prato principal: jaca. "Eu aprendi que jaca substitui a carne, não é?", pergunta ela, se dirigindo a Tônia. "Isso", confirma a médica vegana. E aqui vemos outra piadinha em cima de um estereótipo sobre veganos. Sim, nós, veganos, comemos coxinha de jaca, um salgadinho delicioso e sem morte como recheio, em vez de coxinha de frango. Mas não, a jaca não substitui a carne. 

A jaca não substitui a carne no dia a dia, pois não é uma fruta encontrada em qualquer feira ou supermercado nem mesmo durante sua estação, e seu preparo como carne não é simples. A fala de Nádia só reforça o equívoco - por parte de quem não conhece o veganismo - de que a alimentação vegana é "exótica", como disse seu marido, e que é complicado cozinhar. E a jaca não substitui a carne como fonte de proteína, sendo a lentilha, grão-de-bico, ervilha, tofu, carne de soja, aveia, amendoim e o bom e velho arroz com feijão algumas das principais (e não únicas) fontes de proteína vegetal - todos alimentos fáceis de achar, baratos e simples de preparar (e se você é daqueles que ainda creem no mito de que vegetarianos e veganos* têm deficiência de proteína, leia aqui).

"Bebê, você tinha que arrumar uma candidata que come essa comida tão extravagante?", reclama Gustavo após o jantar, quando a sós com sua esposa, queixando-se que o abacate empanado ainda não tinha lhe descido. "São sacrifícios que um pai tem que fazer por um filho", responde Nádia. Os dois se dizem então famintos e vão até a cozinha comer um sanduíche de carne assada. "Isso sim é comida de verdade, bebê!", exalta ele. "Eu assei essa carne hoje à tarde, eu sabia que ela ia salvar a gente desse jantar vegano horroroso", debocha ela. "Eu também quero!", exclama o outro filho, chegando na cozinha. A mãe pergunta se ele não tinha conseguido dormir, ao que ele responde: "Como se faz isso, com o estômago roncando?". Ou seja, segundo a novela, o que alimenta mesmo é carne, enquanto a comida vegana faz passar fome (leia aqui sobre o que a proteína animal faz com o corpo humano). O rapaz tenta tirar o sanduíche do pai e este, em tom de brincadeira, bate em sua mão e diz: "Vai 'comer vegano', vai! Vai 'comer vegano'!".

Veja aqui o trecho completo. 

Gustavo não consegue esconder sua repulsa em comer um alimento 
de origem vegetal: fruta com noz (Foto: Globoplay / Reprodução)


E aguardemos as cenas dos próximos capítulos. Após todos esses disparates colocados em menos de cinco minutos, tememos o que mais poderá vir nos meses a seguir em termos de desinformação - dirigida a milhões de telespectadores que confiam cegamente em tudo o que afirma como verdade o principal veículo de comunicação do País - dessa obra produzida por uma rede de TV financiada pela indústria da morte. 

Mas, desde já, sempre vale lembrar que arroz, feijão, legumes, verduras, grãos, frutas etc. são mais baratos - e simples de preparar - do que qualquer tipo de carne vendida por essas empresas, anunciantes ou não da emissora em questão. Confira aqui uma lista com indicações de dezenas de sites e livros de receitas veganas - e deliciosas. E acompanhe em nosso blogue matérias que mostram o que acontece antes de um prato com carne (ou qualquer "produto" tirado do corpo de um animal) chegar à mesa de um ser humano - clique nos marcadores indústria da carneindústria do leiteindústria dos ovos e indústria do mel para acessá-las e leia com atenção. 

Para além da alimentação, leia os textos publicados em indústria do couro, indústria da pele, indústria da seda"entretenimento"testes e vivissecção e meio ambiente, informe-se de verdade sobre o veganismo e reveja seus hábitos, na direção de uma vida sem compactuar com a extrema crueldade infligida a seres inocentes que sofrem e sentem dor e medo tanto quanto nós, humanos! 


*Paulo Furstenau é jornalista voluntário da Associação Natureza em Forma

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* Leia aqui as diferenças entre vegetarianos e veganos. 

Relembre outros casos de desserviço prestado pela Globo à causa animal:


Um comentário:

  1. Muito obrigada por esta postagem! No sábado seguinte ao capitulo, fui a um encontro de amigas e o houve comentários negativos por pessoas que não conhecem o veganismo. Tentei argumentar. mas em vão tal o poder do desserviço. Seguimos na luta contra a crueldade e a ignorância. Marcia

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