Mas não foi isso que aconteceu. Esta foi, para as baleias, uma das piores reuniões das últimas décadas, e a razão disso é que, finalmente, o fato de que a participação dos países ditos “pró-conservação” na CIB é mera diplomacia ornamental está cobrando o seu preço.
Caça na Groenlândia ratificada
O pior resultado da reunião da CIB foi a guinada da União Europeia em direção à aceitação plena da caça comercial de baleias, evidenciada pelo apoio fechado do bloco à matança destas pela Groenlândia (território autônomo da Dinamarca) sob o pretexto de “caça aborígene de subsistência”. Ora, essa caça da Groenlândia é tudo menos “de subsistência”. Os “aborígenes” massacram baleias, golfinhos, focas, em números assustadores, e abastecem com sua carne supermercados e restaurantes pela Dinamarca afora, fato amplamente comprovado em investigações recentes, e isso na maior cara dura. Dentre as espécies capturadas, estão as ameaçadíssimas baleias fin e bowhead do Atlântico Norte e baleias-jubarte que se reproduzem em águas do Caribe e são essenciais ao turismo de observação de baleias da República Dominicana.
Países ricos e cúmplices
A União Europeia, entretanto, que tem uma política nominal estrita de conservação de cetáceos dentro de suas fronteiras, está muito mais interessada em ter acesso fácil aos imensos recursos minerais da Groenlândia, agora mais perto de poderem ser explorados em função do degelo do Ártico, do que em assegurar a sobrevivência das baleias ou fiscalizar os abusos da caça dita “aborígene”. É assim que, com o apoio indecente dos Estados Unidos – outro país hipócrita que se faz de conservacionista, mas apoia a matança disfarçada de “subsistência” – a União Europeia votou para aprovar o massacre bestial de nada menos do que 621 baleias das espécies minke, fin, bowhead e jubarte até 2018, enchendo as burras dos “aborígenes coitadinhos” de dinheiro e as gôndolas dos mercados dinamarqueses de carne de baleia. E a República Dominicana, cujas comunidades da Baía de Samaná dependem das jubartes para gerar emprego e renda sem matá-las, que se afumentem: as baleias mais dóceis e valiosas para o turismo de observação é que são mortas primeiro, pela facilidade com que se aproximam das embarcações. Apenas o bloco de países latino-americanos votou em peso contra a proposta, mas sem resultado. Ao mesmo tempo, a União Europeia e Estados Unidos, com a ajuda safada da Secretaria da Comissão Internacional de Baleias, não deixaram incluir nas tabelas de infrações à Convenção as matanças totalmente ilegais feitas pela Groenlândia em 2012/13, já que em sua última Plenária a Comissão havia negado uma quota “aborígene” para aquele território, mas a caça aconteceu mesmo assim… evidenciando mais uma vez a inutilidade total da Comissão.
Diante desse descalabro, é escandaloso o silêncio das mega-ONGs que comparecem em peso à Comissão da Baleia para fazer seus press-releases e apelos aos sócios por mais dinheiro para campanhas. Tímidas reações ao maior massacre autorizado pela CIB desde o início da moratória da caça comercial de baleias em 1986. Aparentemente, as agendas de amiguismos entre mega-ONGs e governos é maior do que os danos ambientais da caça e que os danos sociais de se destroçar o turismo de observação de baleias de um país em desenvolvimento.
Resulta uma enorme hipocrisia que a mesma Comissão tenha negado ao Japão, pela enésima vez, a proposta de reabrir sua caça costeira de baleias minke. Claro que eu sou contra, e claro que a proposta resultaria em outra brecha à moratória, mas aprovando-se a matança no atacado de espécies ameaçadas pela Groenlândia, o tratamento da caça costeira japonesa é absolutamente desigual, dando aos japoneses, de graça, mais um argumento para fazer suas estripulias à revelia da comunidade internacional.
