A ascensão da cultura vegana


Distantes são os dias de Annie Hall [filme traduzido no Brasil como Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, de 1977], quando Woody Allen aceitou resignado um prato de brotos de alfafa e purê de levedura. Ao longo dos anos, o comer vegano passou de insípido a tendência. Um sinal dos tempos: em 2016, a Tyson Foods, a maior processadora de carne dos Estados Unidos, comprou uma participação de 5% na empresa produtora de proteína vegetal Beyond Meat (o produto mais conhecido da empresa, o Beyond Burger, é cor-de-rosa, com extratos de beterraba e supostamente emite um chiado quando é grelhado). Não mais restrito a hippies ou radicais, o veganismo, hoje em dia, mantém companhias mais diversificadas e glamourosas: os corpos famosos pertencentes a Tom Brady e Beyoncé foram alimentados por dietas veganas.

A estudante de pós-graduação de sociologia Nina Gheihman está pesquisando aspectos sociais da propagação do veganismo. No início, o veganismo estava intimamente ligado à ideologia do movimento dos direitos dos animais, e visava a uma série de alvos, como uso de peles e testes de produtos em animais. Uma vez que os ativistas mudaram o foco para as condições da fazenda e os alimentos, o veganismo assumiu as características do que os estudiosos chamam de “movimento de estilo de vida”. Ao longo do tempo, ele se aproxima mais de preocupações ambientais gerais e de uma mentalidade “saudável”, vinculada a noções de aperfeiçoamento do corpo. Os números confiáveis ​​sobre a quantidade de pessoas que se identificam como veganos são difíceis de encontrar, diz Nina Gheihman, mas um número crescente pratica o veganismo de alguma forma, seja incorporando substitutos de carne e produtos lácteos em suas refeições, seja restringindo suas dietas em determinados momentos do dia ou por um período de semanas.

Cientistas sociais têm estudado o veganismo em relação ao ativismo dos direitos dos animais, mas tem havido menos pesquisas sobre o atual estilo de vida do movimento, seus mecanismos e estrutura. Nina está especialmente interessada em analisar figuras importantes, a quem ela provisoriamente chama de “defensores do estilo de vida”, argumentando que eles mudaram a natureza do ativismo. Eles geralmente vêm de campos normalmente não associados ao ativismo, diz ela, especialmente o empreendedorismo – e o “trabalho cultural” que eles fazem não é definido estritamente por suas ocupações oficiais. Esse trabalho expandiu o veganismo para além de seu núcleo ideológico, permitindo que uma maior variedade de pessoas possa participar, mesmo que elas não cumpram com todos os aspectos e princípios em suas vidas.

Nina classifica esses jogadores em três categorias. Alguns defensores do estilo de vida criam oportunidades para o consumo – por exemplo, iniciando um serviço de assinatura de comida vegetariana/vegana, abrindo um restaurante ou armazenando proteínas vegetais em suas mercearias. Outro grupo trabalha no que ela chama de “produção de conhecimento”, criando recursos educacionais – filmes, livros e postagens de blogues – que as pessoas fazem circular para compartilhar dicas e conselhos culinários ou persuadir os outros a mudar suas dietas. Terceiro e mais abstrato é o tipo de defesa envolvida no que ela chama de “produção de significado” ou “trabalho interpretativo”. Essas figuras mudam as associações culturais do veganismo, “a essência simbólica do que o veganismo significa”, como Nina diz. O jogador Tom Brady é um caso impressionante: emprestando seu nome a uma linha de kits de refeições da start-up vegana Purple Carrot, ele liga o veganismo com a figura física de “macho” do futebol profissional (a exemplo do kit TB12 Refeições de Desempenho, que afirma ajudar “atletas e indivíduos ativos a permanecer no auge” e “maximizar seu desempenho no campo de jogo” por 78 dólares por semana).

A pesquisadora planeja realizar pesquisas de campo e entrevistas para examinar a evolução do veganismo em outros dois contextos nacionais. O primeiro é a França, “o lugar óbvio para estudar um movimento de alimentos, onde se faz central a noção de comida boa ou comida adequada. A culinária do país pode parecer hostil ao queijo de caju ou à água de grão-de-bico (aquafaba) como um substituto do ovo, mas a estrutura hierárquica de sua cultura alimentar pode abrir caminho para mudanças dramáticas. Nos últimos anos, os chefs da alta gastronomia, que atendem uma clientela internacional de ponta, tiveram que fazer experimentos com menus veganos e pastelaria. A influência foi ampliada por uma rede de blogues de alimentos veganos e escritores de livros de receitas – mesmo quando outras instituições resistem à propagação desse estilo de vida, como é o caso do Ministério da Saúde francês.

O segundo caso é Israel, onde estima-se que cerca de 5% da população seja vegana; Tel Aviv ganhou uma reputação como uma das capitais veganas do mundo. A Força de Defesa israelense até oferece menus sem derivados de animais nos refeitórios e botas e capacetes sem couro para soldados veganos. Mais além dos números, Israel fornece um interessante exemplo contrastante, explica Nina, em parte porque o veganismo permanece firmemente enraizado em preocupações com os direitos dos animais e é praticado em todo o espectro político e religioso. Ela também está interessada em como o estilo de vida vegano evoluiu dentro do contexto cultural de Israel, apoiado pelo simbolismo nacional em torno do uso da terra e da água, e formado pelas tradições agrícolas do país e pela dieta mediterrânea.

O próprio estilo de vida vegano de Nina, entretanto, atinge muito além do raio de seu prato individual. Ela está envolvida com o Conselho para a Sustentabilidade, a Harvard Vegan Society, a Ivy League Vegan Conference e o Boston Plant-Based Millennials, que hospeda jantares mensais. 

Fonte: Karla Santone (via Harvard Magazine)

Ilustração: Jungyeon Roh

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