Vydūnas: “Não é uma coisa terrível matar um animal e comer sua carne?”


O filósofo e poeta lituano Vydūnas é pouco conhecido no Ocidente, tanto que seus livros normalmente são encontrados apenas em lituano. Por um lado, porque suas obras sempre se voltaram mais para o povo lituano, embora ele, como um pensador humanista, tivesse uma grande capacidade de universalização de suas ideias. Por outro, porque seu trabalho foi proibido pelos nazistas em 1933; e depois pelos socialistas, quando os soviéticos anexaram a pequena Lituânia à URSS, após um pacto feito com os alemães.

Vydūnas era visto como uma ameaça pagã por tentar preservar a cultura lituana, enaltecer a natureza e o respeito a todos os animais. Em 1932, ele publicou o livro Sieben Hundert Jahren Deutsch-Litauischer Beziehung, sobre os 700 anos de relacionamento germânico-lituano, que fala sobre a interação dos povos e como a cultura lituana foi afetada pela alemã, o que desagradou aos nazistas.

Em 11 de março de 1938, o filósofo foi preso em Tilsit, que até hoje pertence à Rússia, e acabou libertado dois meses depois graças a um protesto liderado pela Sociedade Lituana de Escritores, que conseguiu apoio de pessoas de muitos países. Com a chegada dos soviéticos em 1940, o tratamento não foi diferente.

Vydūnas, que era um professor questionador e tinha fama de livre-pensador, despertou desconfiança e se tornou alvo de constantes perseguições. Em 2 de outubro de 1944, após um bombardeamento, ele se mudou para Provarbiai, perto de Königsberg, na Alemanha, onde encontrou como abrigo um campo de refugiados. Depois de algumas semanas, se mudou para Detmold, no estado da Renânia do Norte-Vestfália.

Em Sąmonė (Consciência”), uma de suas obras mais famosas, lançada em 1936, ele fala que apenas por meio da consciência a humanidade é capaz de encontrar uma visão verdadeiramente expressa da realidade. Para Vydūnas, a partir do encontro com essa realidade os seres humanos podem se voltar para uma condição que, mesmo partindo de uma perspectiva individual, tenha o papel de unir, não segregar. Ele também ganhou fama de místico por promover o renascimento da cultura pagã e ressaltar suas semelhanças com a tradição hindu.

Ainda muito jovem, Vydūnas voltou naturalmente sua atenção para os animais não humanos. Em 1912, revelou que fazia mais de 20 anos que não consumia carne, de acordo com informações da revista Jaunimas (“Juventude”), publicada em março de 1912. “Não é uma coisa terrível matar um animal e comer sua carne?”, questionou. De acordo com o livro 1939: The Year that Changed Everything in Lithuania’s History, de Šarūnas Liekis, Vydūnas se alimentava basicamente de comida vegetariana. E se manteve assim até os últimos dias de vida.

Na obra póstuma Raštai II Tomas (“Registros – Volume II”), publicada em 1991, há mais provas de que Vydūnas defendia o direito dos animais à vida por uma questão moral e ética. Segundo o filósofo, às vezes, os animais podem demonstrar mais consciência do que os seres humanos, pois são criaturas da natureza que trazem uma sabedoria geralmente refletida e, não raramente, facilmente aprendida. Por sua sensibilidade, nível de consciência e influência moral, o pensador lituano chegou a ser comparado a Mahatma Gandhi e Rabindranath Tagore.

“Provavelmente todo mundo [os lituanos] já ouviu falar sobre Vydūnas (Vilius Storostas) e uma dieta vegetariana? Vydūnas continua a ser o mais famoso vegetariano lituano”, diz o artigo Vegetarizmas ir veganizmas Lietuvoje: XX a. pirmoji pusė, publicado pela Vegan.LT, que discorre sobre o vegetarianismo e o veganismo lituano no século 20.

Mesmo que mais tarde tenha sido considerado um exemplo enquanto pensador e ser humano, durante o domínio soviético, que chegou ao fim somente em 1991, Vydūnas foi obrigado a passar seus últimos anos de vida longe de sua amada Lituânia. Ele faleceu em 20 de fevereiro de 1953 em Detmold, na Alemanha Ocidental.

“Ele não considerou como o mais importante objetivo de suas atividades o desenvolvimento de suas próprias teorias filosóficas ou o esclarecimento intelectual de seus compatriotas, mas sim estimular as pessoas a aspirarem por um ideal mais humano”, escreveu Jūratė Baranova no livro Lithuanian Philosophy: Persons and Ideas, lançado em 2000.

Vydūnas chegou a ser indicado como candidato ao Prêmio Nobel da Paz em 1940, mas, por causa da conturbada situação política da Lituânia, sua candidatura foi revogada. Porém, mesmo diante de tantas adversidades ao longo da vida, ele jamais cogitou a possibilidade de não lutar.

“Apesar de ter feito muito e contribuído significativamente para a cultura nacional, durante muito tempo ele permaneceu no quase total esquecimento. Diz-se que o melhor teste de valores é o tempo; que somente os valores verdadeiros permanecem vivos, enquanto aqueles que não resistem às provações do tempo caem no estoque passivo do passado”, escreveu Baranova sobre Vydūnas.




Saiba mais

Wilhelm Storost nasceu em uma aldeia em Jonaten, perto de Heydekrug, em 22 de março de 1868. Ele adotou o nome Vydūnas com cerca de 40 anos.

Considerado um dos maiores líderes culturais da Lituânia Menor (ou prussiana) dos séculos 19 e 20, Vydūnas fez um profundo trabalho sobre músicas folclóricas e tradições rurais. Também compôs canções e escreveu peças de teatro.

Além de lecionar filosofia, ele deu aulas de lituano, alemão, francês e inglês. Mais tarde, continuou seus estudos filosóficos na Alemanha – em Greifswald, Haille, Leipzig e Berlim.

Seu túmulo pode ser visitado no Cemitério de Bitėnai, uma aldeia a 11 quilômetros de Pagėgiai.


Referências

- Liekis, Šarūnas. 1939: The Year that Changed Everything in Lithuania’s History. Rodopi Páginas 67-71 (2009).

- Strmiska, Michael. Modern Paganism in World Cultures: Comparative Perspectives. ABC-CLIO. Página 361 (2005).

- Baranova, Juratė. Lithuanian Philosophy: Persons and Ideas. Council for Research in Values, Página 89 (2001).

- Vydūnas. Raštai II Tomas. (1991). Disponível em http://www.sarmatas.lt/wp-content/files/pdf/Vydunas-Rastai-II-tomas.pdf




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