A realidade dos cães de aluguel, por Lilian Rockenbach

A locação de cães é atualmente uma triste e crescente realidade encontrada, principalmente,  nas grandes cidades.

Como não poderia deixar de ser, em todos os seguimentos que envolvem a exploração de animais, é crescente também o número de denuncias de maus tratos contra os animais locados e , em muitas vezes, esquecidos em seus postos de “trabalho”.

Eu mesma já participei de um resgate que envolvia cães alugados. Quando chegamos ao local, uma fábrica abandonada no bairro do Tatuapé-SP, que contratou o “serviço” para não o local não ser invadido, percebemos o cheiro muito forte sentido da rua,  ouvimos o relato dos vizinhos sobre os latidos ouvidos dia e noite que foram diminuindo até calar, o local totalmente trancado, com portões que impediam a visualização da parte interna e muros altos, e a certeza de que lá dentro haviam pelo menos dois cães em sofrimento. Inicialmente chamamos a polícia, e logo que chegaram, já era noite, começamos a arrombar os portões, nós os protetores, eles apenas acompanharam a ação.

Segundo a Constituição Federal o domicílio é inviolável, a menos que ali esteja ocorrendo um crime, e crueldade contra animais é crime, segundo o artigo 32 da Lei Federal 9605.

Assim que entramos logo avistamos o corpo de uma cadela, da raça pastor alemão, já em decomposição, o local era imenso (metade de um quarteirão), e começamos a busca desesperada pelo outro cão. Um vizinho nos emprestou uma pequena lanterna, no portão dezenas de pessoas acompanhando nossa busca, e o encontramos ainda com vida jogado num canto.

Segurar aquele cachorro pastor alemão “de porte grande” nos braços foi fácil, ele tinha apenas pele e ossos, não conseguia sequer levantar a cabeça, tínhamos que levá-lo urgente ao veterinário, mas nos dividimos para fazer o boletim de ocorrência na delegacia.  A situação dele era gravíssima, ficou internado, tentamos de tudo, mas não conseguimos salvá-lo.

E os responsáveis?

Nós até que tentamos saber quem era o proprietário do local, ou a empresa que alugou os cães. Sem sucesso.

Até hoje não sabemos, ninguém nos chamou para prestar depoimento. Possivelmente mais um inquérito arquivado no Ministério Público, cachorro né...

A grande realidade é que a maioria das empresas que alugam cães são empresas de fundo de quintal, uma grande idéia de “adestradores” que conseguem cães de grande porte facilmente, adotando-os de pessoas que não os querem mais ou que se infiltram em listas de protetores para saberem onde podem “resgatar” esses animais abandonados. Algumas, poucas, são registradas, pagam impostos, e não maltratam seus animais, mas não há regulamentação específica para este tipo de empresa, com regras para o tratamento dos animais e treinamento de funcionários, por exemplo... Uma terra de ninguém.

Os cães são adestrados para se transformarem em máquina de destruição, são treinados para o ataque, às vezes até para matar. Depois são levados para um terreno, uma fábrica abandonada, uma casa para ser vendida ou alugada. E lá ficam às vezes sem abrigo contra intempéries, às vezes dias sem comer (talvez semanas como no caso que relatei acima), vulneráveis a serem envenenados, adoecem e muitas vezes não são tratados, quase não tem contato com humanos, nunca recebem carinho.

São objetos, são fonte de renda e quando não dão lucro, obrigatoriamente, dão prejuízo.

Qual empresa de locação de cães tem um plano para a aposentadoria destes?

Quando envelhecem para onde vão? Alguém sabe?

O destino, provavelmente, é o mesmo das matrizes dos criadores de animais para a venda: eutanásia ou rua. Após servirem e sustentarem a família de seus algozes, ao envelhecer ou adoecer a certeza é a morte.

Um ramo 100% lucrativo. O cão não cobra férias, nem 13º salário, pode trabalhar dia e noite sem alimentação adequada, não reclama pela falta de cuidados ou pela crueldade a que é submetido, não traz demandas trabalhistas.

Mas age por instinto, às vezes ataca as pessoas erradas, podendo até matar... Foi treinado para isso.



23 de Julho de 2010


Um adolescente de 14 anos foi devorado e morto por dois cães da raça rottweiler na noite de hoje depois de invadir um terreno particular na Estrada do Morro Grande, no número 763, na Vila Carmela. De acordo com testemunhas, o jovem pulou o muro do local porque estava tentando pegar uma pipa.

27 de Janeiro de 2011


Em janeiro de 2011 a Uma decisão da 17ª Vara Cível de Curitiba proibiu a empresa Dog Seg Serviços de Segurança Ltda. de prestar serviço de locação de cães de segurança, sob pena diária de R$ 10 mil. A decisão se baseia em uma ação civil pública, proposta pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, após denúncias, constatadas pelo MP, pela Polícia Civil e pela Vigilância Sanitária de Curitiba, de maus-tratos aos animais, como privação de alimentação e de água, falta de assistência à saúde e aprisionamento de cães grandes em caixas de pequeno porte. Na ação, proposta em 2008, o MP-PR alegou que a empresa não possuía alvará de licença e autorização ambiental para fazer a locação de cães para segurança.