Até a Austrália e a Nova Zelândia
Voltando à decisão da Corte Internacional de Justiça, como dissemos antes era de se esperar que a CIB e os países ditos “pró-conservação” aproveitassem para reafirmar de maneira categórica que a tal caça “científica” é um absurdo intolerável no século XXI, quando já existem métodos não-letais que suprem absolutamente todas as necessidades de pesquisa. Mas ora pois, com a Nova Zelândia e Austrália sob governos de extrema-direita nada preocupados com a temática ambiental e empenhados em negociar acordos comerciais com o Japão, cadê o interesse nisso? Ao contrário, a Nova Zelândia propôs, com o apoio maciço de todos esses hipócritas da Comissão (e, de novo, com a oposição apenas de países latinos, ainda que rachada pelo entreguismo de México e outros mais chegados à gringolândia), que a caça “científica” seguisse apenas “regulada” através de uma revisão do Comitê Científico da CIB. Tradução: ao invés de lutar para extinguir essa prática criminosa, vamos só fazer um trololó para reduzi-la para deixar o Japão seguir com seu “business as usual”. Isso, claro, também resultou aprovado. Depois de muita gritaria, uma menção quase inócua a não fazer caça “científica” em Santuários foi aprovada junto, mas o Japão já falou que vai ignorá-la.
Brasil não se mexeu
O que não se aprovou mesmo foi a proposta do Santuário de Baleias do Atlântico Sul, que o (des)governo do Brasil conduziu da maneira mais inepta possível, evidenciando que por aqui o tema também não passa de diplomacia ornamental, e ainda por cima mal feita. A delegação brasileira por fim apareceu e fez o que pôde, mas lá na Plenária da CIB os delegados já vêm com instruções fechadas e é muito difícil mudá-las. O trabalho diplomático pesado tinha de ter sido feito antes, e isso o tal Ministro Figueiredo do Ministério de Relações Exteriores se recusou terminantemente a fazer, até que, graças a uma campanha pública ajudada por ativistas argentinos e chilenos da Greenpeace, em que a cara dele foi circulada na internet do mundo inteiro junto a uma baleia sendo morta (figura ao lado), finalmente foi a campo faltando meros dois dias para a votação da proposta. Ainda assim, se conseguiu virar alguns votos africanos, aumentando a votação favorável de 65 para 69 dos 75% necessários para sua aprovação. Moral da história: mais uma vez, o Brasil não fez aprovar o Santuário do Atlântico Sul porque não quis. Em 2016 teremos outra chance, mas a continuar esse descaso, será novo vexame.
Extinção de pequenos cetáceos
Por fim, a “cereja do bolo” funéreo desta 65ª. Reunião é a inação da Comissão ante a extinção continuada dos pequenos cetáceos. Após anos de alertas e “Resoluções” que não serviram para nada, a China deixou extinguir-se o baiji (Lipotes vexilifer), um raro golfinho de rio massacrado em redes de pesca e encurralado por alterações ambientais do rio Yangtze, onde vivia. Agora a vaquita (Phocoena sinus), endêmica do Mar de Cortez no México e com menos de 100 indivíduos restantes, está para ser extinta pela captura em redes de pesca ilegal, e ninguém faz nada. Na ex-conservacionista Nova Zelândia, o endêmico golfinho de Maui (Cephalorhynchus hectori maui) está também na bola sete, e depois destes, irão para o brejo as toninhas (Pontoporia blainvillei) aqui mesmo na costa sul do Brasil, todos vítimas da “captura incidental” em redes. Incidental coisa nenhuma, os governos sabem muito bem que se não fecharem essas pescas predatórias estas espécies irão se extinguir, mas optam por não fazer nada para atender aos lobbies mafiosos da pesca. E a CIB, ora a CIB, não faz absolutamente nada.
A frustração dos ativistas latinos presentes à 65ª. Plenária da CIB, frente tanto à conivência criminosa dos países “conservacionistas” com a caça quanto à inação das mega-ONGs ante esse descalabro todo, deixou clara uma coisa: esta Comissão, anacrônica e vendida a tudo quanto é interesse menos à conservação dos cetáceos, não fará nada em defesa das baleias. Quem quiser apoiar a sua conservação e a continuidade da luta contra a caça, precisa apoiar a Sea Shepherd, última ONG a fazer algo de prático e capaz de parar com as matanças. Já em relação ao Santuário do Atlântico Sul, aos pequenos cetáceos brasileiros trucidados pela pesca, a tudo o que se refere à conservação marinha, só tem um jeito de melhorar: é varrer do mapa esses políticos que aí estão e buscar votar, daqui a uns dias, em quem se interesse mais seriamente pela conservação da Natureza do que meramente em fazer diplomacia ornamental.
Fonte: O Eco
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