15 de Janeiro de 2011

Justiça determina fechamento de empresa de aluguel de cães


O Ministério Público do Paraná foi intimado, nesta semana, de sentença proferida pelo Juízo da 16ª Vara Cível de Curitiba, que condenou a empresa Feroz Locação de Cães de Guarda pela prática de maus-tratos contra animais.



Outra triste conseqüência deste ramo é o desemprego de humanos. O mercado na segurança privada é um dos que mais crescem no país, a cada mês as escolas formam milhares de profissionais aptos e treinados para a função, profissionais que possivelmente não irão matar qualquer um, ou irão devorar crianças que invadirem o seu terreno para pegar uma pipa. Profissionais que provavelmente estarão desempregados.

O cão age por instinto e não substitui a presença física de um profissional treinado.

Penso que a proibição imediata do aluguel de cães, possivelmente, causaria um abandono gigantesco destes animais. Imaginem milhares de animais treinados para o ataque, abandonados nas ruas. Certamente eles seriam abandonados pelos motivos que descrevi acima: a maioria das “empresas” não tem o devido registro como CNPJ, por exemplo, portanto não existe, no Estado de São Paulo, como mensurar quantidade destas “empresas” nem o número de animais alugados para fiscalizar. Já procurei fazer eese levantamento e nada consegui.

Os animais alugados não são vistos como vida e sim como negócio, se não dão lucro, dão prejuízo, não haverá interesse dos proprietários da “empresas” (de fundo de quintal) de mantê-los como pets, principalmente porque foram treinados para não o serem, etc...

Imagino que seria um verdadeiro caos para a população, para outros animais que possivelmente seriam atacados por estes que estariam fazendo apenas o trabalho para o qual foram treinados, defender o seu território, para o poder público que não teria como absorver a demanda, e para nós protetores de animais, que já vivemos com nossas casas lotadas, com contas altíssimas em clínicas veterinárias, mas que com certeza nos desdobraríamos para tentar proteger também a estes irmãos que só conheceram o sofrimento em suas vidas.

Temos que pensar de forma sensata. Qual o destinamento destes cães no caso de uma proibição da locação? 

Lutar por isso é mais do que nossa vontade, é nossa obrigação. Em São Paulo a Lei Estadual proíbe a matança de animais sadios. Por incompetência e total falta de vontade política, inércia do Poder Público, os CCZs estão lotados. Não existem programas de adoção em quase nenhum deles, consequencia disso: não recolhem animais de forma alguma.

Pra onde iriam os cães das malditas empresas de locação?

É claro que sou a favor da proibição do aluguel de cães, mas penso que isso tem que ser feito de forma responsável, também para protegê-los de um massacre. Todos os anos eu vou ao Centro de Controle de zoonoses de São Paulo para ver os laudos de eutanásia, a Lei Estadual me dá este direito, e a realidade dos animais estigmatizados (pitbulls, rotweillers, bull terriers, etc.) que dão entrada no órgão para serem eutanasiados é muito triste. Animais esfaqueados, com golpes de machado na cabeça, com ferimentos pelo corpo (possívelmente feitos por pedradas), animais queimados vivos. Animais que foram abandonados por seus tutores.

E qual seria a solução para a questão?

Talvez criar inicialmente um sistema de fiscalização e de regras para as “empresas” de locação de cães, seja um dos caminhos. Isso acabaria de imediato com boa parte das empresas clandestinas, e obrigaria às outras a modificarem o tratamento dispensado aos seus animais. Obrigar as “empresas” de locação de cães identificarem e registrarem seus animais, traria ao poder público, o conhecimento do número de cães locados no Estado. Responsabilizar igualmente locador e locatário pelos maus tratos infringidos aos animais, também é uma opção. A obrigação de cumprir regras e seguir legislação específica aumentaria os custos de locação, fazendo com que o mercado de locação de vidas deixe de ser tão atraente para locador e locatário. E por último, por ser matéria de competência federal, lutar para conseguir aprovar uma lei federal que proíba a prestação “deste” vergonhoso serviço.

Talvez seja a hora da proteção animal se reunir para discutir esse assunto de forma responsável. Porque sem dúvida alguma somos nós que teremos que absorver estes animais, e recolocá-los. Como faremos isso? Onde abrigaremos estes cães em canis individuais a fim de reabilitá-los a serem pets novamente (se é que isso é possível)? Como proteger esses cães dessa exploração descabida? Será que estamos preparados para essa tarefa? Será que mesmo querendo a proibição, estamos psicológicamente preparados para pedir uma regulamentação? Será que estamos dispostos a nos unir para discutir esse assunto?

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